segunda-feira, 19 de julho de 2010

5ª Carta do meu primo Luis Bernardo


Meu Caro Manuel,

Imagina tu que encontrei não ainda Vasco da Gama, mas Álvaro Velho que o acompanhou na sua viagem entre 1497 e 1499.

Contou-me que era marinheiro e soldado. Embarcou em Lisboa a bordo da nau “S. Rafael”, capitaneada por Paulo da Gama, transitando posteriormente para a “S. Gabriel”.

Ficarás decepcionado pela descrição que Álvaro Velho faz de Vasco da Gama, mas pedi-lhe que falasse sobretudo do seu carácter, como me referiste.

Eis o que Álvaro Velho me contou do seu conhecimento e trato com Vasco da Gama.

Segundo Álvaro Velho, Vasco da Gama andava na casa dos 30 anos e era um homem de pernas muito curtas, barba preta, nariz longo e beiços apertados.

Era mesmo uma pessoa cruel como a história da sua viagem irá mostrar, acrescenta Velho.

Apesar de tudo, reconhece-lhe valentia para cumprir a missão.

A expedição de Vasco da Gama dispunha das mais avançadas cartas de navegação e levava pilotos experientes. Os navios eram leves e rápidos. Faltavam-lhe, é claro, conhecimentos mínimos de higiene e medicina. O convés das caravelas, não muito grande, estava coalhado de doentes e mortos passadas poucas semanas de viagem. As tripulações eram dizimadas pelo escorbuto.

Dos mais de 150 homens que deixaram Lisboa, só voltaram 55. Por falta de marinheiros, Vasco da Gama foi forçado a abandonar a “São Rafael” e queimá-la na costa da África. A frota levava também um capelão, dois intérpretes (um que falava árabe e outro que conhecia dialectos africanos) e cinco degredados para serem abandonados à própria sorte num sítio qualquer.

Os portugueses abriram o caminho das Índias apoiados na força do canhão, segundo Álvaro Velho me confirmou.

Velho deixa claro que nos planos do navegador não constava estabelecer relações amigáveis com os povos visitados. Ao contrário, nunca hesitou em canhonear os portos de que se aproximava ao menor motivo. A abordagem dos portugueses era realmente agressiva pois muitos tripulantes tinham lutado nas Cruzadas e julgavam-se no direito de impor sua vontade a tiro sobre os hereges.

Umas das vezes, quatro naus estavam atracadas no porto, com peças de ouro e prata a bordo. Os poderosos do lugar, diz Velho, vestiam roupas coloridas de algodão e linho, com turbantes de seda. Vasco da Gama bombardeou o porto até obrigar o sultão a fornecer-lhe água potável e dois pilotos para guiá-los pela costa. Não satisfeito, saqueou dois navios cheios de mercadorias.

A próxima parada foi a ilha de Zanzibar. O piloto confundiu o lugar com o continente e Vasco da Gama mandou chicoteá-lo. Em Melinde, o navegador trocou um refém nobre por um piloto árabe, que conduziria a frota em segurança a Calecute – finalmente, as Índias.

Velho diz que os portugueses imaginavam que a Índia fosse povoada por cristãos de rito oriental.

Numa visita aos templos hindus de Calecute, Gama surpreendeu-se com as imagens dos deuses de vários braços.

Acompanhado de onze fidalgos e de um intérprete, Vasco da Gama entregou ao rei de Calecute uma carta do rei Dom Manuel.

Recostado num divã de veludo, o rei ouviu o relato de que a coroa portuguesa era a "mais poderosa" da Europa e uma das mais ricas em ouro. Tudo ia muito bem até que a comitiva portuguesa resolveu mostrar os presentes que havia trazido. O rei ficou chocado com a pobreza da oferenda: uma dúzia de casacos, seis chapéus, seis bacias, um pacote de açúcar e dois barris de manteiga, rançosa depois de tanto tempo no mar.

O rei, cheio de espanto teria perguntado, se tinha vindo de um reino tão rico, por que não trouxera nada?

O navegador ficou inactivo, mas por pouco tempo - bem cedo percebeu que poderia saquear as embarcações que cruzavam o Índico e abastecer-se das mercadorias necessárias para comerciar na região.

Vasco da Gama tratou os seus prisioneiros com uma crueldade enorme, enviando cestos com suas cabeças decepadas às famílias desses homens, nas cidades costeiras. Num episódio marcado por um acto de barbárie, Vasco da Gama queimou um navio cheio de peregrinos muçulmanos no Oceano Índico. Morreram 240 homens, além de mulheres e crianças.

Álvaro Velho a terminar diz que mais tarde voltou à Índia com uma esquadra de vinte navios, estabeleceu feitorias e enriqueceu pilhando mercadores árabes e indianos que encontrou pelo caminho.

Meu Caro Manuel, o que desculpa o nosso antepassado é que era a prática da época pois após a descoberta do Brasil, a frota de Álvares Cabral Cabral bombardeou a cidade, matando mais de 400 dos seus habitantes!

Mas a vida é o que é, e Álvaro Velho narrou-me o que toda a gente no seu tempo sabia.

Um afectuoso abraço do teu primo

Luis Bernardo

Sem comentários:

Enviar um comentário