sábado, 29 de dezembro de 2012

O homem dos barquilhos da Praça de Espanha em Lisboa



   
A palavra barquilhos significa aqueles cones de bolacha que normalmente vêm junto dos sorvetes para cortar o frio dos gelados.

Na minha infância nas praias de Cascais e Estoris havia umas caixas de lata verde garrafa ( que me perdoem os benfiquistas…ahahah) com uma “roleta” de metal em cima, que nós fazíamos rodar e consoante o número que saía, assim tínhamos cones de barquilhos doces, finíssimos, uma delícia. Tudo era um encantamento para os nossos olhos de meninos e por isso quando ouvíamos o pregão da “Barquilhera” acorríamos em bandos para comprar.

Pois bem, aqui na Praça de Espanha em Lisboa, não existe nada disto excepto um velhinho que consoante a hora do dia, de cansaço, já não só nem consegue levantar muito a mão que segura num saco de plástico vários barquilhos nem emite qualquer som. Temos que adivinhar!

Eu já há anos que lhe compro de vez em quando uns quantos sacos mas não são de facto iguais aos da praia. São mais grossos e maiores mas, quand-même, são barquilhos. Vende também nougats com mel e amêndoas caramelizadas, a preços irrisórios.

Hoje, estava parado no semáforo e vejo-o avançar para o meu carro, com um aceno cansado com um saco de barquilhos na mão e de nada ter vendido e foi aí que resolvi parar o carro mais à frente e vir conversar com ele. Que diabo, estamos no fim do ano, queria saber se a troika o tinha afectado muito, que tal do senhor PIB, mas sobretudo o meu coração amoleceu completamente porque lhe vi na cara, alguma coisa que faz vibrar fortemente uma corda cá dentro: solidão!

Comecei por lhe comprar a produção do dia (uns 5 sacos que darão de presente para várias famílias no réveillon, ora toma, não estão tempos para mordomias) e assim conquistei-lhe tempo para conversar.

Como é meu costume, vou ser telegráfico: tem 80 anos.

a) Vive sozinho numa barraca, mas está limpo e asseado e apresenta-se impecável de casaco de tweed beije dado por alguém e uma camisa aberta branca irrepreensível. Cheira a sabonete.

b) Tem um vago fogão (nada de máquinas de crepes de tias lindamente) que não lhe permite com o parco gás e os apetrechos antigos fazer uma massa mais fininha. Não me perguntem detalhes de cozinha, que não sei explicar porque não saem mais fininhos.

c) Trabalhou numa casa de uma família conhecida, mas falida. Aí, diz, aprendeu a ter uma esmerada educação pois já os pais conviviam, como empregados, com gente generosa e decente.

d) Tem uns olhos dormentes, verdes, cansados de dias penosos. A voz sai fraquinha, doce, sem queixumes, mas triste.

e) Tive vergonha de falar na política pois lembrei-me do texto do Passos Coelho no facebook “ a Laura e eu desejamos…bla,bla,bla” . A Rainha Isabel, ou melhor a prima Lilibeth, é que disse e por uma só vez nos 50 anos de casados “ My Husband and I “ , de resto é ela a começar as frases como a Laura…

f) Dei-lhe a mão um bocado e apeteceu-me estar calado e ele tranquilamente aceitou. Eu acho que tinha muitos mais emaranhados na minha cabeça e problemas do que ele e foi como que uma corrente que passou entre nós. 

g) Claro está que no sistema de vasos comunicantes, a seiva pura, valente, de HOMEM grande e sofredor veio dele para mim.

Pena que não haja destas transfusões no Serviço Nacional de Saúde.

E foi isto que vos quis contar a propósito de barquilhos, imaginem!

Valente BARQUILHERO, valente, valente……

Resposta do meu primo Luis Bernardo a quem me trair

Meu Caro Manuel,

Antes de mais, desejo-te que vivas o novo ano com plenitude. Esta é uma expressão que cobre tudo e sintetiza os bons votos de quem tanto te estima.

Pediste-me uma resposta rápida, eficaz e moderna: não cedas, não transijas, exige garantias de confidencialidade e castiga, pune, persegue, vinga-te e não largues até teres satisfação, se prevaricarem.

Parece mal que esteja no fim do ano em que todos se desejam bem e tecem hinos de paz e de concórdia a aconselhar-te “olho por olho, dente por dente”, mas não há outro remédio.

Torna-te temido e temível, pois o mundo é uma selva e só sobrevive quem se defende e se atacado, "mata".

Hopeless! Não há outro remédio!

Teu muito afeiçoado primo

Luís Bernardo

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Traição pelas costas

Nota: Há uns tempos que venho publicando cartas para este meu primo Luís Bernardo sobre muitos e variados assuntos. Acontece que ele já morreu há anos mas mantém uma correspondência viva e permanente comigo dando-me conselhos e notícias de onde está. É um privilégio ter em primeira mão novas sobre o que se passa para além da morte.

Este esclarecimento era necessário para quem só agora lê esta minha carta para ele, para entender o enquadramento. Podem ser lidas no meu blogue todas as outras em: http://vdeguaratiba.blogspot.com

Meu Querido Primo Luís Bernardo,

Estamos no fim de mais um ano. Um ano da nossa vida, do nosso País. Não correu bem para quase ninguém.

Amarguras de saúde, de dinheiro, de emprego, de futuro. Cansaço de gente pouco confiável, de políticos pouco sérios, de sonhos desfeitos, de promessas vãs, de um grande bocejo.

E a vida não deveria ser assim! Tantas coisas para agradecer, imensas oportunidades para agarrar com as duas mãos, novas vidas a nascer, outras a morrer, mas o Sol continuando a brilhar, a dona Lua a aparecer a cada noite, frio, quente, soluços, medos, angústias, alegrias, esperanças, entrega, surpresas no amor, amizades novas e velhas, renovações de compromissos nunca cumpridos…um rór de tristezas e misérias, luzes e sombras.

Mas, meu querido Luís Bernardo, hás-de me explicar porque é tão difícil acreditar na fidelidade dos outros?

Refiro-me especialmente ao mundo dos negócios: quando de boa-fé te esforças para concretizares um projecto, te rodeias das pessoas competentes, trabalhas que nem um moiro e consegues pôr de pé algo visível e prometedor….há sempre a eterna dúvida, o permanente receio da traição pelas costas, da concorrência desleal!

Porquê? Que medidas tomar? Como nos precavermos e defendermos?

Agradeço-te uma resposta concreta, eficaz e pronta pois tenho negócios a caminho que não quero perder neste novo ano que começa.

E mais, poderei ganhar muito dinheiro e sabes para quê? Um niquinho para mim, o resto para dar e distribuir a quem tanto precisa neste Portugal que se esvai a cada dia.

É justo frustrarem-se as minhas expectativas e decisões por gente desonesta e sem princípios, por gananciosos sem limites?

Vá lá, por uma vez na nossa correspondência, actualiza-te e dá-me um conselho fácil de pôr em prática.

Prometo-te uma generosa comissão para as tuas caridades favoritas.

Um afectuoso abraço do teu primo amigo mas incerto sobre como proceder.

Manuel