quinta-feira, 1 de julho de 2010

A resposta às reaccões ao texto no meu blogue sobre Saramago


Tenho uma página no facebook.

Passando os olhos rapidamente pelas notícias on-line do Público e nas entradas de alguns amigos que são transcritas no meu perfil, apercebi-me que Saramago tinha morrido.

É sabido que não sou comunista.

É sabido que há uns anos fiz política activa autárquica, trabalhando no duro e em equipa, saindo para o terreno, dando a cara, expondo-me nos media, escrevendo artigos em jornais e respondendo a entrevistas polémicas na tv, nem sempre justas ou agradáveis, mas decentes e sempre defendendo claramente os meus pontos de vista.

Fui premiado por este meu labor desinteressado por um convite para integrar a Comissão Política do Partido bem como de Presidente das Relações Internacionais.

O saldo foi muito positivo e percebi o que é servir de outra forma o meu país e a comunidade; mas reconheço que nem todos têm esta vocação.

Voltando ao facebook, comecei a ler com indignação uma série de comentários sobre Saramago que roçavam a boçalidade, a ignorância e a intolerância, em suma, o reaccionarismo mais primário.

Li quase todas as obras de Saramago. De umas gostei, de outras nem tanto mas nunca por razões de conteúdo, e ainda me faltam ler algumas. Acabei de comprar “Caim”.

Não gostei, por achar de mau gosto, que Saramago tivesse chamado “filho da puta" a Deus, na sua obra Caim. Era sobretudo desnecessário pois sendo ateu, Deus para ele não era importante e por isso não teve mérito nem coragem, ao contrário do que ele julgou de início. O que seria se o fizéssemos a Maomé, a Buda, a Jeová, etc.

No entanto na entrevista na televisão com o teólogo Padre Carreira das Neves e face à tolerância por este último demonstrada, ao ser-lhe referido este aspecto reconheceu que tinha exagerado e que se tinha excedido.

Tudo isto, para mim, são as minudências da personalidade de Saramago, que não me interessam nem admiro.

Apetece-me citar Voltaire "I may not agree with what you say, but I will fight to the death for your right to say it".

Mimos como estes abaixo, apareceram publicados em resposta aos meus comentários:

“ Não li e não gostei”!

“Afinal há comunistas porreiros: os que estão mortos.”

“Não será que ele sabendo o estado em que estava, sabia que nem Deus o salvava”

“Morreu um homem mau, aliás morrem todos os dias.”

“O facto do mundo o reconhecer como um grande escritor, não me impede que eu também tenha de o reconhecer, e sobretudo ele foi uma pessoa odiosa. Os ataques ao nosso País, à Igreja Católica, definem claramente o seu carácter. Não celebro nunca a morte de um ser humano, e muito menos a de um Português (não sei bem se ele ainda era Português ) e só peço a Deus que ele na hora da Morte se tenha arrependido das muitas blasfémias que disse, e que Deus na sua infinita Misericórdia o receba na sua Santa Graça.”

As minhas respostas foram sendo serenas e sobretudo referindo-me sempre ao escritor e à sua obra. Debalde!

Alguns passaram ao insulto depois de eu ter intuído que “quase” e sublinhei a expressão, todos os que me respondiam nunca teriam porventura lido a obra de Saramago!

Com grande espanto meu, confessavam com arrogância que não perdiam tempo a ler comunistas ou prémios Nobel comprados…Dislates de tal tamanho que me provocaram a deixar bem expressa a minha indignação.

Pequeno aparte, a origem, extracto social e apelidos dos comentadores talvez tenham, num passado muito longínquo, servido Portugal…

Publiquei no meu blogue depois, uma entrada a que chamei “Homenagem a Saramago”, com um belo poema de Alberto Caeiro, que transcrevo:

“Se, depois de eu morrer...

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas --- a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vivi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.”


Fui recebendo por e-mail, novas reacções, sempre temperadas pelo desacordo em relação ao homem e não à obra.

Lembro-me de que quando, em mais novo, li Nietzsche, guardei para sempre estas palavras que guiaram o meu futuro e em que ele diz que os nossos verdadeiros educadores, que são também formadores, revelam-nos o que é o sentido primitivo e a essência elementar do nosso ser, qualquer coisa que não se deixa nem educar nem formar, em todo caso, alguma coisa que é de acesso difícil, que está subjugada e paralisada; os nossos educadores não seriam capazes de ser para nós senão libertadores.

Hoje, procuro pensar por conta própria, só assimilando dos mestres o que julgo de bom; procuro ser eu mesmo, com os meus instintos, os meus defeitos, os meus ódios, as minhas verdades, os meus erros...

Sou um apaixonado, um homem de ideias, um espírito combativo, um energético, podendo dizer sem exagero que sou um rebelde inato. A minha infância foi um permanente exercício de reflexão: no seio de uma família tradicional e conservadora, esbracejando contra os preconceitos e a prática, tantas vezes, de uma moral despótica e hipócrita.

Sou um eterno descontente, um insaciável, um espírito ávido de sensações novas, cheio de uma curiosidade inquieta e de aspirações infinitas; sou como uma sarça de fogo, que tudo procura devorar. Sou um atormentado pelo ideal nunca satisfeito, mas cheio sempre de entusiasmos e de alegrias pelas obras que sonho realizar, um atormentado por essa vontade, essa necessidade de renovação, que leva a serpente a mudar constantemente de pele.

A serpente morre quando não pode mudar de pele: do mesmo modo os espíritos a quem se impede de mudar de opiniões deixam de ser espíritos.

“Viver é mudar, mudar continuamente de ritmo, renovar-se perpetuamente: renovar-se ou morrer”, dizia Leonardo Da Vinci.

A arte de escrever, pelo menos a verdadeira arte, nada tem de convencional, nem se confina a um círculo estreito, de produtos de simples amadores.

Já vai longe o tempo em que se procurava encerrá-la em fórmulas estreitas, classificá-la em escolas de pensamento, como se rotulam produtos de uma fábrica.

O artista que se sente forte e capaz, consciente do seu valor e da sua missão na terra, não necessita desses entraves morais, que na verdade, são os sistemas e as doutrinas.

Triunfa sempre: não admite espartilhos, é indiferente às preocupações de academias e escapa às categorias: despreza as etiquetas e os rótulos.

O génio revela-se exuberante com todos os sinais do seu tempo, fora de todos os dogmas e de todas as escolas de pensamento.

É esta a verdade, que seria preciso repetir sem cessar: não devemos procurar partidos nem escolas, nem aceitar os dogmas que nos impõem propagandistas extenuados de culto, cansativos e áridos.

Devemos tentar ser legítimos, porque assim nos aproximamos da verdade e, sobretudo, da vida.

O que não se pode mais negar é que o estado social invade o nosso meio e, a tal ponto, que ocupa incontestavelmente um lugar preponderante na vida actual pesando sobre tudo e todos.

Este vergonhoso antagonismo em que repousa o regime burguês constatando as causas que causam a dor universal, e que não repousa somente no sofrimento, na miséria física, mas sim na ausência de liberdade, tem que ser abertamente discutido.

Assim, o mal-estar e o desespero, a fome e a miséria, fruto da opulência dos parasitas e da ignorância das massas, o espectáculo deprimente da dor e da injustiça humanas, devem despertar em todas as pessoas bem formadas o desejo de ver estabelecidos entre os homens os princípios de equidade e da justiça.

Estes desideratos levaram alguns dos nossos escritores a pôr os seus dotes intelectuais ao serviço deste movimento de legítima revolta que, desde há muito tempo, vem minando as bases do velho mundo.

A arte é um apostolado social, e é um apostolado social porque é um sacerdócio do bom e do belo, sendo a sua principal missão a de restituir à humanidade a sua beleza, desembaraçando o homem de todos os preconceitos morais e religiosos.

Termino com estas magníficas reflexões de Mário de Andrade, que modestamente faço minhas na íntegra:

Contei os meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma taça de cerejas.As primeiras, chupa displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando os seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer de árbitro de desafectos que discutiram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coro da orquestra.

As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.

O meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, a minha alma tem pressa...

Sem muitas cerejas na taça, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que saiba rir dos seus tropeços, que não se encante com triunfos, que não se considere eleita antes da hora, que não fuja da sua mortalidade.

Quero caminhar perto de coisas e de pessoas de verdade,

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!


"If only closed minds came with closed mouths"

1 comentário:

  1. Já tinha lido este seu post, algures. Não sei se exactamente igual, mas que interessa, se o essêncial está lá?
    subscrevo de espírito...mas gostava de ter um espírito suficientemente liberto para o poder subsescrever na totalidade. Isto porque reconheço as inúmeras limitações de que ainda me sinto alvo, as inúmeras de que quero libertar-me(vou lutando para isso) e as inúmeras de que infelizmente talvez ainda nem tenha suficiente consciência.
    Percebe porque digo que tenho tanto para aprender?
    E porque lhe sou grata pela sua presença nestes espaços e a ajuda que conto receber?
    Tenho 51 anos... e como o Mário de Andrade, "terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora".
    Percebe ainda porque lhe pergunto, algures noutro post, se ainda vou a tempo?
    Mas porque acredito que, a tempo ou não, mais vale fazer pouco que nada fazer, não quero mais parar de perguntar, perscrutar, ler, ler, pensar, reflectir, viver, sentir... e, com humildade, partilhar.
    Sempre muito importantes as suas palavras.
    Obrigada
    Isabel

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