quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O final do ano é dado a emotivos testemunhos sobre o que se passou durante 365 dias

O final do ano é dado a emotivos testemunhos sobre o que se passou durante 365 dias e manifestações de esperança para o seguinte, que apenas vai começar.

Acho que a introspeção deve ser feita não no final do ano mas antes com frequência e ao longo do mesmo, para evitar a acumulação de arrependimentos sobre atitudes e actuações negativas  que se tenham praticado e por outro lado sentirmo-nos encorajados pelo bem, que a cada momento, tentamos partilhar com os outros.

Mas, se conseguirmos focar a nossa atenção nos que nos rodeiam, esquecendo-nos de nós próprios, a satisfação encontrada supera de longe a recriminação que queiramos infligir-nos.

Há tanta gente para quem um novo ano não traz esperança de melhoria: refiro-me aos presos, aos doentes em estado terminal ou muito grave, aos sós, aos desempregados, aos pobres, aos soldados em guerras sem fim, às famílias que perderam nesses conflitos pessoas queridas, aos perseguidos politicamente e por crenças religiosas e a tantas outras pessoas que sofrem e assim continuarão no próximo ano.

Tenho por isso para mim, que devemos para 2015, fixar-nos em pequenos objectivos a cumprir para essas pessoas com quem interagimos, ao nosso nível, sem vontade desmedida de abarcar lunaticamente o mundo todo.

O que se nos pede é que continuemos ou que iniciemos qualquer coisa de palpável, concreto e realizável para que a transição de um para outro ano seja realmente uma realidade no que se refere ao nosso compromisso para com terceiros.

As nossas causas e as nossas lutas e cruzadas, têm que ser prosseguidas com bom senso, realismo, com sensibilidade e estratégia, com o desejo último de conseguir resultados, numa palavra: vencer!

Para isso é importante termos a noção exacta das nossas “forças” e capacidades, a necessidade de trabalhar em equipa e a coragem de não desistir nunca de “speak up” a verdade e entregar-nos sem medo à defesa daquilo por que lutamos.

Não me refiro a quixotismos, nem a moinhos de vento! 

Talvez até as nossas vitórias pessoais e com terceiros, comecem a princípio por nos deixarmos descobrir pelos outros e com surpresa e encantamento recebermos um retorno caloroso, agradecido e potencialmente desmedido em esperança.

Por isso, apelo a que nos entreajudemos como cidadãos a mudar o curso do nosso país, da nossa vida colectiva e pessoal e a de tanta gente que precisa de nós.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Preciso de férias. Férias de gente.


Preciso de férias. Férias de gente.

Férias de gente mesquinha. Férias dos invejosos. Férias de estressados no trânsito. Férias dos falsos amigos. Férias dos sanguessugas. Férias dos vizinhos encrenqueiros. Férias dos mal educados e dos mal agradecidos. Férias dos moralistas. Férias dos preconceituosos. Férias dos egoístas, dos estraga prazeres, dos sem noção.

Ah, como eu esperei por você, férias! Trabalhei o ano inteirinho, acordei cedo, aguentei muita gente chata, mentira descarada, topada no dedinho, crise renal. Conheci pessoas novas e também algumas antigas, porque nunca é tarde para conhecer, de fato, alguém. Tive surpresas boas e outras ruins, vontade de socar e me atracar com uns e outros. Senti raiva, angústia, ciúme, medo, rancor. Me entupi de gente para fugir da solidão e depois corri para me deitar com ela na cama. Quis dormir um mês inteiro para esquecer uma dor. Pensei em largar tudo, pegar uma mochila e sair pela estrada afora, pedir carona, tentar a sorte por aí.
Foi um ano difícil, férias, mas se eu pudesse tiraria mesmo uma folga de algumas pessoas, porque o trabalho não me amedronta. Férias eternas de gente pesada, me entende? Mas como sei que isso é difícil eu vou levando, fingindo não ver, nem dar ouvidos, nem a mínima importância para essas coisas. Acontece que, quanto mais perto do fim do ano, mais a paciência vai saturando, o saco vai enchendo, rasgando, pingando a sujeira guardada ao longo dos meses.

O barulho das buzinas me atormenta até em sonho, e o trânsito, cada vez mais caótico, tem me feito ranger os dentes e respirar profundo umas cem vezes ao dia. Estou cansada dos trogloditas e sem educação que passam na frente, que furam a fila, que pisam no pé. Gente que não pede licença e nem desculpa. Que não tem tempo para escutar o outro, que olha e não consegue enxergar o que está lá, bem diante do nariz. Preciso de férias dos abraços frouxos, das mãos soltas e beijos secos… Estou exausta da falta de tempo para amar e das prioridades às avessas.

Contudo, tenho que admitir que este ano também teve lá suas coisas boas. Muito boas, por sinal! Porque apesar da dor de dente, algumas cólicas e resfriados, minha saúde não me tirou o sono. Tive trabalho, muito trabalho, graças a Deus! Aprendi com os sambas da vida que é preciso dividir para somar, e que o arco-íris só chega depois da tempestade. Outra coisa; honestidade, gratidão e aprendizado nunca é demais.
Mas todo ano é assim mesmo. Começa cheio de esperança e perspectiva, que com o passar dos dias vão se desprendendo de nós, ficando para trás nas esquinas e bares, copos e sofás. Então, exauridos de força e sonhos, entupidos de tanta falta de amor e educação, chega o momento em que todos precisam de férias. Férias até dos nossos próprios bueiros e ratoeiras. Só assim para recomeçar, outra vez, limpos para o próximo ciclo.

Meu desejo, neste ano novo, é conseguir tirar férias dos problemas, dos chatos, dos desamores e dos pessimistas. Quero uma rosa branca para cada sorriso, um barco cheio de fé, um céu estrelado, pular de mãos dadas sete ondas com sete amigos e acordar com o pé direito e um amor no peito!

Adeus ano velho, feliz ano novo!

Karen Curi

domingo, 28 de dezembro de 2014

umas pequenas pérolas de Natal


À atenção dos meus queridos consócios do Turf: "There is nowhere more felicitous than a seat in a good Club".

Tenho uma quadrilogia fabulosa, de Douglas Sutherland, publicada pela Debrett - The English Gentleman, The English Gentleman's Wife, The English Gentleman's Child, The English Gentleman's Mistress.

Num dos capítulos - The Gentleman in bed - esta é uma pérola que não resisto a transcrever " Gentlemen are not passionate performers in bed. That is to say they do not wear see-through pyjamas or spray themselves with mannish perfumes before diving between the sheets and they do not study handbooks illustrating a variety of sexual gymnastics in order to rose their partners to a frenzy of passion.....one of the hazards of going to bed with a gentleman is that he often shares it with one or more of his dogs. Instead of whispering felicitous phrases, his moment of climax is more likely to be punctuated with cries of "Down, Brandy, down" There's a good dog...ahaahah

Foreword by Sir Iain Moncreiffe of that Ilk, Bart.....magnífico
Jolly good Christmas for all of you
Manuel

Velho homem, Homem novo



Há um mistério que intriga a maioria dos seres racionais deste planeta: a falta de controlo sobre a nossa morte. Intelectuais e poetas sempre manifestaram sua admiração por este tema. Enxurradas histéricas de novas invenções tecnológicas são as nossas cúmplices no sentimento cego de poder e controle sobre todas as coisas.

Juntas e tacanhas convivem a era do controle, a era touch, a era glass e tantas outras histerias tecnológicas, que nos fazem sentirmo-nos capitães das fragatas nas ondas da internet e das nossas vidas.

O facto é que muita gente já morreu alguma vez e nunca desconfiou disso. Inclusivé tu, não obstante eu.

Porque morremos quando nos levantamos da cama e começamos por olhar para o telemóvel. Morre-se de monotonia, de inércia, de marasmo, de falta de sonhos e de sonhos não realizados. Morremos de medo de pôr o dedo em riste na cara do próprio medo e de ter a coragem e seguir o caminho.

Morremos de medo de trocar hábitos, de mudar de ideias, convicções, de ver as coisas por outra perspectiva e damos um repeat automático nos comportamentos viciados e ranzinzas.

Morremos de medo de olhar para o espelho da consciência e encarar os olhos nada atractivos das verdades da nossa alma, pois os reflexos geralmente são indigestos e desagradáveis.

Morremos de medo de colocar em pratos limpos as mazelas de uma relação corroída, mas sustentada, apesar do visível desgaste, devido à insistência do amor que já não é mais o mesmo, mas que poderia voltar a ser ainda melhor se fôssemos viscerais e honestos com nós próprios e com o outro.

Morremos na reincidência infinita de conhecidos ranços e defeitos, dos outros, e dos nossos.

Morremos quando não somos coerentes com o que sentimos.


Na verdade, vivemos cercados de mortes commoditizadas, sem cara nem desejos. E não sabemos como sair de tão grande e paraplégica falta de competência de atitudes.

Morremos de frio na alma e de falta de verdade. De amor encoberto e não depurado pela falta de coragem e por excesso de orgulho. De afecto endurecido e estancado. De gentileza não manifestada numa conversa que deveria ser doce.

Morremos de egoísmo e de falta de sensibilidade.

Morremos de silêncios e de fugas.  Não dizemos o que não nos agrada por medo de julgamentos.

Morremos de preconceitos, de inveja, de ódios e maus fígados. E juramos que esses sentimentos, totalmente anti-civilizados e sem elegância, se manifestam e pertencem apenas aos outros.

Também se morre de arrogância, de presunção, de soberba.

Morre também quem permite que a paixão morra no sexo e que faz amor fingindo prazer, como quem come um mil folhas com o nariz completamente entupido.

Muita gente também morre de mediocridade. Pessoas que não são capazes de reconhecer o valor e os grandes feitos dos outros. Sem saber que esta atitude só demonstra a sua fraqueza de alma e que a mediocridade anda de mãos dadas com a inveja.

Muita gente morre de orgulho e nunca pensa na possibilidade de ceder. Gente que nunca conheceu a grandiosidade do acto de perdoar, do conforto de um abraço de perdão e do discurso sem máscaras.

Urgente! É preciso ter coragem e força de personalidade para olhar para dentro de si próprio e, identificar essas pequenas mortes diárias. Fazer delas o combustível para catarses existenciais que melhorem cada um como ser humano.

Que nos possibilite ver e ter uma vida com mais honestidade, ética, sensibilidade, poesia, densidade e amor.

Ter a coragem de trocar as nossas pequenas mortes de cada dia por sobressaltos cheios de cores, beijos húmidos e risadas altas, prontas para ocupar os palcos de uma vida mais verdadeira e se refastelarem soltas ao sabor do vento sem nenhuma amarra ou máscara.

Vida longa e muito amor a todos os que se dispuserem ao desafio.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Fecha-se hoje aquilo a que decidi chamar o “meu ciclo de Natal”


Fecha-se hoje aquilo a que decidi chamar o “meu ciclo de Natal”. Resolvi dedicar este ano um bom bocado de tempo a várias terceiras pessoas, começando pela minha Família e incluindo a visita a presos e a um centro de acolhimento de toxico-dependentes no Beato, a quem servi o jantar e a consoada na véspera de Natal.

Como já faço isto há vários tempos, nomeadamente no trabalho como voluntário da CV na prisão de Alta Segurança do Estado em Monsanto, dando aulas de Português para estrangeiros reclusos, sinto-me completamente tranquilo em partilhar estes meus pensamentos com os meus leitores, pois não me prende qualquer intuito de "louvaminhice" ou de falsa virtude.

Faço porque gosto e me faz bem e sinto que também os destinatários me retribuem em afecto, amizade e confiança. E temos todos aprendido entre nós, como é tão mais compensador usar a verdade e a bondade, como as principais ferramentas da nossa vida. Têm sido umas boas e eficazes “explicações” destas duas matérias que recebo dos meus reclusos, que sendo prisioneiros de “topo”, têm uma enorme categoria.

Tinha-me oferecido hoje, dia 26, para além de visitar os “meus” reclusos, pôr-me à disposição de alguém que não tivesse recebido ninguém, ou pelos familiares não terem capacidade material para se deslocarem do estrangeiro ou vontade de o fazer, ou pura e simplesmente estarem sozinhos neste mundo.

Começo pelos meus habituais alunos: escrevi-lhes uma carta a cada um para poder chegar pelo correio antes do dia de Natal, o que assim aconteceu e disseram-me hoje que me tinham respondido, coisa que muito me alegrou. Cartas entre ambos com profundidade, poemas, textos e divertimento "de amigo para amigo" dizem eles e eu concordo.

Depois foi-me distribuído um recluso de 39 anos, de nacionalidade mista – portuguesa/estrangeira – com uma pena pesadíssima, de cerca de 20 anos, tendo já decorrido 5 anos.

Em vez de ser frente a frente, deram-me a hipótese de experimentar o chamado “parlatório” em que cada um fala através de um vidro grosso e por meio de microfone. Nunca me tinha acontecido em Monsanto.Correu muito bem e vou continuar a acompanhá-lo, inclusive falar com a família no estrangeiro para os ajudar a virem visitar o seu marido e pai.

Não sabe ler nem escrever e sendo um homem com talentos musicais, estava sereno e triste. A cadeia de alta segurança é muito pesada e restritiva de confraternização e companhia, passando cerca de 90% na cela individual.

Eu não quis inteirar-me do conteúdo do seu crime, ainda que ele me tivesse mencionado por sua iniciativa e propus-lhe um plano de vida:

a. Traçar uma linha bem nítida entre o passado e o presente.

b. Sózinho, na cela com o tempo imenso que tem, por uma vez ir bem fundo e olhar-se a si mesmo com verdade e sem desculpas aparentes e reconhecer o que fez de mal.

c. Depois, tal como se o coração estivesse cheio de espinhos entrelaçados que impedem que bata livremente, mesmo com dor ser ELE que arranca esses espinhos para sempre. Fica resolvido e não se engana mais a ele próprio e o coração já pode bater de novo livremente.

d. A seguir vou-lhe facilitar que comece a aprender a ler e escrever. Sempre ocupa o tempo e sobretudo pode exprimir-se de outra maneira com a família e terceiros bem como tomar conhecimento de tanta coisa fantástica que o poder da leitura lhe pode conceder para a sua regeneração. Se alguém que leia este meu texto quiser mandar-me livros de início de aprendizagem para adultos, seria óptimo.

e. Finalmente e citei-lhe o que se passa com o amor, terá que aprender a surpreender a família e os outros, com uma nova maneira de estar e de comunicar e fazer com que o afastamento se torne presença. Os ausentes para estarem presentes têm que estar motivados e ele não pode perder tantos anos de lonjura…

f. Disse-me que era crente e que reza todos os dias e que gostaria de ter alguma assistência espiritual, coisa que tratei com o Sub-Director quando saí da entrevista.

g. Foi grande o meu contentamento quando percebi que o plano estava aceite com entusiasmo e novidade. Assim Deus o ajude.

Já vai longo o meu texto mas para terminar, estou seguro das razões que me levam a dedicar-me a este sector dos presos com entrega e interesse, ainda que reconheça que há tantas outras áreas aonde podemos dar o nosso contributo.

Sei por experiência de comentários que me fazem que me acusam do síndroma de Estocolmo (vejam no Google) e apesar de eu gostar muito da Suécia e da dita cidade, não concordo nada.

Quando se encontra a serenidade como retorno de se fazer aquilo de que se gosta, não há outro caminho senão o de prosseguir. Ainda que atento, com humildade e aberto a sugestões, mas sem desfalecimentos e desistências.

A sociedade civil não está informada, nem consciente e condena no primeiro minuto de conversa sobre a reinserção, um recluso para todo o sempre pelo crime que cometeu ( e temos visto tantas injustiças de condenações erróneas, ou injustas mas este tema levar-nos-ia a outros patamares) e esquece-se que vai ter que os receber, pois não há prisão perpétua e mesmo as maiores penas têm limites de tempo. Melhor seria que em conjunto pudéssemos todos ajudar quem num determinado momento prevaricou, mesmo gravemente, para poder voltar a retomar um lugar na comunidade, com duas pequenas/grandes ferramentas que se nos exigem: perdão e bondade. Sem isto vão de certeza, reincidir!

Gostaria que comentassem e que me ajudassem a levar a bom porto esta minha caminhada. Obrigado em nome de quem em mim confia e deseja que eu seja um porta-voz bem sucedido na minha missão.

MNA

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O discurso do Papa Francisco aos Cardeais e Arcebispos da Cúria


O discurso do Papa Francisco aos Cardeais e Arcebispos da Cúria, suscita-me uma série de comentários.

O primeiro, desde logo, é o da minha admiração pela coragem de dizer a verdade, com uma superior doçura e firmeza ao mesmo tempo. Repararão que a voz habitual não se alterou: creio que o facto de ser em italiano ajuda a temperar a linguagem argentina que por natureza poderia ter tido toadas mais altas…digo eu.

Aqui faço um parênteses para vos dizer que tenho a certeza de que o Papa Francisco é de facto alguém que age com bondade, virtude e sentido do cargo que desempenha, ou seja não tem uma “agenda” político/religiosa. Estuda, escuta, consulta e decide. É o que faz falta nas grandes instituições majestáticas que têm vícios e defeitos arreigados desde há muitos anos e que precisam de ser arejadas, renovadas e não só de pessoas, culpadas ou não, mas de uma actualização e reinterpretação da sua missão.

O segundo comentário que se me oferece fazer é o de referir que na Igreja há membros que fazem mal e perturbam o magistério e que por isso têm que ser afastados. Como organização administrativa que é, existe corrupção, negócios escuros, escândalos sexuais, abusos e cupidez no exercício do poder, controlo da doutrina, tudo isto contrário ao espírito da sua Fundação.

Por isso, a reacção dos Cardeias: de estupefação, de incredulidade nas palavras que estavam a ouvir e de morno aplauso. O Papa, como Bom Pastor saudou a cada um dos Cardeais, com um sorriso aberto, caloroso como se de nada fosse. Tem por isso uma qualidade superior de “manso de coração” mas seguro da sua razão, e não de cinismo ou hipocrisia como poderia deixar transparecer.

Um terceiro comentário, visa a preocupação com que olho para a segurança do Papa, pois esta reforma progressiva e por etapas, é profunda e afecta poderosos interesses que não hesitarão em usar todos os meios que sempre tradicionalmente foram utilizados no Vaticano, para a eliminação de Pontífices: desde o veneno Borgiano, ao homicídio velado e até a atentados públicos.

Finalmente um último comentário: o trabalho pastoral que este Papa vem desenvolvendo, tem um impacto enorme nos próprios fiéis católicos, muitos empedernidos na sua fé, descrentes, afastados e discordantes, mas sobretudo e essa é a boa-nova junto de um universo de pessoas dignas e bem formadas que fruto de decisões familiares pessoais se afastaram da doutrina (recasados civilmente, separados e vivendo em uniões de facto, etc) ou de novas formas de convivência que têm vindo progressivamente a ser aceites pela sociedade civil de um número crescente de países (uniões homossexuais).

O Papa em numerosas atitudes de franco testemunho de abertura, não julga, não condena nem rejeita o acolhimento da Igreja. Manda estudar, reza, recebe quem lhe venha expor as diversas posições a favor e contraditórias e deixa que seja numa assembleia magna apropriada para o efeito, que se venha eventualmente a considerar novas interpretações da doutrina da Igreja.

O que muitos oponentes do Papa não veem é a dimensão de amor que está na base das suas posições: não aprova que os fiéis se divorciem canonicamente, não deseja que a família-base seja alterada no seu conceito original, mas, aceita que não se rejeite do convívio da Igreja quem não seguir exactamente os padrões tradicionais. É diferente encorajar ou aceitar bondosamente as situações inalteráveis ou imponderáveis de pessoas que desejam descobrir no Evangelho um modo de viver baseado na caridade e no amor ao próximo. Então não é este o pilar da mensagem de Cristo e da sua Igreja?

Conheço muita gente de diversos credos, natureza social e educação e frequento alguns ambientes conservadores que abertamente criticam o Papa: devo dizer que uma coisa é informadamente e com respeito intelectual discordarem ou me apresentarem argumentos de que o Papa é comunista e devia continuar a usar sapatos encarnados da Prada.

Para esses o meu silêncio pouco caritativo ou uma firmeza sem tréguas, semelhante à que vejo praticar pelo meu querido Papa Francisco.

Quem sou eu para opinar sobre as qualidades reconhecidas universalmente deste Papa, mas sinto-me como seu seguidor, no dever de o defender e promover a informação correcta a quem quer denegri-lo e à religião que professo.

Afinal, não é só no Iraque nem no Califado que há perseguição à Igreja: uma insinuosa campanha de descrédito, de inimputabilidade para governar a Igreja tem que ser combatida não em termos de disputa do poder terreno, mas nos interesses de se fazer passar a razão de ser da Igreja: a mensagem de Jesus Cristo, seu Fundador.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Benjamim, nos chamamos


Era uma vez um menino que, desde pequeno, gostava de ser grande.

Os pais e a família diziam-lhe que tudo tinha o seu tempo, e que ele aproveitasse enquanto era novo pois a vida de crescido trazia boas e más surpresas.

O nome era Benjamim, que significa “filho da felicidade” em hebraico.

E ele sonhava em sair de casa, fazer viagens, imitar os crescidos nos negócios, ganhar muito dinheiro, ter muitos amigos e ser feliz.

Percorreu as etapas todas da juventude, sem nada de relevante a referir: teve as doenças que todos têm, chorou e riu, caiu e levantou-se, bateu e levou de outros, arriscou, tendo ganhado e perdido, e foi, sobretudo muito amado.

Chegado aos dezoito anos, decidiu partir e despediu-se dos pais e da família e zarpou pelo mundo.

Levava algum dinheiro, muito entusiasmo e sonhos a cumprir e ia muito contente.

Não aconteceu isto com todos nós, uns com mais tonalidade e outros com menos cores?

Bom momento para analisarmos como os Benjamins que cada um somos, se sente agora, hoje, passados estes anos? Os dezoito anos, podem até nem ter significado uma partida física, mas é tradicional quando se atinge a maioridade, saber tudo.


sábado, 20 de dezembro de 2014

Days like today


i regret
days like today
when I am alone
alone together
together alone

i will look
back later on
days like today and
remember the joy
of being loved 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A história do ratinho e do menino loiro


Era uma vez um ratinho que vivia numa prisão cheia de presos que não gostavam de animais, especialmente de roedores.

Mas ele, que era bonitão e simpático, tinha conseguido captar a amizade de um preso jovem que com ele repartia a sua pouca comida.

O Jorge era loiro, de olhos grandes azuis, com uma cara redonda e sem nunca sorrir. Estava sempre calado e passava o dia todo enfiado na sua cela, e só quando o ratinho aparecia lá mostrava um sorriso.

Eram bons conversadores e o ratinho estava a cavar um túnel para poder sair para o campo que já estava quase no fim e perto da saída. A ideia era ele sair durante o dia e à noite voltar para o quentinho da cela e poder comer do jantar do Jorge.

Um dia o ratinho anunciou a Jorge que tinha chegado ao fim e que até tinha mesmo dado um pequeno passeio no campo à volta da prisão.

Jorge era órfão, tinha ficado entregue a um padrasto muito mau que lhe batia e o fazia trabalhar duramente no campo. Dava-lhe pouca comida e de má qualidade e num canto da casa toda suja e escura, dera-lhe uma enxovia de palha com um cobertor esfarrapado para se tapar. No inverno tremia de frio e sentia-se muito triste e abandonado.

Começou a matutar em como poderia escapar à sua sorte malvada e decidiu que fugiria. Assim fez, levantou-se de noite enquanto o padrasto dormia, pegou nos seus trapos, abriu a porta de mansinho e saiu.

Andou, andou sem ter rumo até que chegou a uma estrada aonde passavam automóveis de vez em quando. Pôs-se à espera que passasse algum e quando viu uns faróis que se aproximavam, pediu boleia saindo para a berma da estrada.

Era o padrasto que ao vê-lo parou, deu-lhe uma carga de pancada e levou-o direito ao Reformatório-prisão. Já lá estava há mais de um ano.

Não se dava com os outros miúdos pois eram maus e faziam troça dele por ser muito loiro e indefeso. Assim que, era com o ratinho com quem Jorge mais conversava.

Nos dias seguintes à conclusão do túnel para fóra da prisão, o ratinho parecia outro: entrava a cantarolar, vinha de barriga cheia e contava a Jorge tudo quanto vira – casas, campos verdejantes, flores lindas, céu azul, sol e calor e muitos miúdos a jogar à bola e a brincarem, muito felizes.

Jorge ficou muito triste e quando se estendeu na cama dura da cela, com as mãos atràs da cabeça, começou a sonhar e o sonho levou-o dali para fora.

Foi ter com o Avô de que ele se recordava tão bem, pois brincava com ele, dava-lhe beijinhos e festas, levava-o a passear na carroça com o burro, iam ver as abelhas e contava-lhe muitas histórias. Passavam pelo poço aonde em árvores próximas pendiam, de macieiras, uns pêros de bravo esmolfe, que lavados na água fresquinha, eram um regalo para o paladar.

Depois foi visitar a Mãe a um hospital local aonde ela morria a cada dia com uma doença que a mantinha na cama sem forças para tomar conta dele. Lembra-se das mãos macilentas e compridas, fininhas que o acariciavam quando ele se aproximava da sua cama.

O Pai tinha morrido numa desavença entre vizinhos com uma cajadada na cabeça. Ficara, pois, o padrasto que não tinha paciência para Jorge e com a Mãe doente, não se ocupava dele nem o deixava ir à escola, obrigando-o a trabalhar na courela, a cavar batatas.

A porta da cela abriu-se e o guarda de maus-modos gritou: - o comer para ti! e olha que já está frio!
Entretanto, com o barulho, acordara do sonho e quando o ratinho chegou das suas passeatas perguntou-lhe o que vira.

Mas, nesse momento, apareceu uma fada sua madrinha, que pegando-lhe na mão levou-o através da parede grossa da cela para o exterior e daí para uma carruagem que desapareceu no ar levando os dois para um destino desconhecido, mas o ratinho, estava convencido que muito melhor do que na prisão.

E o ratinho ficou muito triste, porque perdeu um amigo mas por outro lado achou que a mudança da prisão para a liberdade era o melhor que poderia ter acontecido ao Jorge.

E era mesmo…

MNA

Amor de pai é uma das principais influências na personalidade humana


Branco, negro, gordo, magro, católico, protestante, rico, pobre. Não importa quantos factores sociais, econômicos, culturais ou religiosos difiram entre as pessoas, nós todos temos algo em comum: viemos ao mundo graças a um pai e uma mãe, e o amor deles por nós faz toda a diferença na nossa vida.

Segundo um novo estudo, ser amado ou rejeitado pelos pais afeta a personalidade e o desenvolvimento de personalidade nas crianças até a fase adulta. Na prática, isso significa que as nossas relações na infância, especialmente com os pais e outras figuras de responsáveis, moldam as características da nossa personalidade.
“Em meio século de pesquisa internacional, nenhum outro tipo de experiência demonstrou um efeito tão forte e consistente sobre a personalidade e o desenvolvimento da personalidade como a experiência da rejeição, especialmente pelos pais na infância”, disse o coautor do estudo, Ronald Rohner, da Universidade de Connecticut (EUA). “Crianças e adultos em todos os lugares tendem a responder exatamente da mesma maneira quando se sentem rejeitados por seus cuidadores e outras figuras de apego”.

E como elas se sentem? Exatamente como se tivessem sido socadas no estômago, só que a todo momento. Isso porque pesquisas nos campos da psicologia e neurociência revelam que as mesmas partes do cérebro que são ativadas quando as pessoas se sentem rejeitadas também são ativadas quando elas sentem dor física. Porém, ao contrário da dor física, a dor psicológica da rejeição pode ser revivida por anos.

O fato dessas lembranças – da dor da rejeição – acompanharem as crianças a vida toda é o que acaba influenciando na personalidade delas. Os pesquisadores revisaram 36 estudos feitos no mundo todo envolvendo mais de 10.000 participantes, e descobriram que as crianças rejeitadas sentem mais ansiedade e insegurança, e são mais propensas a serem hostis e agressivas.

A experiência de ser rejeitado faz com que essas pessoas tenham mais dificuldade em formar relações seguras e de confiança com outros, por exemplo, parceiros íntimos, porque elas têm medo de passar pela mesma situação novamente.

É culpa do pai, ou é culpa da mãe?

Se a criança está indo mal na escola, ou demonstra má educação ou comportamento inaceitável, as pessoas ao redor tendem a achar que “é culpa da mãe”. Ou seja, que a criança não tem uma mãe presente, ou que ela não soube lhe educar.
  • Como o amor de mãe muda o cérebro do filho
Porém, o novo estudo sugere que, pelo contrário, a figura do pai na infância pode ser mais importante. Isso porque as crianças geralmente sentem mais a rejeição se ela vier do pai.

Numa sociedade como a atual, embora o nível de igualdade de gênero tenha crescido muito, o papel masculino ainda é supervalorizado e muitas vezes vêm acompanhado de mais prestígio e poder. Por conta disso, pode ser que uma rejeição por parte dessa figura tenha um impacto maior na vida da criança.

Com isso, fica uma lição para os pais: amem seus filhos! Homens geralmente têm maior dificuldade em expressar seus sentimentos, mas o carinho vindo de um pai, ou seja, a aceitação e a valorização vinda da figura paterna, pode significar tudo para um filho, mesmo que nenhum dos dois saiba disso ainda.

E para as mães, fica outro recado: a próxima vez que vocês forem chamadas à escola por causa de algo que o pimpolho aprontou, tenham uma conversa com o maridão. Tudo indica que a culpa é dele! Brincadeiras à parte, problemas de personalidade, pelo visto, podem resolvidos com amor de pai. E quer coisa mais gostosa?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Christmas follies

 
The greatest of follies is to sacrifice health for any other kind of happiness.
 
Schopenhauer


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Each day is a little life

 
Each day is a little life: every waking and rising a little birth, every fresh morning a little youth, every going to rest and sleep a little death.

Schopenhauer

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Natal 2014


Aproximamo-nos velozmente da data em que se convencionou celebrar o Natal e nas circunstâncias actuais do país, dificilmente poderão as pessoas esquecer-se do que as aflige a cada dia.

Deve ser sobretudo uma festa de família em que os que estão fora possam regressar ou mesmo nessa impossibilidade, sentirem-se mais perto e serem lembrados com mais ternura e alegria.

Já conhecemos como o coração humano amolece nestas alturas e há como que um esquecimento do resto dos dias do ano em que as zangas persistem, a desunião e o esquecimento dos outros é a regra, o egoísmo e a frieza de comportamento acaba por ser uma constante.

Por isso, com algum espanto para comigo próprio, vou dando menos importância a actos ou celebrações que não sejam mais do que um ritual, sem um sentido verdadeiro e efeitos duradouros. Aquela mágica de menino pequenino, da beleza do Natal, dos presentes, do presépio, dos jantares e ceias com gastronomia apropriada, passou. Até porque já não sou um menino pequenino…hélas…ainda que o saiba ser no coração.

Claro que me sabe bem estar em Família, mas o barulho e a excitação do convívio próprio da época, leva-me a um maior silêncio interior e a ser um observador à distância, aproveitando para por a conversa em dia com quem tenho menos oportunidade.

Tenho assim, uma especial atracção e atenção, para os que sofrem e a quem falta a solidariedade, a companhia dos seus familiares, o isolamento, a pobreza, a tristeza e a solidão.

Pediram-me para fazer umas férias de Natal no leccionamento das aulas de português para estrangeiros na cadeia de Monsanto, o que significou também uma ausência no meu contacto com os “meus” reclusos! Não percebo a que férias se referem, pois eles continuam presos com a rotina do dia-a-dia, sem Natal e sem qualquer celebração, sequer, especial.

Seria para eu descansar, mas eu disse que não queria nem precisava e que até, se pudesse, viria na véspera do dia de Natal, passar umas horas com eles.

Estas atitudes burocráticas, fazem parte da cegueira institucional com que neste país é aplicada a lei com rigor, quando convém, e se deixa tantas outras situações muito mais relevantes para a sociedade civil entregues a um total laxismo. Não se trata de infringir quaisquer regras de segurança, mas tão somente conseguir pôr-se na pele de quem seria o destinatário de uma permitida discricionariedade dos decisores (pois é o que a lei diz) que mitigaria o sofrimento de se estar detido.

Eu sei que é um tema delicado, pois nos diversos "fora" aonde tenho pugnado por uma revisão da lei e um tratamento mais humanizado dos reclusos no sentido de se prepararem para a reinserção social quando saírem em liberdade, sou considerado como um extraterrestre que de repente se põe do lado dos criminosos!

Muitas das Autoridades a todos os níveis incluindo os legisladores, NUNCA puseram um pé em nenhuma cadeia; NUNCA conversaram atempadamente com reclusos; IGNORAM as condições reais e a vida diária nas prisões; não têm realmente vocação para as funções que exercem, desempenhando-as como um meio de sobrevivência podendo ser neste sector como noutro qualquer cumprindo horários rotineiros diários; finalmente, desconhecem o que se passa em outros países europeus  nos estabelecimentos prisionais e não estão actualizados na doutrina de reinserção que se pugna e defende em todo o mundo, dito, civilizado.

Já nem refiro aqui a escassez de meios oficiais do Estado Português para este sector!

Por isso, a minha voz não se calará e tenciono congregar pessoas, instituições e organizações vocacionadas para este tipo de apoio social, para uma intervenção sem tréguas e sem desistências, por uma forma organizada e sistemática e com objectivos bem definidos.

Natal é para mim, por isso, um momento de reflexão e de solidariedade muito sentida e vivida com todos os que, DE FACTO, precisam mais e para quem tantas vezes só um gesto, uma palavra, ou uma lembrança pode significar tanto.

Gostaria assim de os motivar para esta minha “missão” desinteressada e sem qualquer desejo de protagonismo, para que no próximo ano possam, talvez, dedicar algum do vosso tempo a este sector ou a outros em que haja quem necessite da vossa presença, solidariedade e porque não dizê-lo, entrega.

Natal de 2014

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Escreve aí no teu caderno. “Eu sou livre!"


Escreve aí no teu caderno. “Eu sou livre!”. Só para lembrar. Tu bem sabes, mas não custa repetir. Amar não é ter posse sobre ninguém. Quando te sentires escravizado, manda às favas! Assim, simples, direto e com toda a força. Fecha teus olhos, respira fundo e manda embora todo aquele, aquela e aquilo que te faz mal. Não é preciso verbalizar, repetir, soletrar em voz alta, gritar essas coisas tão deliciosas. Diz a ti mesmo, varre o opressor aí dentro primeiro. Aperta o botão vermelho, dá de ombros, dá as costas e vai em frente para longe dessa lama doentia.

Por que carregar esse peso, hein? Para onde? Vai valer de quê? A vida é uma viagem e a mala dos outros não te cabe. Despacha. Expulsa. Demite. Tu és livre, criatura! A maior concentração de idiotas por metro quadrado do mundo está aí mesmo, ao teu redor. Repara. Observa. Tem sempre um cretino por perto, cada vez mais próximo, exalando sua incrível capacidade de invadir o espaço alheio e um hálito estranho às tuas entranhas. Se vacilas, descuidas, cochilas e permites sem querer uma só aproximação, logo ele terá cravado os caninos em teu pescoço. Estará pendurado em ti, no pleno e livre exercício de seu parasitismo.

Rejeita. Escapa da areia movediça das relações doentias. Percebe o quanto tu, criatura divina que um dia foi amada com honestidade sob a forma de um bebê inocente, frágil, corre agora o risco de ter a vitalidade sugada por um espírito miserável, patológico e paranoico, povoado de expectativas unilaterais. Não te obrigues a agradar a quem quer que seja antes de te contentares. Não te encantes com ninguém antes que um amor louco por ti mesmo fortaleça tua alma e dê sentido a cada santo dia.

Acredita. Tu haverás de amar honestamente só aqueles que mereçam o privilégio. Teus amigos, tua família, tua gente e olhe lá. Esses estarão contentes com o quinhão de amor e dedicação que tu lhes deres, seja qual for o tamanho disso. Ao resto, tu deves nada, nada! Quanto àqueles que não entenderem, que se danem! Danem-se com todas as letras e ferros. Porque a nós nada está garantido mesmo senão a danação absoluta. E se te permitires afagar o ego de outro antes de mais nada, está escrito que também irás te danar mais cedo!

Manda longe aqueles que te “amam” sob a condição de que faças exatamente o que de ti esperam. Porque se ousares fazer diferente, se te atreveres a seguir tua própria vontade, sem nada conceder ao capricho alheio, rapidamente te odiarão com a mesma fúria com que hoje te adoram.

Desiste. Desiste de agradar a Deus e todo mundo. Afaga antes a ti mesmo e, se Deus quiser, o mundo todo será teu. Então poderás escolher o que queiras dele e a ele devolver o que puderes.

Cuidado com quem te cobra coerência, perfeição e generosidade. Atenção a quem te julga egoísta por valorizares a vida que te foi dada. Geralmente, é um cínico despejando em ti os defeitos que não suporta saber em si mesmo.

Olho vivo na turma do olho gordo, tão boazinha e viciada em sentir pena dos outros para disfarçar e esquecer sua própria miséria.

Evita, evita descaradamente os santinhos e sanguessugas dissimulados, entregues a sua corrida de lesmas. Tu não precisas provar nada a ninguém, não deves nada além das contas que pagas a tão duras penas, nada senão respeito a toda e qualquer criatura honesta que viva sua própria vida e não atrapalhe a dos outros.

Corre. Corre o mais rápido que puderes das malditas expectativas, as tuas e as alheias. Expectativas são bichos não domesticáveis, aranhas peludas de mil pernas, escravizando suas vítimas em teias de preconceito para devorá-las no mingau gelado da frustração. Melhor é criar filhos, cachorros, gatos e lembranças.

E sobretudo perdoa. Aprende a perdoar quem te ataca em tua mais óbvia fraqueza: tu és nada além de um ser humano cheio de falhas que ora carece de companhia, ora anseia por solidão. Mas não te esquece: perdoa, sai de perto e segue em frente. Porque o perdão é a tua liberdade com outro nome.

Reconhece então a tua fraqueza e cai no sono sem culpa. Quando acordares, serás ainda a mesma criatura imperfeita de sempre, mas terás mais força que nunca para seguir correndo. Em frente, atrás, de lado, não importa. Só o que ainda vale de tudo isso é o puro e simples movimento. Dispensa o peso. Manda embora. Liberta-te. Levanta e voa!

 André J. Gomes

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Olvido do BES/GES


Que sean muy felices mientras yo busco olvido!

à procura de uma sílaba

Toda a manhã procurei uma sílaba.
É pouca coisa, é certo:uma vogal,
uma consoante,quase nada.
Mas faz-me falta. Só eu sei
a falta que me faz.
Por isso a procurava com obstinação.
Só ela me podia defender
do frio de janeiro,da estiagem
do verão.Uma sílaba.
Uma única sílaba.
A salvação. 


Eugénio de Andrade.

Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?


Foi em 63 a. C., que Cícero proclamou: "O tempora, o mores... “Até quando, ó Catilina, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos haverá de precipitar a tua audácia sem freio?” (Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? quem ad finem sese effrenata iactabit audacia?)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Pequeno poema


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve estrelas a mais...

Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama, in 'Antologia Poética'

domingo, 7 de dezembro de 2014

Memórias sobre a Minha Mãe


Hoje fez sete anos que a minha Mãe morreu. Uma amiga minha pediu-me para escrever sobre a sua memória.

Quem a conheceu lembra-se bem das suas características, por isso não vou maçá-los com o que sinto de saudades, da sua falta e do seu apoio.

Foram reflexões que me acompanharam durante o dia, mas sem dramas.

Prefiro partilhar convosco como é importante numa Família, os Pais darem-se bem e deixarem como herança para os Filhos, um acervo de boas recordações, uma estabilidade interior e um equilíbrio emocional que permite arrostar os altos e baixos da vida, com coragem, resignação e tranquilidade, ainda que com sofrimento, por vezes.

No meu caso e sendo sete irmãos, dos quais 4 rapazes e 3 raparigas, posso certificar e atestar como se diz no direito, que somos fruto de um amor grande entre os nossos Pais. Uma grande cumplicidade, um respeito mútuo e um companheirismo durante a vida toda fizeram com que para nós surgisse como natural que a felicidade estava ali ao virar da esquina ao nosso alcance.

Mais alguns ingredientes essenciais para que tudo isto tivesse bem funcionado: uma sólida fortuna familiar, educação e cultura, viagens por todo o mundo implicando abertura a outras culturas e civilizações, e com imensa sorte para nós os netos, serem ambos filhos únicos.

Conhecemos todos os Avós, 70% dos Bisavós que de excelente saúde duraram todos até muito tarde.
Originários de várias partidas, desde a Europa até às Índias, com distintos tipos de formação académica, com diversos bons níveis de inteligência e interesse, diria que todos bastante completos e ricos de personalidades, formaram um caldo de cultura e uma carapaça de grande qualidade de que beneficiámos, nós, os sete infantes…

Habituámo-nos a ver como gostavam de nós, como conseguiam superar as suas diferenças e desencontros em nosso benefício e cuidando que pudéssemos ir construindo uma vida polifacetada, equilibrada, estando sempre por trás quando era preciso, mas deixando-nos respirar…com algumas imposições irritantes….
E este aspecto, tão singular e direi mesmo raro, de renunciarem com generosidade e equidade às suas personalidades a favor de quem gostavam, produziu frutos incomensuráveis.

Fui desde cedo vendo a fragilidade de um mundo tão “perfeito” e apreciando com algum gozo a discrepância entre o que nos ensinavam e o que praticavam: o meu Avô materno, muito próximo de nós, por exemplo, só dava um beijinho à sogra, ou seja a minha Bisavó na missa do dia de anos a que todos assistiam. Eu mauzinho, em várias ocasiões, perguntava porque não o fazia mais vezes e já nem me lembro da resposta, mas devia ser convincente.

Tenho imensas histórias íntimas que não calha aqui contar e que fazem parte do património familiar entre mim e os meus irmãos, mas que são muito engraçadas, umas, outras tristes ou iguais às de toda a gente, demonstrando à saciedade que eram seres deste mundo e não etéreos.

E esta mescla de normalidade por um lado e da construção de um edifício sólido com boas fundações por outro, permitiu-nos como filhos, netos, bisnetos e irmãos sermos uma família muito feliz, mesmo.

O meu Pai e a minha Mãe foram impecáveis, apesar das nossas resistências, discussões e até revolta por termos começado a realizar que noutras famílias havia mais rédea solta para os filhos, nossos amigos.

Esta persistência em manter, até quando foi possível, uma linha de conduta rigorosa mas amorosa, não teve preço para nós.

Por isso, hoje é sobretudo com uma enorme gratidão como Filho que pensei na minha Mãe e para além das saudades e da sua falta, fica este sentimento de enorme amor filial e de respeito.

O tempo é um bom conselheiro quanto ao que de essencial é importante reter e do que esquecer, por irrelevante…petty things.

Resta a esperança, somewhere, somehow de um dia podermos estar juntos de novo…

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A certidão de nascimento de Portugal

A certidão de nascimento de Portugal foi a Batalha de S. Mamede, naquele dia em que, diz o povo, o filho deu uma tareia na mãe.

A piada histórica predileta dos portugueses é aquela com barbas: como é que o País havia de ter corrido bem, se começou com um filho a bater na mãe? Mas há aqui dois equívocos. O primeiro é que Portugal correu bem durante muito tempo (e esperemos que volte a correr um dia destes); o segundo é que não houve nenhum filho a bater na mãe.

O filho a que a graçola se refere é, como toda a gente sabe, D. Afonso Henriques, fundador da nacionalidade e primeiro rei de Portugal; a mãe é D. Teresa, filha ilegítima de Afonso VI de Leão e Castela. Falta recordar a identidade do pai: tratava-se do conde francês Henrique de Borgonha, aparentado com a família real dos Capetos, que tinha vindo anos antes para a Península Ibérica fazer cruzada contra os mouros, colocando-se ao serviço de Afonso VI. Este, que era irmão de uma tia por afinidade do jovem Henrique, engraçou com ele e ofereceu-lhe a administração de uma parte do seu reino - o Condado Portucalense, região que abrangia o Minho, o Douro Litoral e parte de Trás-os-Montes. E como se não bastasse, deu-lhe ainda a mão da filha bastarda.

Quando Henrique, o borgonhês, morreu, deixando nos braços da viúva o pequenito Afonso Henriques, Teresa confiou o rebento à família do fidalgo duriense Egas Moniz, para que o educasse, e assumiu ela o governo do condado. Mas não a consideremos por isso uma mãe desnaturada... Naquele tempo era normal os fidalgotes serem educados por um aio.

D. Teresa ligou-se em seguida aos barões da Galiza no combate contra as ambições hegemónicas de Castela. O mais destacado desses barões era Fernão Peres de Trava, com quem ela se envolveu sentimentalmente. Mas a aliança foi também política, chegando o galego a governar os Condados de Portugal e de Coimbra.

É natural que os barões de Entre-Douro-e-Minho - entre eles Egas Moniz - não tenham estado pelos ajustes. Pegaram então em armas (a bem dizer, naquele tempo nunca as largavam), transformaram o jovem Afonso Henriques em seu estandarte de carne e osso e desafiaram para a luta Fernão Peres e Teresa, que tinham o apoio do arcebispo de Santiago de Compostela, D. Diego Gelmírez.

E, como não poderia deixar de ser, travou-se uma batalha.

O pintor Acácio Lino concebeu em 1922 um mural que intitulou A Primeira Tarde Portuguesa e que representa os dois bandos de guerreiros enfrentando-se de lanças na mão, não muito longe da silhueta de um castelo. A pintura representa a batalha de S. Mamede, que opôs as tais duas fações na tarde de 24 de junho de 1128, a norte do castelo de Guimarães, pertinho da cidade.

Mas porque se chamou a essa batalha "a primeira tarde portuguesa"? Porque a vitória dos partidários de Afonso Henriques - a maioria dos barões de Entre-Douro-e-Minho e o arcebispo de Braga, D. Paio Mendes, cioso da sua independência face ao prelado compostelano - abriu caminho à futura independência do País.

Derrotados, Teresa e Fernão Peres deixaram o governo do condado nas mãos do jovem Afonso Henriques e dos barões portucalenses. Reza a tradição, embora não existam provas documentais, que Afonso mandou encerrar a mãe no castelo de Lanhoso, perto de Braga. Esta lenda veio reforçar, se não mesmo construir, a ideia de que ele "batia na mãe". Mas não se tratava de bater como as pessoas normalmente julgam, mas antes de fazer realpolitik, como agora é aliás moda...

Se Teresa e Fernão Peres tivessem vencido em S. Mamede, o núcleo do Estado português continuaria a ser governado pelo casal de amantes, ligados à Galiza. Portugal não se autonomizaria, portanto.

Na lógica das comemorações nacionais, faz algum sentido que o dia 24 de junho nunca tenha sido feriado? É a data da independência portuguesa - se não oficial, pelo menos de facto.

Luís Almeida Martins

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

os meus votos de Natal aos meus reclusos na prisão de alta segurança



Não sei como falar-lhes do Natal quando para todos vocês é mais um dia na prisão em Monsanto sem as vossas famílias nem gozando da liberdade. Seria hipócrita desejar-lhes um Bom Natal no sentido estrito de uma festividade.

Mas sim, desejo-vos nesta quadra em que toda a gente parece ter-se aparentemente esquecido da maldade e mergulha no consumismo, e apregoa aos sete ventos votos de felicidade, repito, desejo-vos do coração um pouco mais de paz interior e também, se possível com o mundo que aqui vos rodeia.

Tinha proposto vir-vos visitar à cadeia na véspera de Natal e encher-vos de presentes, consolo, abraços e sorrisos, mas dizem-me que não posso. Mas queria que soubessem que pensarei em todos vocês, especialmente, na véspera e no próprio dia e que vos prometo que continuarei a fazer tudo ao meu alcance para vos tornar a vida mais suportável.

Tenho conversado com muita gente sobre esta minha experiência convosco e estou cada vez mais convencido que só ganhamos em serenidade, em realização de vida e felicidade se conseguirmos esquecer-nos de nós próprios e nos entregarmos ao bem dos outros, sem sentimentalismos nem pretensões, mas com verdade e exprimindo o que vai realmente no coração.

Vocês também são responsáveis pelo meu bem, por isso lhes peço que me ajudem a encontrar em vocês um estímulo para poder acreditar que estamos em conjunto num desafio de recomeçarmos uma nova etapa das vossas vidas. Cada um com as suas luzes e sombras, com o seu passado, mas sobretudo com o desejo firme de voltar a acreditar que têm um futuro à vossa frente e que o êxito para que seja o melhor, passa e depende muito de cada um.

Já nos compreendemos bem nestes meses de convívio e ensino do português e sabem que não sou de vos pregar lições de moral. Respeito-os e aceito-os como me foram colocados na minha vida e tento com simplicidade e amizade transmitir-lhes que há outras hipóteses e opções para o vosso percurso. Sei que estão atentos e que me vão escutando e sobre tudo vamos conversando com liberdade de opinião.

O vosso sofrimento e restrições a uma vida normal no exterior, com as vossas famílias e amigos, são um bom meio para a reflexão e para a mudança.

Irão sair com mais sabedoria, com mais capacidade de ponderar cada uma das vossas futuras atitudes, para o bem e para o mal. Assim, saibamos todos, estender-vos as mãos e proporcionar-lhes a ajuda e um pequeno empurrão para vos lançardes ao caminho.

Com este meu abraço a cada um, mesmo que seja na frente dos guardas, que fiquem na certeza que podem contar comigo, como eu tenho a certeza de que não me deixarão mal.