sábado, 31 de dezembro de 2011

Memórias dos meus Natais (fecho do ciclo)


Num destes jantares em casa do meu Avô paterno, estava eu uma noite muito atento à conversa entre os crescidos.

Um dos meus Tios, irmão do meu Avô, vaidoso e convencido, mostrava um relógio Patek Philippe de bolso, com a particularidade de estar dentro de uma cápsula de ouro e esmalte que se abria para os dois lados para ver as horas no mostrador que surgia. Invulgar, pelo menos! E acrescentava que tinha sido a primeira pessoa a ter trazido para Portugal, este modelo da África do Sul, aonde tinha estado em viagem de serviço como comandante do navio hidrográfico.

Ficámos todos encantados pela peça que era fora de comum e eu estranhei ver o meu Avô silencioso, sem ter feito nenhum comentário. Perguntei-lhe porquê. Respondeu-me que o Tio Luis se esquecia que ele tinha estado em África muito antes do que ele e que tinha na altura comprado também um relógio igual, que ele tinha visto, gostado e por isso o tinha adquirido mais tarde.

E acrescentou:

- Sabes, às vezes pode parecer difícil ficarmos calados quando ou temos razão ou conhecemos os factos por dentro ou pior ainda, já os vivemos, experimentámos e sobre eles tivemos o mesmo entusiasmo de novidade que os mais novos sentem quando deles falam como se fossem os detentores da verdade!

Hoje em dia, lembro-me tantas vezes deste pequeno episódio que me marcou para sempre, mesmo. Umas vezes não resisto e intervenho mas na maioria dos casos, pareço absorto e ausente mas acompanho tudo o que dizem, que comentam tantas vezes sem ponderação ou conhecimento de todos os factos ou com uma visão parcial – mas sempre com ares categóricos e sem deixar margem para discussão!

Se quiser ser verdadeiro, acho que também fiz isto com os meus Pais e com uma miríade de gente! Hoje menos...ahahaah

Trouxe este pequeno apontamento para fecho deste ciclo das Memórias dos meus Natais, porque o argumento de que a experiência é um factor determinante para a razão, nem sempre é verdadeiro ou porque se teve “wrong experiences” ou porque os “experientes” podem ser uns chatos e cortar a espontaneidade dos mais novos ao direito de errar e de aprender com o tempo, também.

Acho que serei um eterno menino pequeno, por isso hoje num acto de puro narcisismo pus este meu retrato do tempo em que sabia de tudo!

MNA

Partida para o Brasil



No Ano Novo que se perspectiva, espero cumprir o planeado durante 2011: mudar-me para o Brasil e não foi o Senhor Primeiro Ministro que me empurrou para fóra!

Antes de partir, porém, reunirei TODOS os meus AMIGOS numa enorme confraternização, num novo espaço para eventos chamado Arca de Noé!

Trata-se de um conceito inovador de convivência pois podem estar simultaneamente – amigos e inimigos – meus, uns dos outros, entre si, enfim todas as combinações são possíveis.

Á entrado é-se borrifado com uma fina película transparente que nos torna invisíveis para os indesejáveis, chatos, cravas, políticos crápulas, mulheres e homens mal cheirosos por dentro, sem coração, prepotentes, convencidos e mediante o preenchimento prévio de um questionário on-line, é servido a cada um, uma magnífica ementa que previamente escolheram.

Torna-se assim o sítio ideal para um grande get together.

O preço é muito vantajoso, pois o cálculo é baseado nos rendimentos de cada um, mas só os declarados, por isso mesmo os que fogem ao fisco estão protegidos!

Aliás, nos tempos que correm, a maioria ou tem baixos rendimentos ou mesmo quase nenhuns, de forma que o repasto sai quase de borla!

Aceito presentes para levar de viagem, do tipo lingotes de ouro, moeda estrangeira – tudo menos Euros – e em parceria com instituições bancárias conhecidas, o vosso capital será tranquilamente transportado para fora do país e neles depositado, cobrando eu uma simbólica comissão!

Até lá e bom ano de 2012.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Memórias dos meus Natais (parte 4)



O meu Bisavô materno tirou o Curso Superior do Comércio, equivalente nessa altura a uma licenciatura em gestão financeira e foi Presidente da Junta de Crédito Público, tendo ocupado também outras altas funções no Estado, sempre dentro deste âmbito profissional. Foi colega do Alfredo da Silva com quem travou forte amizade.

Com cerca de 18 anos e depois de terminados os estudos secundários no Colégio de Campolide, (o meu Bisavô falou com o Alfredo da Silva para arranjar um emprego) e o meu Avô foi estagiar para a Casa Bancária José Henriques Totta, aonde percorreu todas os sectores da banca, criando uma sólida formação comercial e contabilística.

Quando casou com a minha Avó, ainda bem novo, foi desafiado pelo sogro e meu outro Bisavô para o ir ajudar na gestão da Editora Romano Torres, já na família há muitas gerações.

O Avô adorava livros, trazia conhecimentos actualizados e úteis, e por isso nem hesitou. Mais tarde com o seu irmão mais velho e meu Tio-Avô, desempenhou funções de Administrador não executivo em variadíssimas empresas aonde esse meu Tio era Presidente e a nossa família, proprietária ou grande accionista.

Não sei se o Avô teria tido uma actividade profissional mais interessante se tivesse seguido a carreira bancária, mas não se arrependeu da que escolheu pois dizia que não havia melhor do que se trabalhar no que era dele e foram realmente muito bem sucedidos, com uma elevada qualidade de vida e de que todos beneficiaram e ainda bem.

Na sua vida de solteiro, a maioria dos rapazes com meios e de boa sociedade, tinham hábitos de grande pândega, sobretudo nocturna.

Era uma vida com dois tipos de comportamento :

o primeiro, o oficial e familiar com um enorme respeito pelos Pais e Avós e pela severidade formal de que se revestiam as relações :

- a vida doméstica tinha horários estritos e presença obrigatória nas demoradas refeições em grandes casas servidas por criados e criadas e nas quais deviam estar sempre bem vestidos e impecavelmente apresentados ;

- não podiam, em princípio, eximir-se ao cumprimento de todos os hábitos religiosos que o seu estatuto social lhe impunha;

- as Mães e Avós eram muito devotas (dependendo o exagero de caso para caso, e no seu, apesar de muito rígida, a minha Bisavó era terna e gostando muito dos filhos) e os Pais um pouco distantes, mas zelando pelo equilíbrio social e pelas tradições familiares, sem que pudessem causar escândalo.

o segundo, aliás transversal a Avós, Pais e Filhos (quando aplicável), era o de uma vida secreta, confidencial e zelosamente guardada cumplicemente entre todos e só partilhada entre cada nível geracional.

Sabia-se que os « Cavalheiros » e disso se conversava detalhadamente com peripécias e gozo nos seus Clubes, faziam grandes vidas de lazer, com prazeres ocultos e práticas sensuais, mas normalmente sempre a horas que não prejudicassem, aos casados, o cumprimento dos seus deveres conjugais….

Jantava-se pelas seis horas da tarde! Dava tempo de sobra para voltar depois da refeição ao escritório para fazer horas extraordinárias tardias, ou ao consultório a atender pacientes urgentes e por aí a fora…

As Senhoras casadas, sobretudo as mais desprezadas e por isso mais directamente infelizes ou as noivas desvalidas desconfiavam de toda essa vida brejeira e desregrada e como em tudo, não só acabavam por ser « apanhados » noivos, namorados, maridos e até « castas esposas » em flagrante delito, situações estas que redundavam sempre em separações, abandono das casas familiares ou rompimento de noivados.

O « sport » era uma ocupação dos « dandy » e da juventude bem educada desses tempos, e no seu caso e dos seus 2 irmãos, escolheram a esgrima aonde foram sempre muito bem conceituados : os meus Tios-Avós foram várias vezes campeões de Portugal e brilharam no estrangeiro, bem como vencendo inúmeros torneios que se disputavam entre os Clubes privados do país.

Atiravam na Sala d’Armas do Professor Carlos Gonçalves, uma das melhores e mais bem frequentadas de Lisboa, sendo ele um insigne mestre com fama internacional. Foi com ele que teve lugar um dos últimos duelos à espada em Portugal.

Tinham como Amigos e parceiros de esgrima o Conde de Lavradio, o Henrique MacBride, e os membros de uma equipe que mais tarde ganhou uma medalha de bronze nas Olimpíadas de Amsterdão em 1928 formada pelo Mário de Noronha, filho do escritor Eduardo de Noronha, Paulo d’Eça Leal, Jorge de Paiva, João Sassetti, Henrique da Silveira e dávam-se também com o Ruy Mayer, o António Mascarenhas e Menezes, o António Pinto Leite e tantos outros que tornavam esta prática num verdadeiro prazer entre amigos.

* a primeira fotografia é a do meu Trisavô com o meu Avô, que o adorava, em Paris no aeroporto de "Le Bourget".

(continua)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Memórias dos meus Natais (parte 3)




Este é o Avô que eu admirava tanto, com todas as suas virtudes e com os seus defeitos.

Este Avô com olhar de menino, sempre inteligente e atento, mostrando um caminho engraçado de vida, mestre contador de histórias com tantas memórias de um passado variado e oriundo dos quatro cantos do mundo, incutiu na minha vida muitas esperanças, certezas e confiança.

Este Avô alegre e brincalhão, mas também, às vezes, silencioso e pensativo, homem de grande luta e cultura intelectual, sensível e generoso foi uma referência para mim.

Os seus braços aconchegadores que sempre me acolheram, este bom Avô, tinha um grande coração.

A Avó, tão cúmplice e tão admirativa dele, mas com a sua personalidade própria e apesar de condescendente em relação aos seus hábitos sensuais da época, digamos assim, foi uma Mulher extraordinária e muito para além dos costumes do seu tempo, pois jogava golf, ténis, ping-pong, bridge, nadava connosco até fora–de-pé na praia do Monte Estoril, bebia cerveja, montava a cavalo, tendo também desempenhado com brilho e público reconhecimento cargos de direcção na Cruz Vermelha e em outros serviços à comunidade.

Factos: Celorico da Beira, Casa do Paço.

Pormenor: bengala com um aro de prata por mim comprada no “Pinheiro das quinquilharias” em Celorico. Vendia de tudo, era como os “shopping” de hoje….ainda a tenho, claro, e custou-me 50 escudos nessa altura, o equivalente a duas mesadas completas que paguei honradamente a prestações. O Avô, visitava as propriedades de bengala – a dele - não porque precisasse, mas para comodidade e talvez para se encostar de perna traçada quando estivesse cansado.

Cena: jantar de um dia normal na Casa do Paço com os meus Avós e uns primos de Celorico de que nós tanto gostávamos e ainda hoje gostamos dos seus descendentes.

Caldo verde com couves e azeite da Quinta do Tólfão, pão triga-milho, queijo da serra genuíno feito pelos caseiros, cabrito excelente, leite-de-creme inolvidável, tudo acompanhado por tinto da Quinta e o primo narra:

- hoje aqui na Vila não se fala de outra coisa senão do neto do Senhor Engenheiro, tão novinho, mas já de bengala. Ó Manuel, porque andas tu de bengala?

Fiquei encarnado da cor de tomate e engasguei-me. O Avô disse que eu tinha caído num penhasco quando passeávamos no Castelo e que me tinha comprado uma bengala enquanto o “torcegão” doesse!

A conversa seguiu e mudou de curso mas a Roza que servia à mesa, não descansou enquanto do outro lado não me encarou de frente e abriu um grande sorriso cúmplice, desdentado e silencioso!

No fim do jantar, o Avô bebia sempre um porto, tendo antes tomado um whisky, coisa que danava a Avò, mas a que ele nem se dignava replicar e ao pedir-me para o preparar foi comigo até à garrafeira e fez-me uma festa demorada na cabeça!

Eu gostava imenso do meu Avô e nunca mais me esqueci e lá tenho a bengala bem guardada!

Um dia, quando precisar de descansar os meus ossos ruins, é a esta bengala virtuosa que me vou amparar.

(continua)

Acordos com o tempo



Fazem-se acordos de coexistência pacífica com o tempo: nem ele nos persegue, nem nós fujimos dele, um dia encontramo-nos.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Memórias dos meus Natais (parte 2)


O meu Avô paterno, que era o mais velho da Família, foi durante 50 anos o Engenheiro que se formou com a classificação mais alta em Portugal (20 valores). Tinha várias especialidades nos cursos que fez, desde engenharia Civil e Industrial, Hidráulica (foi o Presidente de todas as barragens portuguesas) Mecânica e várias outras vertentes. Foi Inspector Superior das Obras Públicas mas basta de explanar o curriculum, pois é muito vasto, rico e honroso nos postos de topo que ocupou na Administração Pública, servindo o seu País.

Foi muito cedo para Moçambique aonde com 28 anos foi Presidente dos Portos e dos Caminhos de Ferro bem como Administrador dos Cimentos de Moçambique da família Sommer.

O seu Pai e meu Bisavô veio da Índia como Presidente do Tribunal da Relação ocupar o segundo posto hierárquico do Estado, o de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Narro tudo isto para tentar definir os contornos da personalidade do meu Avô paterno. Era indubitavelmente inteligente, culto e letrado, muito aberto e desempoeirado de ideias, monárquico, corajoso na defesa dos seus direitos e convicções e muito humano, mas sem “papas na língua”!

Foi convidado várias vezes para Ministro das Obras Públicas mas dizia sempre que na nossa Família não havia “cangas”!

Não foi um político e preferiu ser um excelente e reconhecido profissional, com liberdade para fazer o que queria! A sua proficiência criava-lhe a autoridade para dirigir grandes empresas do Estado, fazer estudos científicos ( as cheias do Tejo, tendo ganho um prémio internacional), e possuía uma segurança no que dizia ou fazia que perdurava para além do servilismo político. Recebeu apesar disso inúmeras e importantes condecorações pelos serviços prestados.

Tanto ele como o meu Tio Luis, bem como o terceiro Tio de que falei anteriormente e que morreu muito novo nasceram na Índia Portuguesa e aí foram educados. Tendo o meu Bisavô atingido o topo da carreira da Magistratura (como referi acima foi Presidente do STJ) este meu Tio morreu sendo Delegado do Procurador da Corôa em Bardez na Índia Portuguesa. Junto o retrato de ambos, pois é uma engraçada coincidência!

Do património herdado aqui na Metrópole o meu Avô ficou com as casas e quintas em Celorico da Beira e o Tio Luis com a magnífica moradia na avenida do parque do casino do Estoril, a última antes das Arcadas de quem desce em direcção ao mar. Infelizmente hoje já não existe nenhuma nessa avenida!

O Avô sempre que podia raspava-se para a Quinta e ia de carro num Dodge gigantesco azul com strapontans (bancos que no meio do carro se dobravam quando não eram utilizados). A estrada da Beira era medonha e cheia de curvas e levava-se horas até à Quinta. O Avô também ia muitas vezes de comboio, aproveitando a viagem para escrever e ler. Quando a Avó decidia ir com as criadas era no dito carro que viajavam e eram conhecidas as fúrias do Avô quando o pessoal que ia espremido nos referidos strapontans, resolvia dizer que estava enjoado, forçando a paragens com as respectivas consequências para “fora de bordo”!

Nós netos mais velhos, passávamos lá boa parte de Setembro nas vindimas e também esporadicamente noutra altura do ano, mas fazia muito frio pois era perto da Serra da Estrela e gostávamos mais das praias amenas do Estoril.

Voltando de novo a Lisboa, eu ia muitas vezes estudar para casa dos Avós e claro, sem eles em casa e as criadas ocupadas nas suas lides caseiras, punha-me a espiolhar a biblioteca do Avô. Foi lá que li desde muito cedo, Henry Miller no seu “Sexus, Nexus and Plexus”, “Lady Chatterly” , o Marquês de Sade, no campo da iniciação à sexualidade.

Mas tomei contacto com Aquilino tendo herdado belíssimas edições com dedicatórias efusivas e de admiração para o Avô, o nosso Eça e Camilo e tantos outros.

Era uma biblioteca ecléctica com um pouco de tudo, desde os autores clássicos de sempre até aos pensadores desconformes com a tradição do regime. Estavam esses, em inglês, ou francês ou mesmo italiano: era por causa da censura, e por isso não se editavam nem vendiam em português.

Sartre, Nietzsche, Marx, Barthes, e toda uma plêiade de pensadores ilustres que permitiam ver mais claro outras ideias que não só as do "establishement". Mais tarde percebi o que o Avô queria dizer com a canga: ser-se fidalgo é ser-se livre no pensar, ter ideias próprias e saber distinguir o bem do mal, mas não segundo nenhuma cartilha.

O Avô, com os “Burra”, caseiros na Quinta desde gerações imemoriais era de uma humanidade e desvelo enormes, sobretudo quando precisavam de protecção, fosse na velhice, num aperto, na partilha generosa dos produtos da Quinta do Tólfão ( eles tinham 21 filhos e a Avó inscreveu a Maria da Burra no prémio da “Mãe de Portugal” que ganhou, com compensações monetárias e de apoio à educação) mas também sabia exigir e quando era preciso punha-os na ordem…de alguma mandraça.

Fui a vários casamentos de alguns dos filhos do Manel da Burra, todos lá na Quinta na zona das parreiras das vinhas sem toldos a não ser as latadas e mesas corridas de madeira com bancos de cada lado, com toalhas brancas limpíssimas e tudo quanto era preciso para uma festa farta e rija.Eu pasmava pela variedade de pratos e qualidade da comida e da bebida.

Acompanhava os Avós que eram normalmente padrinhos e depois de algum tempo quando se retiravam, ficava solto nos cantares e dançares em perfeita sintonia com aqueles que tão bem sabiam fabricar os deliciosos queijos da serra que comíamos à fartazana em Lisboa, a excelente pinga, a fruta fresca e deliciosa sem pesticidas – fiquei a adorar pêros bravos esmolfos que eles plantavam na quinta – do azeite puro, dos borregos, da vitela,do leite creme, dum sem fim de vida sã e prazenteira que ainda povoa o meu subconsciente e aonde vou buscar forças quando estou mais enfronhado nos meus projectos citadinos e internacionais!

A "Casa do Paço" era na Vila e por isso era um programa irmos com o Avô, passear na Quinta do Tólfão que ficava fóra de Celorico, mas não muito longe.

(continua)

Memórias dos meus Natais (parte 1)


A época do Natal - pouco importa a religião que se professe - convida à congregação das famílias e promove encontros e momentos de raro convívio.

Mesmo os mais novos que normalmente andam dispersos nas suas vidas fora de casa, acabam por se aproximar dos mais velhos e durante alguns dias, às vezes só umas horas, ouve-se-lhes as vozes, as opiniões e põem-se mais apuradinhos, ousando até usar uma gravata e um blazer!

Vem isto a propósito das minhas memórias do Natal passado em casa dos meus Avós. Havia grandes celebrações dos dois lados, trocavam-se excelentes e variados presentes e coisa inaudita, havia uma enorme afluência de família.

Somos sete irmãos e sendo os nossos Pais filhos únicos, na minha mais jovem idade consciente, compareciam todos os 4 Avós, 7 Bisavós, uma série de Tios-Avós e alguns Tios-Bisavós, para já não falar da parentela numerosa que vinha a cumprimentos natalícios.

Eu adorava todo este movimento e as ceias de Natal bem como os inumeráveis almoços e jantares nas casas dos Avós dos dois lados da Família que eram de grande qualidade, caprichados e servidos a rigor por muita criadagem.

Era um deslumbramento para os olhos e para o paladar: pois eram todos gourmets e gourmands e apreciadores da boa mesa, nacional e internacional.

Não admira que fossem todos os anos, a curas termais a Vichy e a Karlsbad, mas creio que também juntavam o útil ao agradável e seguiam o curso da moda!

Dois episódios que ainda hoje retenho tendo eu os meus 9 anos.

Tínhamos acabado de chegar com os meus Pais ao jantar de Natal em casa dos meus Avós paternos. A figura mais marcante destas celebrações familiares era sempre a minha Bisavó Maria do Carmo, uma Noronha das Índias aonde tinha nascido e só posto os pés na Metrópole em 1940 depois de 400 anos familiares naquelas paragens desde os tempos do seu avoengo Vasco da Gama bem como de outros Vice-Reis, como é sabido que descendem quase todos os Noronhas!

Os primos menos próximos que não eram convidados para o jantar pois não cabiam todos e eram muitos, aproveitavam para depois ao café e licores, virem dar-lhe as Boas Festas.

A Avó Maria do Carmo era muito afável para com os netos e conversadora interessada com os parentes que a visitavam e a quem perguntava pela vida de cada um, estando a par de tudo. Usava, nesses dias de maior solenidade uns vestidos compridos de seda preta (desde que o Avô José Maria morrera - creio até mais pela morte prematura de um meu Tio e seu Filho, de que tinha uma tristeza inconsolável - não mais tirara o luto) com uma gargantilha que me enchia de espanto e curiosidade.

Parece que tinha dentro do medalhão de esmalte com uma fiada de brilhantes à volta do pescoço, umas tranças enroladas do cabelo da sua Mãe. Coisas que se transmitiam de geração em geração! Ainda mais me fascinava saber o porquê!

Naquela azáfama da chegada e dos cumprimentos entre os mais velhos, cotumiços como éramos, passávamos completamente despercebidos.

Eu era nessa altura um pouco tímido e resolvi disfarçar e não falar ao meu Avô. De repente e depois de tudo já mais calmo e sentado, levei um carolo valente com os nós dos dedos na cabeça que me doeu e ouvi a voz zangada do Avô a perguntar-me porque não lhe tinha falado, dando-lhe um beijo, como de costume. Fiquei muito envergonhado, de seguida pedi-lhe desculpa e ouvi-o dizer-me com um ar severo e irredutível que nunca há razões para não se falar seja a quem for. Serviu-me de emenda para o resto da vida!

O segundo episódio, passa-se em casa do meu Bisavô materno no almoço de Reis, ou seja a cada dia 6 de Janeiro. À sobremesa, para além de imensos doces, havia sempre romãs - que eu detestava – mas que comia quando me vinham servir, pois dentro da taça grande de cristal, estavam libras de ouro que o Avô Carlos tirava de um saco de veludo azul e despejava abundantemente de entre as romãs.

Apesar de meter bem a colher no fundo servindo-me em quantidades apreciáveis da detestada romã, vindo bastantes libras de ouro Isabelinas, hélas…tinham que ser devolvidas no fim do almoço e repostas no saco de veludo.

Ainda vim a herdar umas quantas dessas libras e lembro-me de ao manuseá-las ter sentido uma enorme saudade de tempos de meninice em que o mundo era mundo e rodava sem este frenesim em que já há pouco lugar para estes rituais inofensivos e ricos em simbolismo.

Retomando o fio à meada, num desses jantares de Natal em casa dos meus Avós paternos, a seguir ao jantar fumava-se charutos e cigarros e os homens conversavam entre si, beberricando Porto ou cognacs e whiskies. Eu, de mansinho vinha para ao pé do Avô e ficava a ouvir as conversas, que eram tão interessantes e me despertavam a atenção para tantas coisas que eram novas para mim.

O Tio Luis, irmão do Avô, era Almirante e tinha tido e ainda continuava a ter uma vida fascinante e importante, pois era Secretário da Defesa do Governo de Salazar, colega de curso e íntimo amigo do Presidente da República Américo Tomás e sendo também Engenheiro Hidrógrafo tinha feito o levantamento da costa de Moçambique no navio hidrográfico do tempo da Monarquia.

Eu pedia-lhe repetidas vezes que me contasse a aventura dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral na travessia aérea do Atlântico, pois o Tio Luis tinha sido um dos dois oficiais jovens e ainda como Guarda Marinha, que os acompanharam na visita triunfal ao Brasil.

Por outro lado fora nomeado oficial-general às ordens do Rei da Tailândia aquando da sua visita a Portugal e recebera como agradecimento do monarca, a mais alta condecoração do Sião, com honras de príncipe, lá. Veja-se a fotografia em que se vê o Tio Luis, preparando-se para beijar a mão à Rainha a quem fora apresentado pelo Rei Blumipol.

(continua)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A SESTA



Na rede, que um negro moroso balança,
qual berço de espumas,
formosa crioula repousa e dormita,
enquanto a mucamba nos ares agita
um leque de plumas.

Na rede perpassam as trémulas sombras
dos altos bambus;
e dorme a crioula, de manso embalada,
pendidos os braços da rede nevada
mimosos e nus.

Na rede, suspensa dos ramos erguidos,
suspira e sorri
a lânguida moça, cercada de flores;
aos guinchos dá saltos na esteira de cores
felpudo sagui.

Na rede, por vezes, agita-se a bela,
talvez murmurando
em sonhos as trovas cadentes, saudosas,
que triste colono por noites formosas
descanta chorando.

A rede nos ares do novo flutua,
e a bela a sonhar!
Ao longe nos bosques escuros, cerrados,
de negros cativos os cantos magoados
soluçam no ar.

Na rede olorosa... Silêncio! Deixai-a
dormir em descanso!...
Escravo, balança-lhe a rede serena;
mestiça, teu leque de plumas acena
de manso, de manso...

O vento que passe tranquilo, de leve,
nas folhas do ingá;
as aves que abafem seu canto sentido;
as rodas do «engenho» não façam ruído,
que dorme a sinhá!

Gonçalves Crespo

it sounds familiar...



Have I ever heard about this, somewhere, somehow?

nas nossas vidas quantos deixámos passar?



Around the corner I have a friend
In this great city that has no end,
Yet the days go by and weeks rush on,
And before I know it, a year is gone.

And I never see my old friends face,
For life is a swift and terrible race,
She knows I like her just as well
As in the days when I rang her bell,
And she rang mine.

We were younger then,
And now we are busy, tired men.
Tired of playing a foolish game,
Tired of trying to make a name.

"Tomorrow" I say "I will call on Jane"
"Just to show that I'm thinking of her"
But tomorrow comes and tomorrow goes,
And distance between us grows and grows.

Around the corner!-yet miles away,
"Here's a telegram sir-"
"Jane died today."
And that's what we get and deserve in the end.
Around the corner, a vanished friend.

domingo, 25 de dezembro de 2011

The Gentlemen drinks


In the first of an ongoing series on cocktails I'm going to walk you through some of the basics of mixology starting with my favourite spirit; gin.

* Why start on gin.
* Which gins to use.
* Gin and Tonic.
* Martini.
* Tom Collins.

Gin is my favourite for two reasons:

First is specific to me - I like the taste and (unlike whiskey, vodka and tequila) I can drink a fair amount of it without getting messed up and out of control.

I'm the same with white wine. From colloquial evidence it seems that most people have certain drinks that they can handle better than others so it's worth finding out which suit you the best.

From time to time I may have alternatives, but if I want to drink while being certain I won't make a fool of myself (crucial at occasions like weddings) then I stick to what I know I can handle.

The second reason I'm starting with gin is that it's often considered the most basic spirit for use in cocktails. It's so ubiquitous that a bar without gin is not a properly stocked bar.

Your two most reliable options for high-quality gin are Bombay Sapphire and Tanqueray No. Ten.

Personally I go for the Bombay Sapphire because it's got gorgeous botanicals (the extra flavours such as juniper and almonds)) and the bottle is really pretty. I know, I know, very superficial but cocktails are meant to be a bit of fun.

Some bars have taken to storing their gin (and vodka) in the fridge or even the freezer but I would advise against this unless you want to get smashed (no, you don't). You see, room temperature spirits melt the ice slightly, and that extra water improves the taste as well as diluting the alcohol a little. Cocktails are supposed to be pleasant to drink, not eye-watering.

A wiser man than me once told me the fundamental difference between cocktails for men and cocktails for women. Women's cocktails try to disguise the alcohol in them with bright colours, fruit juices and sugar. Men's cocktails look and taste like they contain alcohol. That means it's time to grow up and step away from the Mai Tais, Daquiris and Seabreezes. While we're at it, Rum and Coke is boring, ditto the Screwdriver, and Long Island Iced Tea is what students who're trying to be sophisticated drink (I speak from firsthand experience).

Needless to say, if it has a 'comedy' name like Sex on the Beach or Harvey Wallbanger then it's not a gentleman's choice either.

So let's start with an easy one, the Gin&Tonic. Popularised during the days of the British Raj in India because the tonic water contains quinine, which helps repel mosquitoes. It says something about Britain which makes me quite proud that rather than develop some sort of way to vaporise quinine they instead put it into a cocktail.

Anyway, it's a piece of cake to make and guests are likely to be forgiving if you play it fast and loose with your measures. Really a standard that you should know how to prepare:
* Put a few ice cubes into a high ball glass.
* Pour 1,25 ml shot of gin over the ice (add more if you like it stronger).
* Top up with tonic water.
* Garnish with a wedge of lime (or lemon if you must).

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Obrigado aos meus leitores


Querido Leitor,

É para leitores como tu que sinto a responsabilidade do que escrevo: muito obrigado por seres paciente, tolerante e atento ao meu blogue.

No fundo, apesar de saber que a vida continua lá fora, com as suas luzes e sombras, quando escrevo ponho-me dentro da escrita sem olhar a quem e deixo correr livre o meu pensamento que é a coisa que mais prezo.

Desejando que 2012 seja mais um ano que venha com sonhos e projectos a cumprir.

O meu neto está muito querido e cada vez que lhe pego ao colo fico enternecido e já converso muito com ele. Vou-o preparando para a vida que a cada dia lhe vai chegando. É importante, dizem..., falar com as crianças desde muito cedo e sempre fiz isso com os meus filhos. Sem ser em voz muito alta, naturalmente, mas sem o maçar com o Passos Coelho ou com o Cavaco ou com a crise, mas mais sobre ideias simples.

Vicente

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Cumprimentos de Natal esta tarde em Belém...


Sem mais comentários, senão passo a consoada no xelindró a pão e água! Bom Natal!

presentes de chocolates de Natal


Como eu o percebo nas diferentes expressões da cara e reacções até reconhecer a sua marca preferida!

It's FRY'S puto cretino!

Happy boxing day!


Happy boxing day!

Boxing day, dia a seguir ao do Natal é sempre feriado no Reino Unido para se descansar e não se fazer quase nada...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Um povo imbecilizado e resignado


Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,
sem uma rebelião!

MNA

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

a máquina de fazer felicidade


Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,

Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.

Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

Alberto Caeiro

Don't worry about avoiding temptation



Don't worry about avoiding temptation. As you grow older, it will avoid you.

Winston Churchill

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Para que serve ser-se culto?


Para que serve ser-se culto?

Uma das boas respostas é a de podermos habitar épocas diversas e cidades e vilas aonde nunca pusemos os pés. A viver as tragédias que nos foram poupadas, mas também a felicidade a que não tivemos direito. A percorrer todo o teclado das emoções humanas, a nos perdermos e encontrar-nos em busca da varinha mágica do dom da ubiquidade.

Acima de tudo, a nos consolarmos por não termos mais do que uma vida para viver. Com, talvez, esta sorte acrescida de nos tornarmos menos estúpidos, e sobretudo menos básicos.

No entanto, a questão não é banal, pois numa civilização de valores materiais como é a nossa, qual pode ser o papel da cultura?

No fundo participa de tudo quanto nos é legado no nosso património. Serve para obtermos o prazer, as satisfações, as consolações que jamais se poderão comprar.

Mas a cultura não traz a inteligência. Pode-se ser muito culto e ao mesmo tempo não se deixar de ser um selvagem.

Conheço um camponês que nunca saiu do seu torrão natal e que é a pessoa mais inteligente que existe.

A verdadeira cultura não está na moda, mas encontra-se, antes, afastada dos pequenos grupos dominantes.

A verdadeira cultura, é aquela que está em sintonia com os valores do futuro.

Ser-se muito culto levanta o problema de viver-se com uma permanente turbulência na cabeça. Um sistema de referências de tal forma rico que nos obriga a olhar para o mundo com uma nova frescura de espírito. Cada emoção, todas as sensações e o mais pequeno dos encontros com alguém, tornam-se o pretexto para lembrarmo-nos de uma frase, de uma passagem de um livro, de uma música, de um quadro.

Esquecer, é reconquistarmos de novo a tal frescura de espírito. O que se ganha com erudição, cultura, perde-se um pouco em espontaneidade. Mas não se ser culto é como uma preguiça, uma incorrecção em relação a quem o foi. É como que nos privássemos de uma conversa permanente com o passado.

Às vezes, há pessoas que se privam de ler para não se poluírem, mas quanto mais se lê, menos se copia.

Ser-se culto não é só uma ambição de erudição, mas é o mais seguro meio de nunca nos sentirmos sozinhos.

Senti-me sempre, na minha família, como um pequeno animal privilegiado, rodeado desde a juventude por seres cultos. Ser-se culto serve para transferirmos para a realidade, com grande volúpia, os desejos que sentimos. Olhá-los, amá-los, apertar-lhes o pescoço…às vezes! Longe da rotina, na aventura, no desconhecido, na vertigem da criatividade.

“A cultura não se herda, mas conquista-se” escrevia André Malraux, por isso há alguma esperança ainda…

MNA

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

compras do Tibete



Estava em Xangai e com uma amiga chinesa que me servia de intérprete fui passear pelas ruelas estreitas de Tai Kang Lu que é um bairro de pequenas lojas com artigos fruto do trabalho de artesãos e artistas chineses.

Tem restaurantes pequenos de todo o tipo de comida oriental que são a um custo excelente e de enorme qualidade gastronómica.

Comprei duas pequenas estatuetas de um casal chinês dormindo uma boa "sesta", vários trabalhos em seda muito leve com borboletas de muitas cores denotando um trabalho notável de artefacto caseiro local e adquiri várias gravuras do Xangai antigo com que presenteei amigos e familiares.

Numa pequena loja, saíam sons de uma enorme tranquilidade e harmonia que não podiam deixar qualquer transeunte indiferente.

Maravilhado chamei a minha amiga tradutora e perguntei-lhe o que eram aqueles salmos, que ela corrigiu para mantra. Tratava-se de uma loja dos monges do Tibete que vendiam os seus produtos para arrecadar fundos para a sua luta e sobrevivência.

Estava um monge muito novo envolto nos seus panos a rezar com uma calma impressionante e dirigiu-me um enorme sorriso quando a tradutora lhe expressou o meu encantamento pela música que entrava pelos nossos ouvidos.

Comprei-lhe um CD e vários pivetes e incenso.

Hoje apeteceu-me revisitar a paz que se sente destes mantras imemoriais.

Precisava de inspiração para redigir um importante contrato que fala de dinheiro.

Esta vida só é interessante quando sabemos apreciar de tudo um pouco.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Resposta do meu primo Luis Bernardo - Salazar e outros familiares


Meu Querido Manuel,

Muito obrigado pela tua missiva.

Apanhaste-me em plena época de Natal e cheio de visitas e afazeres.

Tens razão, na noite de 24 para 25 isto enche-se tudo de luz, de cânticos, de alegria contagiante e é muito bom.

Fui tratar dos teus “presentes” e aqui tens o meu relato:

1. Encontrei o teu Pai na sala que dá para o tal jardim que tu tão bem gabas, pois é um primor de cores das flores com os seus perfumes, de trinados de variegados pássaros canoros, do esvoaçar de borboletas exóticas, com um relvado imenso a perder de vista com árvores frondosas e raras.

Tinha uma visita: um político conhecido dos seus tempos, que a tua Mãe me disse ser Salazar.

2. Apresentou-mo e sentei-me sem querer interromper uma conversa que percebi ir a meio e sobre Portugal.

3. A tua Mãe ofereceu-me de beber um sumo delicioso e comecei a ouvir o que discutiam.

4. No meu tempo, havia Monarquia e por isso a minha cultura sobre o dito Salazar era unicamente a de ouvir vários parentes nossos mais novos do que eu e que com ele tinham servido, nomeadamente o teu Tio Luis, Almirante, que foi Secretário da Defesa.

5. Salazar dissertava sobre a Europa e lamentava-se que os líderes europeus não se entendessem pois achava-os de pouca qualidade e estatura como estadistas, sem profundidade de conhecimentos políticos e sobretudo, nas suas palavras, sem o espírito de missão que qualquer Governante deve ter para servir o seu País.

6. A tua Mãe apartou-me da conversa e fomos para a biblioteca aonde nos sentámos confortavelmente. Transmiti-lhe os teus recados e ela muito se alegrou, nomeadamente com o nascimento do teu neto.

7. Disse-me também que acompanha com ternura os teus esforços brasileiros e que o teu Pai e ela estão seguros que serás bem-sucedido. Manda-te um grande beijo e pede-te que consigas saber “desligar” mais vezes do bulício diário e possas assim dedicar-te a tarefas mais do espírito do que da matéria. Achei-a muito bem e confessou-me que neste Natal tem a casa cheia de teus Avós e Bisavós de ambos os lados. O convidado de honra deste ano é o Avô El Cid “O Campeador”, o que os obrigou a refrescarem a memória para não fazerem gaffes.

8. Depois fui estar com a tua Avó materna que ficou também encantada pelo nascimento de mais um trisneto e tal como previas, por uns momentos e em silêncio ficou muito comovida e pediu-me para te dizer que cuides muito bem dele e que o protejas sempre.

Ela e o teu Avô, que entretanto apareceu, estavam muito contentes e orgulhosos e ele até me recomendou que lembres ao teu Filho para o pôr na esgrima um dia mais tarde e assim perpetuar a tradição familiar. Estavam muito entusiasmados com o jantar de Natal e com a presença inopinada do Campeador, pois o teu Avô tinha aí na terra lido tudo, na altura, sobre este herói e já tinha dado umas dicas aos teus Pais.

9. Finalmente, fui a casa do teu Avô paterno. Não sei se sabes que ele mora num sítio chamado “Guddem” igual ao da Índia aonde nasceu. O mesmo palácio, as mesmas terras, os mesmos palmares e ilha e o rio Mandovi a passar pela frente. É um sítio muito aprazível e com a tua Avó estavam ambos sentados numa enorme varanda e terraço que dava sobre o vale.

Disse-me para te transmitir que não deverias estar preocupado pois saberias como vencer os adversários. Ele sempre o soube: com tenacidade, com bravura, com vigor e obstinação e quando for preciso, não hesites em os afastar do caminho com frieza e pouca consideração.

Acrescentou que nada tem a ver com falta de bondade ou paciência ou inclusive menos tolerância: só que quem luta, ou vence ou morre e ele sabe que somos dos que vencem. Que leias umas memórias, um género de diário que ele te deixou e que conta como foi vencendo na sua vida, mas que o faças com desportivismo e como curiosidade intelectual.

Também se referiu ao jantar de Natal em casa dos teus Pais com o seu antepassado directo "o Cid, El Campeador". Estava a pensar levar na casaca (o teu Pai, parece que exigiu um traje formal para o receber e como só o Campeador é de outra geração, todos os teus Bisavós são do tempo da casaca) a Grã-Cruz de Isabel a Católica. Fica vistosa, traçada no colete e é um gesto de consideração pelo país do Avoengo.

Ficaram, ambos, muito vaidosos por mais um Noronha na Família e o teu Avô, sugere-te que lhe dês quando fizer 18 anos, uma réplica do seu anel de armas, que ele perdeu numa caçada ao elefante em África. A tua Avó, repetiu-lhe com ternura, que lhe estava, na altura, sempre a dizer que em África e sobretudo numa caçada se deviam dispensar tais vaidades, mas ele respondeu de novo, que o usava sempre desde que o tinha herdado.

Lembrou-te que há uma fotografia da tua Bisavó Maria do Carmo com este anel, antes de o ter passado e que tu sabes qual é, o que te permitirá mandares fazer uma cópia, na devida altura.

10. Finalmente e agora te digo eu, vou convidar vários dos nossos antepassados do lado da Avó Madalena de Bourbon, que sendo das famílias romanas de melhor estirpe deram alguns Papas à nossa dinastia.

11. Sei que passa aí uma série dos Bórgia: pois vê-a bem, pois na próxima missiva te contarei o que fizeram a alguns do nossos Avós. O maldito do espanhol! Já o vi por aqui e tenho uma conversa aprazada com ele. Sempre foi Papa e deixou um legado cultural impressionante.

Por hoje é tudo, meu querido Manuel. Sossega! Não se atribule o teu pensamento nem o teu coração. Goza a vida e os teus e verás como as aflições perdem a dimensão terrena que têm e sobem para o alto, perdendo-se nas nuvens.

Bonito poema o que me enviaste! Mas esqueceste-te que aqui temos uma outra visão sobre a vida e sobre a morte. A isto voltarei, apesar de já ter tratado anteriormente na nossa correspondência.

Vi na biblioteca da casa dos teus Pais, uma belíssima memória da imagem da Virgem do século XVI, que tens no teu monte. Perguntei-lhes porque a tinham e eles disseram-me que nunca se esqueceram como ela lá foi parar e contaram-me que estando tu num leilão há uns anos, e querendo comprá-la, vários outros interessados começaram a picar o preço. E parece que tu numa conversa sotto voce terás informado a candidata que se queria ir lá para casa, teria que parar naquele preço e nem mais um tostão! Os teus Pais, acharam de muito valimento este teu diálogo tendo surtido grande efeito. Mereceste essa lindíssima imagem!

Um afectuoso abraço do teu primo e amigo

Luis Bernardo

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Carta ao meu primo Luis Bernardo por altura do Natal


Resumo: Imaginem vocês que recebi uma carta de um primo que já morreu há vários anos e que me chegou à caixa do correio. No meu blogue está tudo explicado e as cartas anteriores trocadas foram abundantes. Creio ser o primeiro ser humano a ter verdadeiramente notícias reais, de além-túmulo. Deixei passar algum tempo para cair bem em mim, mas finalmente aparece alguém a explicar como tudo se passa. Aliás, nunca percebi porquê tantos mistérios!

Meu Querido Luís Bernardo,

Aproveito a época natalícia para conversar de novo contigo.

Calculo que sejam uma beleza por aí todas as festividades das comemorações do Natal. Verás todos os anjos e coros celestiais ao vivo, cantando hossanas e que vozes não terão!

Como estão os meus Pais e Avós? Estive na quinta em Estremoz e desatei a procurar uma série de fotografias que lá tenho e senti umas saudades enormes ao olhar para todos eles.

Que sorte devem ter em estar aí contigo.

Conta-me da paz e tranquilidade que por aí se goza, do decorrer do tempo sem pressas nem stress, das vistas esplendorosas, das cores e do verde de que me falas ter o gazon do jardim bem tratado, da casa dos meus Pais.

Hoje tinha uns quantos pedidos a fazer-te por altura do Natal: digamos que são os teus presentes da quadra. Tendo em conta que por cá nos cortaram metade do subsídio, este ano vai ser curto de compras. Há outras prioridades. Mas não faltará ternura, nem espírito de família nem uma refeição melhor em comum para nos sentirmos bem unidos.

Como sabes estou de abalada para o Brasil, e como dizem os espanhóis “ con mucha ilusión “ apesar de nesta fase da minha vida ir começar de novo! Sabes que gosto de desafios e este é mais um.

As diligências estão bem avançadas e conto em breve poder dar este passo. Acho que encontrei o sócio brasileiro ideal de quem gosto, mas para escangalhar o entusiasmo inicial, o “danado” não dá notícias há dias! Espero que não tenha sido engolido por um crocodilo no Amazonas!

Quando estiveres com os meus Pais, fala-lhes disto, pois tenho a certeza de que gostarão de saber que eu não desisto e que sigo em frente.

Aliás, seria útil saberes do meu Bisavô Visconde Brasileiro se ele tem algum conselho a me dar. Foi um grande pândego e desfrutou muito bem do Brasil, e embora os tempos sejam outros, nada melhor do que escutar de um vencedor algumas avisadas opiniões sobre um país para aonde eu vou “de armas e bagagens”.

É claro que pode ser que não corra tão favoravelmente como desejo e tenha que voltar, mas tu sabes bem que na nossa Família não se baixa a guarda, não somos “canga” de ninguém e sobretudo há esta “joie de vivre” como se o mundo começasse amanhã!

Voltando aos presentes:

1.Quero receber forças do meu Pai! Sempre um exemplo de bom trabalho, de aceitação do que veio para a sua vida e foram tantas coisas boas.

Apetecia-me abraçá-lo forte e dar-lhe um grande beijo! Diz-lhe muitas e muitas vezes que gosto muito dele ainda, da sua memória pelo menos, e que em vida também gostei. Vive sempre comigo este débito de alguma falta menos intensa deste amor filial. Fui pouco expansivo e ele que gostava tanto que lhe déssemos a devida atenção. Estava sempre disponível, nós é que nem sempre estávamos!

Coisas de rapazes novos, inebriados pelo aparente sucesso de vida diferente, da excitação do mundo novo, do dinheiro, das viagens, de tantas coisas que hoje reputo bem menos importantes. Este será o meu melhor presente de Natal que quero receber neste ano! Esmera-te!

2.Depois, “I miss my Mother so much”, nem queiras saber! Diz-lhe isso, apesar dela saber! As fotografias ajudam mas não valem a presença e nesta altura era bem importante que pudesse ir ter com ela e conversarmos de mãos dadas, sentindo o conforto do carinho e ternura que sempre me deu. Também é um presente top deste ano!

3.Quando estiveres com o meu Avô paterno diz-lhe que vou começar nova jornada, difícil e arriscada e que tal como ele quando partiu para África aos vinte e tal anos, deixando tudo para trás, tenciono ser bem sucedido como ele o foi. O Avô que te transmita alguns segredos de como conseguiu ultrapassar a distância, o desânimo, as gentes más e perversas que o invejavam e que ele foi sabendo vencer, sobretudo que eu possa saber com o que posso contar daí, dele, como apoio e suporte. Este é um presente de um resistente para outro, mas embrulhado em são orgulho e ternura que era o que eu sentia tanto por ele e que ele me retribuía.

4.Por último, visita a minha Avó materna, ainda tão viva na minha memória, e diz-lhe que tenho um neto, o meu primeiro neto. Que alegria não irá ter! Mesmo! Estou a vê-la toda sorridente e quase sem palavras de emoção e contentamento a fazer-me tantas perguntas.

Diz-lhe que agora a entendo tão bem quanto gostava de ser tão boa Avó! Aproveita para dizer ao meu Avô que já comecei a fazer o que ele fazia e de que gosto tanto de o imitar: ir ao fim da tarde de trabalho fazer uma visita a Sua Excelência o meu neto. Pegar-lhe ao colo, conversar com ele – importante desde sempre ele ouvir vozes meigas – contar-lhe tudo quanto quero com ele mais tarde compartilhar, o orgulho que já tenho nele e santo Deus, o que já gosto dele!

Este é o meu presente para todos os daí!

Vejo o meu filho mais velho e Pai deste neto, tão encantado e pendente dele como eu era com ele e com os outros meus Filhos todos.

A minha nora e Mãe dele é um amor e dá-me a segurança de que vai zelar para que ele possa ser um Homem e um bom filho, neto e irmão e um excelente profissional que perpetue o nosso nome.

Vou-te confessar, só tu é que me fazes dizer tantas coisas emotivas, mas és o mensageiro privilegiado das minhas notícias.

Anda tenso o meu pensamento e coração e por isso hoje deixei-me embalar por coisas mais “doces” e que me fazem parar nesta alucinante cruzada do dia-a-dia, em que nem tudo é luminoso e fácil. Os que aqui hoje encontramos não são mais iguais aos que amámos e que já partiram, pois como eu padecem de grandes aflições.

Mas não deve temer o nosso coração, pois não Luis Bernardo?

Escrevi esta tua carta ao som de Pachelbel, Elgar, Chopin…uma ou outra música de Tchaikovsky e de um fundo do Coro da Abadia de Cluny cantando Fauré. Uma maravilha, celestial et pour cause…

Em homenagem ao meu neto, misturei na minha inspiração o Frank Sinatra, o dueto do Tonny Benett com a Amy Winehouse e algumas outras músicas mais “modérninhas”: sempre sou um Avô jovem e quero assim manter-me fit. Comecei hoje a enésima dieta e vou fazer novas sessões de yoga!

Sinto-me mais confortado por ter conseguido ser sincero naquilo que te digo e sabes, deve-se sempre dizer aquilo que se sente, naturalmente quando são coisas boas, coisas nossas.

Este poema que li hoje, calha como ginjas sobre o conteúdo desta minha missiva. É de Ernesto Guerra da Cal e diz:

Cultiva o teu futuro
Com amor
Porque ele é o lugar
Onde tens que passar
O resto da tua vida.
Cultiva Deus
Com muito amor
Ainda maior
Porque,
Com sorte
Com Ele irás passar
O resto da tua morte.

Teu muito dedicado primo

Manuel

domingo, 4 de dezembro de 2011

Entra no meu mundo


Já reparaste que tens o mundo inteiro
dentro da tua cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da tua cabeça
é o teu mundo
e já reparaste que eu tenho o mundo inteiro
dentro da minha cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da minha cabeça
é o meu mundo
o qual neste momento não te está a entrar pelos olhos
mas através dos nomes
pois o que tu tens dentro da tua cabeça
e o que eu tenho dentro da minha cabeça
são os nomes do mundo em brutal compressão
como um filtro ou coador
de forma que nem és tu que conheces o mundo
nem sou eu que conheço o mundo
mas os nomes que tu conheces é que conhecem o mundo
e os nomes que eu conheço é que conhecem o mundo
o qual entra em ti e o qual entra em mim
através dos nomes que já tem
de forma que o que entra pelos meus olhos não pode
entrar pelos teus olhos
mas só pela tua cabeça através
dos nomes dados pela minha cabeça
àquilo que entrou pelos meus olhos já com nomes
e do mesmo modo o que entra pelos teus olhos não pode
entrar pelos meus olhos
mas só pela minha cabeça através
dos nomes dados pela tua cabeça
àquilo que entrou pelos teus olhos já com nomes
e assim o que tu vês
já está normalmente dentro de ti antes de tu o veres
e assim o que eu vejo
já está normalmente dentro de mim antes de eu o ver
e tudo quanto tu possas ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de ti
e tudo quanto eu possa ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de mim
e é assim que vamos construindo a nós mesmos pela segunda vez
tu a ti e eu a mim...
construindo uma consciência irrepetível e intransmissível
cada vez mais intensa em si
tu em ti eu em mim
no entanto continuando a falar um com o outro
tu comigo e eu contigo
cada um
tentando dizer ao outro
como é o mundo inteiro que tem dentro da cabeça
e porque é e para que é
tu o teu mundo que tens dentro da tua cabeça
eu o meu mundo que tenho dentro da minha cabeça
até que morra um de nós
e depois o outro...

Alberto Pimenta

uma boa homilia


The secret of a good sermon is to have a good beginning and a good ending; and to have the two as close together as possible.

Menu


C'est un homme qui est attaché à un poteau dans une tribu cannibaliste.
Un cannibale s'approche et lui demande:
- C'est quoi ton nom?
Alors l'homme lui répond:
- Pourquoi me demandes-tu ça?
Le cannibale lui répond:
- C'est pour le menu !

Vanity


I am easily satisfied with the very best.

Winston Churchill

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

intuição de sogra...


Un jeune homme annonce à sa mère qu'il est amoureux et qu'il souhaite se marier. Avec un sourire en coin, il lui dit :
- J'ai invité ma chérie et ses deux copines demain à prendre le thé à la maison. Je ne vais rien te dire, et tu essaieras de deviner laquelle des trois j'ai décidé d'épouser !
La mère accepte.
Le lendemain, il revient avec trois jolies filles. Ils passent au salon, discutent un bon moment, et finalement le jeune homme demande à sa mère :
- Alors maman, à ton avis, qui crois-tu que je compte épouser ?
- Celle du milieu.
- Waow, c'est super, tu as deviné !!! Comment as-tu fait ?
- Simple intuition, elle me tape déjà sur les nerfs...

Rendas indiscretas


Ainda tenho as florinhas inquietas,
Que beijaram os teus seios pequeninos,
Através dessas rendas indiscretas,
Sob entremeios brancos e tão finos!

Flores que dos teus lábios coralinos
Ouviram confidencias tão secretas,
E que teus dedos brancos, peregrinos,
Deitaram fora... Pobres Violetas!

Perdidas pela sala e desatadas,
Encontrei-as, as pobres, requeimadas,
Ainda cheias desse teu encanto!
Mas tão inquietas e viçosas
As que olharam os teus seios, vergonhosas...
Reviveram nas águas do meu pranto.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Saramago e Deus


O Sr. Hugo Loureiro, que não conheço, publicou no facebook este comentário que acho muito divertido:

A questão é que ele ao chamar " filho da puta " a Deus parte do pressuposto que Deus tem uma mãe; o que é ser mais crente do que qualquer fiel comum, uma vez que até hoje ainda não ouvi a Igreja falar sobre a progenitora do Todo Poderoso.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Há vida para além do futebol


O salazarismo serviu-se do futebol como emblema das virtudes do regime. Do futebol, do fado e de Fátima. Há um pouco de exagero nesta afirmação, que fez caminho anos a fio. Agora, então, com esta esquizofrenia quase generalizada, que regime serve o futebol? Há umas semanas, Rui Santos (sobrinho de um grande jornalista, Vítor Santos, que foi chefe de redacção de "A Bola") dizia, na SIC Notícias, da dimensão excessiva que o futebol adquirira na vida portuguesa. E advertia que o jogo não era tudo: os problemas nacionais eram mais imperiosos.

É evidente: o futebol converteu-se num negócio fabuloso, com milhões de milhões a trocar o passo a todas as probidades. Onde há dinheiro aos montes há corrupção correspondente, no-lo diz a sabedoria dos povos. Assistimos, além disso, ao súbito nascimento mediático de uma corja de analfabetos, com "mais tempo de antena do que qualquer outra pessoa de outra qualquer actividade" [Rui Santos, SIC Notícias].

Julgo saber que o comentador da SIC alimenta muitos verdetes. Não é importante: a ciumeira e a inveja sempre se associaram contra quem escapa às regras da arte. A verdade é que o abuso de espaço e de tempo que as televisões atribuem ao futebol e adjacências chega a ser doentio. Que dizer das respostas dos jogadores às extraordinárias perguntas dos "jornalistas" de plantão? O festival de cretinice não pertence, em sistema de exclusividade, aos primeiros: o amorfismo cabe, por inteiro, aos segundos. Parece haver um temor reverencial ao mundo dos negócios futebolísticos. Ninguém, ou quase, se atreve a revelar o que subjaz a tudo aquilo. E a famosa "transparência" não passa de um vidro muito opaco. Os vencimentos são manipulados, os privilégios de dirigentes, subdirigentes e pequenos vassalos são zelosamente omitidos.

Cansa-me, a mim e a muitos mais portugueses, a importância quase sagrada que se concede a um penalty que não chegou a ser; a fúria causada por um encontrão; as ameaças de morte a um árbitro por ter apitado mal. Há três diários de futebol, com tiragens que justificam, afinal, a sua existência, e nem um, um sequer, assume posições críticas acerca destas e de outras poucas-vergonhas. Durante a fase mais acesa do Apito Dourado, e ante o espectral silêncio daquela imprensa, perguntei a um camarada meu, importante redactor de um importante jornal "desportivo" o porquê daquele comportamento. Numa metáfora rigorosa respondeu: "O medo guarda a vinha." Outro, disse-me que o assunto pertencia à área da Imprensa "generalista." E eu fiquei-me, entre o assombro e a perplexidade.

Claro que a insistência doentia, quase hora a hora, no futebol, nos comentários, nas previsões, nas análises remove do português comum qualquer reflexão acerca da sua própria situação social. As agendas dos jornais, os alinhamentos e as opções das televisões e das rádios merecem uma vigilância crítica dos próprios profissionais. O que não existe. Manifesta-se uma total subserviência aos imperativos do que dizem ser as exigências do público. É uma velha pecha e uma desculpa fatigante de quem abdicou do dever mais sagrado da comunicação social: informar e esclarecer para formar.

Apesar de tudo, das limitações da época antiga, das censuras e dos constrangimentos, nem sempre as coisas atingiram níveis tão surpreendentemente baixos. "A Bola", por exemplo, que reuniu um admirável conjunto de redactores, abriu um precedente extraordinário. Cândido de Oliveira, homem excepcional, convidou o crítico e ensaísta literário João Gaspar Simões a colaborar no, então, julgo, bissemanário. Na última página de "A Bola", Gaspar Simões escrevia um rodapé intitulado "Cartas a um Jovem Desportista que se Interessa pela Cultura." Muitos dos rapazes desse tempo (eu incluído) aprendemos mais literatura, arte, cinema, teatro, do que o ensino oficial praticado. Mais tarde, Carlos Pinhão, estilista do idioma e carácter incomum, convidou escritores a colaborar no jornal, dando continuidade a uma grande tradição. Lá estava eu. De novo e, posteriormente, chamado por Vítor Serpa, voltei a publicar crónicas no, então, já diário.

Havia a preocupação ética e cívica de não tornar o futebol num sistema de exclusividade informativo. E as próprias secções do grande jornal não falavam, apenas, naquele desporto. Alfredo Farinha (falecido há dias), Aurélio Márcio, Vítor Santos e Pinhão, mas também Carlos Miranda, Santos Neves, Cruz Santos, outros, fizeram de "A Bola" um órgão distintivo na Imprensa portuguesa. A preocupação com a escrita associava-se a um forte empenho moral.

Tudo se alterou substancialmente na urgência de se estabelecer um compromisso com aquilo que se presumia (e presume) ser o que o leitor deseja. É um problema preocupante, mas que segue as linhas gerais da Imprensa. A ausência de relações culturais, o receio de se perder tiragens, a inexistência de uma forte atitude crítica, o cuidado temeroso e extremo com que se escreve sobre temas "escaldantes", ou, simplesmente, não se escreve - transformou os jornais "desportivos" em folhas quase amorfas, nas quais se sobrelevam os aspectos fúteis em detrimento das grandes questões.

Há vida para além do futebol.

Baptista Bastos

terrível profecia


Como as velhas famílias falidas que ostentam o brasão e comem a crédito nos restaurantes da moda, a Europa tenta salvar o pouco que ainda resta do seu modelo social criado noutros tempos e por outra gente.

A II Guerra acabou só há 65 anos. Devastada e faminta, a Europa de então ergueu-se ensaiando uma unidade feita de valores comuns, assente na alternância e cimentada no diálogo entre movimentos sociais fortes e articulados.

Lideranças e governos provinham da excelência da política, da cultura, da sociedade e das academias. Depois a Europa aburguesou-se. E alargou-se contagiando vícios e perdendo virtudes.

O Estado do Bem-Estar pareceu coisa eterna e indestrutível. Tornou-se egoísta e narcisista, esquecendo os escombros onde se reinventou. Assemelhou-se à imagem do capitalista gordo e de charuto difundida pelos marxistas nos tempos da guerra fria.

Leu as cartilhas epicuristas e consumiu o presente com a avidez de um cigarro que se desfaz em cinza e nada. Enjeitou os seus valores fundacionais e prosseguiu políticas de controlo da natalidade como se não houvesse futuro.

Abriu as portas a movimentos populacionais que quis aculturar sem êxito e depois controlar sem piedade. É essa Europa perdulária e esbanjadora, servida por lideranças medíocres, formada por povos descrentes sem mais dinheiro para alimentar a sua preguiça, que corre o risco de implodir.

Não é fácil impor sacrifícios a quem da vida sempre teve a noção do desfrute. Por isso, esta Europa da crise está à mercê do primeiro populista que apareça para lá dos Pirenéus e reclame a sua desagregação. E não serão as pusilânimes lideranças europeias do momento (porventura à excepção de Merkel e de poucos mais) que terão o engenho, a coragem moral e a confiança pública para os enfrentar. Este é o drama. Pior. A terrível profecia.

José Luís Seixas

Provar o futuro


Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.

Virgílio Ferreira

Abeilles...


Un jour Jane rencontre Tarzan dans la jungle. Elle se sent aussitôt très attirée par sa bestialité et alors qu'ils faisaient connaissance et qu'elle lui expliquait toute sorte de choses, elle lui demanda comment il faisait par rapport au sexe.
- Quoi être sexe ? Jane lui explique séance tenante et il lui dit :
- Ah, moi habitude utiliser trou dans arbre.
Horrifiée, elle lui dit :
- Mais Tarzan, tu te trompes. C'est pas un arbre qu'il faut utiliser. Je te montre. Elle enlève alors rapidement ses vêtements, se couche par terre et lui dévoile son intimité.
- Ici Tarzan. Il faut mettre ton sexe ici. Tarzan se met alors à poil, s'avance vers Jane et lui donne un gros coup de pied dans le sexe. Jane se tord de douleur et après un bon moment, encore interloquée, elle lui demande:
- Mais pourquoi tu m'as fait ça ?
- Moi vérifier si pas abeilles...

Dizem que finjo ou minto tudo o que escrevo.



Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

negrinho inocente


Não sei se sabem que eu sou Cônsul-Geral da República da Serra Leôa em Portugal (há muitos anos já) e tenho cerca de 400 africanos deste país que por cá habitam e trabalham.

Sou uma espécie de Padrinho que zelo por eles, protegendo-os e defendendo-os e por isso gostam muito de mim.

Porque digo isto? Porque hoje esteve cá um negrinho com uma cara redonda e uns olhos expressivos e bem novinho e depois de tratarmos de assuntos consulares perguntei-lhe se ele era muçulmano ao que disse que sim.

De propósito ofereci-lhe com um ar maroto se não queria um whiskey e ele desatou numa enorme gargalhada a dizer que não bebia álcool, nem fumava.

Conversa (aliás agradável) puxa conversa e derrapámos para a morte e céu e o inferno e pecados...acho que saiu do Consulado com a fé dele menos fortalecida...sou tão mau!

Combinámos que da próxima ele me trazia argumentos mais convincentes sobre o céu...

Ele abalou com um sorriso de orelha a orelha e a ouvir eu perguntar-lhe se porventura ele conhecesse alguém do céu ou do inferno que me apresentasse.

Eu estive tentado a falar-lhe da minha correspondência com o meu primo Luis Bernardo..

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Que haja silêncio para se ouvir o murmúrio dos deuses


O poeta americano Ralph Waldo Emerson escreveu:

" Que haja silêncio para podermos ouvir o murmúrio dos deuses", dizendo com estas palavras o que os homens antigos sugerem há milénios : o encanto do mundo só pode sobrevir no silêncio.

É certamente disso que o homem moderno tem horror: que no silêncio se oiça enfim o barulho do desencanto, se revele o vazio de um mundo reduzido à diminuta dimensão de todos os dias, se sinta a solidão com que cada um tem de lidar com a sua angústia.

sábado, 19 de novembro de 2011

Les plaisirs de lire


Relire son livre préféré
Découvrir avec émerveillement qu'un livre peut se lire à l'envers
Regarder quelqu'un lire le livre qu'on aime
Lire la dernière page d'un livre pour connaître la fin de l'histoire
Commencer un livre quand le train part, et le finir juste avant l'arrivée
Lire des citations savoureuses, et les recopier dans un carnet pour les conserver comme des trésors
Attendre un peu avant de tourner la dernière page
Aimer un livre que quelqu'un qu'on aime à aimé
Regarder une pile de livres
Mettre de côté des livres en pile pour les lire demain, la semaine prochaine, le mois prochain, bref plus tard
Faire la lecture à quelqu'un
Attendre un livre qu'on a très envie de lire
Arrêter de lire et regarder le ciel
Lire toute la nuit
Lire pour la énième fois un livre de toute notre vie mais là, ce n'est pas celui de la bibliothèque, comme d'habitude, mais le sien, que l'on vient d'acheter


« La littérature, c'est la vie concentrée servie aux lecteurs dans leur fauteuil, c'est le fruit de millions d'expériences dont ils n'auraient pas le temps de vivre la plus infime partie! Elle nous fait participer à une sorte d'éternité, elle nous rend comme Dieu : omniprésents, dans tous les lieux, dans tous les temps! La fréquenter ne rend pas nécessairement plus sage, mais elle nous aide à être moins sot. »

Yves Beauchemin