quinta-feira, 30 de março de 2017

PRECE de Fernando Pessoa


PRECE de FERNANDO PESSOA

Reli este poema de Fernando Pessoa e achei-o sublime e inesperado. Não lhe conhecia este pendor religioso. Muito bonito e salienta a sua e a nossa pequenez face ao desconhecido.

PRECE

Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

[...]

Que a minha vida seja digna da tua presença. Que o meu corpo seja digno da terra, tua cama. Que a minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.

Fernando Pessoa PESSOA, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação.

quarta-feira, 29 de março de 2017

A solidão é boa


A SOLIDÃO É BOA

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio deste milénio. As relações afectivas também estão a passar por profundas transformações e a revolucionar o conceito do amor. O que se procura hoje em dia é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar juntos, e não uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A ideia de que uma pessoa é o remédio para a nossa felicidade (e que nasceu com o romantismo), está fadada a desaparecer neste século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fracção e que precisamos de encontrar a nossa outra metade para nos sentirmos completos e realizados. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela perde as suas características para se amalgamar no projecto masculino. A teoria do bom relacionamento entre sexos opostos tem também origem neste raciocínio: o outro tem que saber fazer o que eu não sei. Se sou calmo, deve ser agressivo e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência e pouco romântica, por sinal.

A palavra de ordem é “parceria”. Está-se a trocar o amor de necessidade pelo amor do desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo para cada indivíduo, as pessoas estão a perder o medo de ficarem sozinhas e a aprender a conviver melhor consigo mesmas. Estão a começar a perceber que apesar de se poderem sentir como uma fracção, são. Ao invés, inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente como uma fracção. Não é salvador de nada! É apenas um companheiro de viagem.

O ser humano é um animal racional que vai transformando o mundo, mas tem de se ir reciclando aos poucos para se adaptar ao mundo que fabricou. Entrámos na era da individualidade, o que não tem nada a ver com o egoísmo. O egoísta não tem energia própria; alimenta-se da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, ou de mais amor, tem uma nova expressão e significado. Visa a aproximação de duas pessoas inteiras e não a união de duas metades. E só é possível para aqueles que conseguirem aperfeiçoar a sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for capaz de viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, confere dignidade à pessoa. As boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. A nossa maneira de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é a nossa alma gémea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando para estabelecer um diálogo interno consigo mesmos e descobrir a sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo e não a partir do outro. Ao perceber isso, torna-se menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.

O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Neste tipo de relação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Peninha e o Lipoperdure


PENINHA E A LOUCURA DE UMA NOITE COM SEDATIVOS

Peninha anda a dormir mal pelo que por sua alta recreação decidiu tomar uns comprimidos fora do prazo, há muitos anos mesmo, do tempo em que estudava : Lipoperdure

Só que já não se lembrava se eram para dar speed ou para dormir depois de uma noite de estudo.

Asneira: tomou dois com uma coca-cola e o efeito foi o de uma bomba!

Viu o D.Afonso Henriques dar um estaladão à Rainha Dona Tereza que lhe partiu toda a pianola. Conclusão: foi ver se arranjava destes cheque-dentista da Segurança Social para a reconstrução dos dentes.


Fantasmas de correntes arrastando-se penosamente pelo sótão do Palácio de Mateus: pareceu-lhe ser o “romeiro” de Garrett.


Topou com a Melania Trump na cama mas em vez de pernas tinha um rabo de peixe com escamas brilhantes do óleo de fígado de bacalhau… um nojo!


Nureyev foi desafiá-lo para um pas-de-deux e atrevido chegou-se todo e enroscou-se qual serpente. 


Peninha teve ali a noção do que era num jardim zoológico, o amor entre hipopótamos e teve a certeza de que preferia prazeres imorais entre pardais! Pontos de vista!

Acordou banhado em suor e nú e com calor. Os pêlos do peito estavam encaracolados com uma pomada gorda da farmácia Barral que não faz bem nem faz mal.


Foi para o duche e do chuveiro começou a sair sangue. Era verde pois tinha tido um tio do Sporting que se dizia teria brincado, no sentido porco, com a capelista que vendia cromos desportivos.


Foi à farmácia e contando ao paquete em silêncio e ao ouvido estas sensações, ouviu-o dizer:
- vou mandar-te logo o Vítor com crak, pastilhas e coca. Essa merda que tomaste era para os peidos!


Peninha saiu a rir às gargalhadas e dirigiu -se para a consulta no pavilhão dos lúcidos conscientes no Júlio de Matos.


À porta encontrou o Nelson e foram fumar uma ganza. Tranquilo mas com frio o Peninha espirrou e saiu-lhe ranhoca. Limpou-a com a mão e deitou-a para o chão.


Virou -se para o Nélson e disse-lhe à laia de conselho:


- os malucos que se assoam a lenços e guardam depois o ranho nos bolsos deviam ser internados!


Rindo-se a valer, entrou na capela do Hospital. Davam nessa manhã bulas para a Quaresma e o Peninha na 6f queria papar a carne da Luciana.


Sempre era carne, porra! Valores, são sempre Valores.

sábado, 18 de março de 2017

O DIA DO PAI

O DIA DO PAI

É muito celebrado e desde pequenos os filhos trazem das escolas, declarações de amor e elogios ao melhor Pai do mundo e quejandos.

Sempre achei ternurenta a ideia, mas à medida que os filhos vão crescendo vão as manifestações sendo mais personalizadas, mais verdadeiras, salientando algum aspecto que caracterize o Pai para cada um dos filhos, tornando-se assim mais saboroso.

Com a idade vão-se os filhos tornando Pais e o ciclo repete-se, mas enquanto os Pais mais velhos forem existindo é sempre para eles um consolo, serem lembrados com um pequeno gesto simbólico, um telefonema, uma visita, um pequeno presente.

Os tempos vão mudando, as crianças tornaram-se em adultos e o papel de um Pai, não é fácil de recordar. Muitas vezes ficam na memória momentos de confronto, de dureza, de culpa, de sofrimento e passa-se por cima daquilo a que eu chamo “untold stories” de amor, abnegação e entrega, sacrifício, presença discreta. É natural que sendo os filhos de tenra idade e depois adolescentes não se apercebam em profundidade de tudo quanto lhes é proporcionado de afecto, de interesse e de intervenção. Só quando se tornam Pais, acabam por compreender as tais “untold stories”: noites em branco, preocupações de doenças próprias das diversas idades, resolução de problemas educacionais, arbitragem com as Mães que têm sempre um desempenho preponderante, desde a gravidez ao dar à luz e aos primeiros tempos da infância, no que se refere à proximidade emocional, de desvelo e de presença diária quase omnipresente, e claro aos próprios feitios tantas vezes possessivos em relação à exclusividade da atenção, num misto de ciúmes e de menos agrado de que os filhos partilhem o seu amor com outrem.

Claro que há imensas excepções e desde sempre e há Mães e Pais que fazem uma partilha equitativa do seu múnus parental. Acresce que há tantos Pais melhores do que Mães e vice-versa.

Mas para mim o mais importante é que no dia do Pai a cada ano que vai passando na vida de uma Família, haja mais atenção dos filhos não tanto à comemoração comercial da data, mas um enfoque no que um Pai precisa de um filho, da compreensão, do perdão, da paciência, da aceitação da passagem dos anos e das consequências normais de menos frescura e modernidade, de fraqueza física e tantos outros aspectos que não sendo obrigatoriamente negativos, são um momento especial entre Pais e Filhos em que desta vez são os Pais o alvo das atenções e do afecto.

É que quando se é Pai e se gosta dos filhos, de cada um em especial quando não são únicos, há uma irrenunciável atitude de amor, uma sensação interior de alegria, de preocupação, de ternura e de ligação, malgré tout, ou seja, que ultrapassa a dor de um passado menos feliz, e neste caso, por culpa eventual dos Pais.

Há uma ansiedade de paz e de bondade e de reciprocidade no amor que tornam os Pais alvoroçados quando os filhos isto percebem.

Sabe-se das Escrituras o papel discreto e sofrido em silêncio de S.José, competindo com a Mãe de Jesus em todo o seu esplendor e importância, na história da primeira Família.

Por isto tudo, os Pais fazem parte de um Clube especial que tolamente não está registado em nenhuma Conservatória do mundo, quando haveria tanta coisa a dizerem-se uns aos outros e a melhorarem no seu papel de Pais.

Mas nem sempre é preciso escrever os direitos dos Pais, quando os Filhos são tão bons ou melhor dos que os antecederam.