sábado, 28 de fevereiro de 2015

COMO SE PERDE UM HOMEM

E como é que se perde um homem?

Não direi que com vícios, comida abundante e a partir nozes com os dentes, mas com tédio e dias de festa em família.

Agustina Bessa-Luis, «Antes do Degelo»

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Não há como experimentar emoções fortes para cairmos em nós.


Não há como experimentar emoções fortes para cairmos em nós. Não se trata de choques eléctricos ou pancada, sustos ou tremores de terra: basta uma conversa avassaladora e poderosa sobre a realidade do mundo à nossa volta.

Vem como uma estalada, um acordar, um estremeção…

Os adversários brincam com os visionários, como um gato com um novelo de lã. Sem se dar por isso, em poucos segundos, está tudo desfiado e de difícil, senão de impossível, reparação.

A opção está em juntar-nos ou desafiarmos. O mais relevante para a vitória está na subtilidade de como se desenvolve a estratégia.

O derrotado, cai vencido, trucidado pela máquina impiedosa do poder.

Poder esse que continuará incessantemente a esmagar os visionários incautos.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O retrato de Mónica por Sophia de Mello Breyner Andresen


Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.

Na vida, conheci muitas pessoas parecidas com Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.

Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.

De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.

A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.

Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, «qualquer distracção pode causar a morte do artista». Mónica nunca tem uma distracção. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.

Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exactamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande.

Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.

O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma. O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.

É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.

E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.

Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.
Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente, nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seríssima toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.

Não é o desejo do amor que os une. O que os une é justamente uma vontade sem amor.

E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio; mais firme fundamento do seu poder.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

ficas melhor de perfil

ficas melhor de perfil
 
notam-se menos as horas
de indolência e tédio
passadas entre os lençóis
de uma cama desfeita
a pensar no mundo
com distância precavida
não fosse a acção
morder-te os calcanhares
do descanso
 
ficas perfeito de perfil
com a cabeça protegida pelo boné
 
afinal
para que outra coisa mais
serve a protuberância
que carregamos entre os ombros
senão para pousar o boné?
 
podem acusar-te de tudo
de seres uma ameaça nacional
de teres traído a pátria
de crimes e vigarices tão improváveis
e inverosímeis como as cicatrizes
que se escondem por debaixo
do bigode
 
podem acusar-te de teres dito
exactamente o contrário
do que em vida fizeste
que de perfil ficas inatingível
e na morte podes finalmente fazer
pela mão de terceiros
o que a vida te negou

Henrique Bento Fialho

come chocolates pequena


Come chocolates, pequena!
Eu gosto de ti, pai! Eu gosto de ti, pai!
Come chocolates pequena!
Gosta de mim enquanto podes, enquanto estou vivo ou tu podes comer chocolates.
Porque a vida é curta.
Por isso ama quanto possas.
Eu amo-te pai! Eu amo-te pai!
Come chocolates pequena! Come chocolates pequena!
Não percas tempo em partilhar com o mundo o teu amor por mim, pois a vida esvai-se num sopro e o amor é bom!
Come chocolates pequena! Acreditas no meu amor por ti?
Come chocolates pequena!


In "poesia dispersa" de Vicente Mais ou Menos de Souza

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Há uma parte de mim que já não está aqui


Há uma parte de mim que já não está aqui.

Não falo da morte, atenção, mas de um certo descolamento da terra tão vagaroso que quase não se nota.

Uma despedida enxuta do modelo de vida que seguimos desde sempre, mas que foi, pouco a pouco, perdendo sentido.

Um pé neste, outro nesse que nos assobia baixinho. Deserto e calmo, mais leve que o ar.

Rita Ferro

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O Syriza e as últimas semanas de negociações intensas com a União Europeia.


O facebook não é uma fonte totalmente segura do pensamento da maioria dos que por lá andam, é sabido.

Presta-se a dislates, a ódios e vinganças, a declarações extremistas exacerbadas, em cobardia ao exprimir o verdadeiro sentir, mas…no fundo vai deixando entrever tendências de pensamentos, carácteres, tomadas de posições e análises. 

Isto ainda é mais verdade no que à política diz respeito.

Vem isto a propósito do tema Syriza e das últimas semanas de negociações intensas com a União Europeia.

Os lados extremam-se, cantando vitórias e hossanas ou derrotas e vinganças.

Os únicos que me parecem mais serenos, são de facto o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças gregos, pois sabem de tudo, conhecem a extensão exacta do conteúdo do que está em causa, as emoções à porta fechada que têm sido expressas e têm emitido comunicados profissionais e institucionais.

O resto, e nomeadamente aqui no burgo, são duelos verbais, eivados por um egoísmo feroz de olhar só para a sua capela, do ranger de dentes contra o amigo ou amiga, por ter uma posição diferente da sua, um ignorar completamente o que é a luta de um povo pela sobrevivência.

Nem falo já das consequências funestas e nefastas para os portugueses se isto correr mal para a Grécia.

Mas voltando atrás: não conseguem os radicais de direita ou de esquerda, perdoar aos gregos os maus passos do passado, o relaxe, o incumprimento, a ousadia de gastar sem limite? E saberão olhar para as culpas de quem emprestou sem, na devida altura, se ter acautelado? E conseguem ver que houve interesses económicos inconfessos da parte de credores e devedores? Comissões, vendas de submarinos, armas, automóveis, tecnologias…tudo impingido no pacote de ajuda como pré-condição?

Vejamos: um homem ou mulher infiel, relapso/a, foge aos deveres maritais, prostitui-se e entrega-se a uma vida desenfreada de uma forma inaceitável até que é ajudado/a por alguém que lhe agarra a mão e diz: pára. 

Há que mudar de caminho, há que recomeçar e tentar não perder tudo quanto nos juntou.

Perdão e dar uma nova chance, são palavras vãs? 

Claro, se calhar com mais paciência, permanência e entrega da outra parte: planos mais responsáveis e susceptíveis de poderem ser cumpridos…já se sabe, com sofrimento, com sacrifício, mas com o objectivo de valer a pena e voltar a viver.

E é isto, no fundo, nas nossas vidas como pessoas e Nações, se a ambição, a raiva e o ódio se sobrepõem à bondade, ao rigor, ao perdão e à oportunidade de recomeçar… a consequência é a guerra, a miséria, a devastação e a NÃO razão de existir.

E o que aqui digo não tem a ver só como a minha experiência de voluntário junto das prisões, mas claro que tem sido uma aprendizagem grande e profícua.

Os vapores do radicalismo, enjoam, enojam e cansam…são tendencialmente condutores a tiranias de direita e de esquerda. 

Queremos isso?

“O que eu faço, é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor.”
 

Madre Teresa de Calcutá

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Dizem que eu...

Alguns amigos meus têm vindo a encanitar-se muito comigo, dizendo que estou a resvalar para posições esquerdófilas.

Este tipo de dramas existenciais nessas pessoas faz com que durma ainda melhor.

Vejamos porém de que me acusam:

(1) a nível interno por discordar:

- da austeridade levada ao extremo;
- dos cortes nas pensões e nos salários;
- do desemprego assustador;
- do fraquíssimo crescimento da economia, logo menos investimento e novas empresas e por conseguinte menos emprego;
- da miséria e da pobreza;
- da vergonha da justiça quer em termos de lentidão como de eficácia;
- da falta de consistência de políticas de real interesse para a melhoria da vida dos Portugueses.
- da corrupção;

(2) a nível externo:

- falta de coragem negocial  junto da Europa;
- falta de personalidade para discordar da garra da Alemanha e lutar, dentro do possível, para obter melhores condições para Portugal;
- falta de visão e de antecipação em relação ao desfecho da luta da Grécia;

Se tudo isto são ideias apelidadas de esquerda, então são eles que concordam comigo.

E não perco mais tempo.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Eusébio e o Panteão

Vai-se confundindo tudo hoje em dia. Os nossos governantes, com honrosas mas poucas excepções, não sabem NADA da História passada de Portugal, dos seus heróis, dos seus valores, das suas fraquezas com que se aprende a não voltar a cair e sobretudo não têm esta ligação visceral à ideia de patriotismo no sentido de serviço ao País e ao povo que representam, com todas as suas forças e se preciso com a vida.

Vão destruindo tudo, a eito, sem sequer pararem para pensar e porque não até tentarem interpretar o que será melhor para a imagem de Portugal e não para os seus interesses pessoais ou partidários.

Gente comezinha, sem ilustração, não lêm poesia, nem os autores de sempre nacionais e estrangeiros, têm a cultura das telenovelas e dos filmes de guerra e de violência, não sabem apreciar o belo, o sublime, uma flor, uma cor, umas gentes sãs e simples que sempre estiveram lá.

Sabem, isso sim, fazer promessas vãs e não cumprirem: TODOS sem excepção. Uma cáfila não recomendável de gente que não queremos NUNCA nas nossas casas. Os Relvas, os Sócrates, nem vou perder tempo em enumerá-los pois vão da esquerda, ao centro e à direita.

Gentuza, como dizem os espanhóis que fazem negociatas...expressão que não existe em outra língua, vendem o País a retalho a estrangeiros mal-afamados.

A cultura portuguesa de séculos e a tradição sem cor política ou partidária, a valorização de princípios arreigados e enraízados na nossa terra, de honorabilidade, de bonomia, de humildade e galhardia ao mesmo tempo, o sol, o mar, as terras, a variedade de gentes e de paisagens tudo o que vale realmente em Portugal, está completamente baralhado, abandonado, empobrecido e não exaltado.

A juventude que parte em vez de ficar e lutar por um Portugal melhor é a vítima de miscambilhas e de compadrios transversais a todas as forças políticas.

Tudo isto para comentar a ida do Eusébio para o Panteão. Foi alarvemente com um sorriso imbecil aprovado por todos os partidos.

Eu, apesar de ser Sportinguista, gostava do Eusébio e não tenho nada contra em que ele se vá juntar a outros erros de casting que já lá estão.

Haveria de ser pensado um outro local digno e apropriado para uma Amália e um Eusébio e outros como eles já mortos ou a virem a ser celebrados.

Mas o Panteão em todos os países iluminados, civilizados, Senhores meus, não tem lá futebolistas nem cantadeiras de fado, ou o equivalente em cada uma dessas GRANDES capitais!

Muitos te julgam, poucos te conhecem.


Muitos te julgam, poucos te conhecem.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O BES e o GES revisitados


Volto hoje ao assunto depois de uns meses de silêncio.

Havendo todos os dias motivos para preocupações de vária natureza, tanto nacionais como internacionais, dá ideia que a memória dos homens é curta, mais uma vez.

É bem verdade que o tempo vai apagando a consciência da verdade e da realidade.

Tratou-se de uma enorme patifaria, abuso de confiança, intoleràvel comportamento de uns quantos que pertencem a uma Família respeitada e com largas tradições de seriedade, que a continua a ser.

Não vejo como possa ser tolerante e não criticar essas pessoas agora incriminadas, que conheço, em cujo Grupo trabalhei e que me fizeram acreditar nas suas capacidades de competência e honestidade.

Lamento profundamente, mas não encontro justificação.

Por outro lado, o Banco de Portugal e uma série de outras camarilhas abandalharam ainda mais este escândalo, tomando decisões precipitadas, quiçá ilegais, defendendo interesses altamente suspeitos e nada visíveis ou compreensíveis.

Tudo isto, ao arrepio dos interesses dos prejudicados e são muitos milhares individualmente, sem falar no impacto nas famílias e nas empresas.

A Comissão Parlamentar de Inquérito tem feito um trabalho sistematizado e isento e alguns dos seus membros demonstram competência e um "trabalho de casa" bem feito e preparado.

Só que o polvo tem tentáculos gigantescos, ocultos e desconhecidos desta gente que não tendo nunca privado com o "mais fino" vêm o mal pela rama, e nunca serão capazes de penetrar na teia de interesses que é maquiavélica, o que por definição significa a luta pelo poder a qualquer preço.

Tudo quanto digo, é conhecido e não estou a descobrir a pólvora. Só que, para quem se sentiu esbulhado e com largos prejuízos no seu património e poupanças, as minhas considerações são um remexer na ferida, pois fica-se a remoer a vingança.

Não sei qual, mas deve haver alguma coisa para se fazer para além dos "papéis" em tribunal....ele deve haver muitos biliões de euros por aí...

Our endeavours


I take normally a few minutes every night to try to briefly analyse my day.

It serves to plan for the following day, to assess the virtues and mistakes committed, to look a bit around me, to thank God to be alive.

The world is in a growing turmoil and a lot of uncertainties are ahead of us: difficult times, wars, killings, violence, starving and economic crisis in every country.

One has to be very prudent and careful in choosing every single step of each day!

We have to use our best judgement and efforts to pass these ideas to those who decide.

This is a unique opportunity...we might be in the brink of a new world conflict, so let us be humble and generous and get only the necessary, avoiding to compromise the success by being greedy.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A negra sorriu


A negra sorriu:
- Tá vendo?
- Tou. A gente liberta o negro.
A negra ia apanhando o tabuleiro. Henrique ajudou-a a botar as latas vazias em cima. Ela perguntou:
- Você sabe qual é a coisa mais melhor do mundo?
- Qual é, minha tia?
- Adivinhe.
- Mulher...
- Não.
- Cachaça...
- Não.
- Feijoada...
- Não sabe o que é? É cavalo. Se não fosse cavalo, branco montava em negro...

Jorge Amado

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Sou Eu

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.

E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.

Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.

Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.

Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.

Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.

Sou eu mesmo, que remédio! ...

Álvaro de Campos, in "Poemas"

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Conversa entre gatos


Gata: Hoje gostava de conversar um pouco contigo de como escolhermos um humano. Achas que precisamos dos humanos?

Gato: Então hoje estás decidida em ir em busca de um humano! Ao fazê-lo, juntas-te a milhares de outros gatos e gatas que escolheram essas estranhas e frustrantes criaturas. Haverá inúmeras vezes no decurso da tua “associação” com humanos, em que te perguntarás porque te deste ao luxo de os bafejar com a tua graciosa presença.
O que lhes vês assim de muito fantástico? Porque não andas com outros gatos? Os nossos grandes filósofos nunca souberam responder a esta pergunta, mas a resposta é, no entanto, muito simples:

ELES TÊM DEDOS POLEGARES OPOSTOS

que se tornam nas ferramentas perfeitas para tarefas tais como abrir portas, tampas de latas de comida de gato, aparelhos de televisão e outras actividades que nós, apesar de outras vantagens óbvias, achamos difícil de fazer. Chimpanzés e orangotangos também têm dedos polegares opostos, mas não têm com quem treinar, pois andam na selva.

Gata: Diz-me então como atrair a atenção dos humanos?

Gato: Os humanos acham, na sua maioria, que há outras actividades mais importantes do que satisfazerem as suas necessidades imediatas, nomeadamente fazerem negócios, passarem tempo com a família ou mesmo dormirem.

Embora o que te sugiro seja bastante atrevido, podes fazê-lo sempre em tua vantagem, importunando o humano no momento em que esteja mais ocupado. Normalmente ficará tão exasperado que fará tudo que quiseres, desde que saias de cima dele. Não é em vão que esta é uma técnica usada pelos adolescentes humanos!

Toma bem nota destes truques que, sendo de sempre, resultam:

- deitares-te em cima da folha aonde o humano está a escrever: um clássico, mas resulta! Se um humano tiver um papel em frente dele, há boas hipóteses de que o considere mais importante que tu. Tentará subornar-te com um “petisco” para te atrair para fora. Esta manha também funciona bem com teclados de computador, controles remotos, chaves de carro e com crianças pequenas.

- acordares o teu humano a horas estranhas: o tempo mágico de um gato é entre as 3h30m e as 4h30m da manhã. Se te roçares contra a cara do teu humano caso esteja a dormir voltado para cima, acordará estremunhado no meio de uma neblina incoerente e fará exactamente o que quiseres. Poderás ter que arranhar os dorminhocos mais profundos para lhes chamar a atenção mas não te esqueças de variar o sítio dos arranhões para evitar que ache suspeito.

Gata: Mas estás com ciúmes dos humanos?

Gato: Não, estou a ser realista! Agora vou ensinar-te como por os humanos de castigo.

Às vezes, apesar das tuas melhores técnicas, o teu humano resiste teimosamente aos teus desejos. Nestes casos extremos, terás que o punir. Castigos óbvios são os de arranhares os móveis ou comeres as plantas de estimação, mas têm más consequências: os humanos olharão para estes actos com fúria e tentarão pôr-te na ordem. Por isso, sugiro-te estas duas alternativas não menos eficazes, mas mais subtis:

- irrompe pela casa de jantar com a lata da tua comida, num jantar de cerimónia;

- mantém-te impassível olhando fixamente para o teu humano quando te queira tentar com carícias e festas;

O mundo dos gatos está dividido quanto à etiqueta mais adequada para presentear os humanos com animais desventrados. Alguns de nós cremos que preferem estes presentes já mortos, enquanto outros insistem que os humanos apreciam um grilo moribundo, pela forma saltitante e ruidosa como pegam as criaturas depois de os presentearmos!

Depois de muita reflexão sobre a natureza humana, recomendo-te o seguinte: os grandes insectos, rãs e sapos, víboras e vermes devem ser presenteados mortos enquanto que os pássaros, ratazanas e outros roedores devem ser-lhes oferecidos ainda com vida.

Quando olhares para as expressões da cara dos humanos, terás a certeza se valeu a pena.

Gata: Estás a tentar que eu me afaste deles…mas quanto tempo devemos manter o nosso humano?

Gato: Deves ter um compromisso de o manteres só numa das tuas vidas. As outras oito dependem de ti, fazes o que te apetecer. Recomendo-te um misto, ainda que a maior parte dos humanos são todos muito do mesmo!

Mas de que estás à espera?

Afinal são humanos!

MNA

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Lisboa está em constante inovação.

Lisboa está em constante inovação.

Todos os dias há uma nova exposição, um novo restaurante, um novo bar, ou uma nova loja.

Em cada canto da cidade um novo conceito floresce com uma decoração nunca antes vista. Lisboa está cada vez mais focada no design e na modernização. Os restaurantes são um exemplo. Cada vez mais experimentalista, original e criativa, a gastronomia ainda é fiel aos sabores dos ingredientes da mais alta qualidade. Estes espaços são mais do que interessantes, são irrepetíveis.

E o que faz com que um restaurante seja trendy?

É um conjunto de vários factores: a decoração, a cozinha, as pessoas que os representam e as que os frequentam.

São trendy porque nunca nos sentimos igual noutro restaurante, e no fim do jantar não nos apetece levantar da mesa. Acima de tudo porque o espaço é moderno e original e a cozinha satisfaz os paladares contemporâneos.

Mas também, porque é um sitio onde vamos para ver quem está, e gostamos de ser lá vistos.

Apresentamos hoje aqui um prato de um dos restaurantes mais trendy de Lisboa: sereia à lagareiro!

Tenho uma data de amigos(as), familiares e concidadãos completamente radicais e intolerantes!

Tenho uma data de amigos(as), familiares e concidadãos completamente radicais e intolerantes!

Hoje apeteceu-me reflectir no que é para mim a tolerância.

A tolerância é a capacidade de saber aceitar a diferença. Não confundir com a divergência.

Intolerância é não suportar a pluralidade de opiniões e de posições, crenças e ideias, como se a verdade fosse um exclusivo de alguém.

Um pregador manchu reuniu milhares de chineses para lhes pregar a verdade. No final da pregação, em vez de aplausos houve um grande silêncio.

De repente uma voz ouviu-se ao fundo: "O que acabou de dizer não é a verdade". O pregador indignou-se: "Como se atreve a dizer que não é a verdade? "

O interlocutor respondeu: "Existem três verdades. A sua, a minha e a verdade verdadeira. Nós os dois, em conjunto, devemos procurar a verdade verdadeira".

Só os intolerantes se julgam donos da verdade. Todos os intolerantes são inseguros. Por isso, agarram-se aos seus caprichos, "certezas", ideias pré-concebidas, como um náufrago se segura à tábua que o mantém à tona da água.

Não são capazes de ver o outro como outro. A seus olhos, o outro é um concorrente, um inimigo ou um mero discípulo que deve acatar docilmente as suas opiniões.

Quem é tolerante evita “colonizar” a consciência alheia. Admite que, da verdade, ele apreende apenas alguns fragmentos, e que ela só pode ser alcançada por um esforço comum.

Ser tolerante não significa ser-se estulto. Tolerância não é sinónimo de tolice.

O tolerante não causa tempestades em copos de água, nem gasta saliva com quem não vale, sequer, uma cuspidela.

No entanto nunca cede quando se trata de defender a justiça, a dignidade e a honra, bem como o direito de cada um de ter os seus princípios e actuar de acordo com a sua consciência, desde que não resulte em opressão ou exclusão, humilhação ou morte.

Só o amor torna um coração verdadeiramente tolerante.

Porque quem ama não contabiliza as acções nem as reacções do ser amado e faz da sua vida, um gesto de doação.

Tenho razão de sentir saudades

Tenho razão de sentir saudades,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo, sem consulta, sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo as nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudades de ti,
da nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A história do menino mudo


Era uma vez um menino mudo que gostava de falar.
Desde pequeno que emitia uns sons, mais do tipo grunhidos.
Fazia caretas ou um ar feliz conforme o que queria dizer.
Ninguém fazia caso do que ele queria exprimir.

Um dia cresceu e manteve-se mudo.
Foi continuando a fazer as suas momices.
Até que uma vez, começou a escrever
O que queria dizer.

Com grande espanto, se leram
Nobres pensamentos, frases maravilhosas
E todos ficaram surpreendidos
Com quantidade de escrita que produzia.

Continuaram a não ligar
Rigorosamente nada, ao conteúdo do que escrevia.
E se alguma gente apreciava o que lia
Tinham, porém, a sua vida que em frente seguia.

E o menino/homem mudo
Cada vez dizia coisas mais importantes
Como: preciso de ajuda, estou sozinho!
E quem isto lia, dizia-lhe: segue o teu caminho!

E um dia o menino mudo
Que tinha um par de pistolas herdadas, num cofre
Foi encontrado morto no chão, sangrando
Com um tiro no céu-da-boca.

No enterro, toda a gente dizia
Havia alternativas, tantas
Bastava ter, connosco falado!
Mas o menino/homem mudo fartou-se de falar/escrever.

In " Prosas bárbaras" de Vicente Mais ou Menos de Souza



Ando preocupado com o Euro....

Ando preocupado com o euro…tenho ainda muitos escudos antigos, com que forrei paredes dos meus velhos palácios…salas e salinhas, dependendo dos montantes, claro.

É que já tenho uns largos milhões de notas de Euro que creio, não juro, não colam a este papel de parede de escudos…

Eventualmente, comprarei mais palácios que deverão estar à venda por poucos Euros.

O dilema de ter dinheiro…mas o errado.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

os meus leitores

Eu acho que os leitores das minhas prosas ou versos, nunca interpretarão o seu conteúdo da mesma maneira como eu as escrevi ou senti. E têm razão, pois o tempo, o espaço, as minhas motivações, os meus humores são indecifráveis, sobretudo quando o percurso temporal entre a escrita, o envio e a publicação leva uns quantos dias!

Abrem-se assim duas opções (i) escrever o que me apetece, dentro de limites razoáveis (ii) antecipar as possíveis críticas, de agrado ou de censura e moldar a minha escrita a um destinatário/a politicamente correcto mas sempre imprevisível.

Vivi alguns anos fora de Portugal em paragens longínquas em que as saudades apertavam, o cheiro das ruas e a tranquilidade da paisagem me faltavam, e os familiares e os amigos eram visitados só esporadicamente. Desatei a escrever e o resultado foram umas largas centenas de cartas, as quais foram honradamente reciprocadas. E juro que não eram repetidas a papel químico e cada uma era escrita com emoção e intensidade.

Escrevia-as à noite, na tranquilidade do silêncio, normalmente acompanhado por música.

Tenho para mim, ao contrário do correntemente aceite, que a noite não é tão boa conselheira assim, pois exarceba os sentimentos. De manhã, relia-as e muitas vezes deitava-as fora ou rescrevia-as, pois imaginava o carteiro em Portugal, numa “triste, cinzenta e leda” manhã, deitar na caixa do correio do destinatário/a uma missiva desenquadrada, causando-lhe a maior perplexidade!

Como escrevo da forma que realmente sinto e me sai, tratando-se de um prazer livre e independente de grilhetas, o mais que pode acontecer é ir ficando a escrever para mim próprio!

No dia em que morrer, se alguém vasculhar os meus pertences, encontrará o que fui escrevendo, e logo dirá : “louco, insano, destemido!”

Mas não é tão mais importante um grão de loucura do que ir direito para o Olimpo, sem mácula de ódios ou invejas!

MNA

Todas as famílias felizes são mais ou menos diferentes


Todas as famílias felizes são mais ou menos diferentes; todas as famílias desgraçadas são mais ou menos iguais.

Vladimir Nabokov

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O cientista Mark Kelly da estação espacial na estratosfera garante que viu anjos no espaço


O cientista Mark Kelly da estação espacial na estratosfera garante que viu anjos no espaço enquanto trabalhava do lado de fora na manutenção de um satélite da NASA.

"Foi nítido e claro, eles passaram perto de mim a 50 metros, fiquei apavorado, pensei que estava a ter alucinações, eles iam em direcção da terra".

 Já recebi um cá em casa, pois não sabem que têm que pagar nas pensões e sempre se fica com conhecimentos no céu...e cunhas haverá sempre em toda a parte...