segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

No ano passado


 (Faz sonhos maravilhosos e amanhã de manhã, leva-os contigo)

No ano passado...

Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraodinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associeted Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:

"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".

Ótimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.
Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.

Mário Quintana

sábado, 28 de dezembro de 2013

O tempo de um ano que passou


Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente

Carlos Drummond de Andrade

This is who I am


This is who I am.

Nobody said you had to like it.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

As vantagens e o veneno de perdoar


Todos temos razões para estar lixados com alguém.

Quer tenha sido alguma crítica, discussão, mentira ou traição, o mais provável é que todos tenhamos um portfolio de pessoas que nos magoaram e nos causaram dor. Ficamos ressentidos e sinceramente não nos apetece particularmente perdoar quem nos fez sofrer. Mas o que será que torna tão difícil perdoar quem nos magoou?

Muitas vezes achamos que ao perdoar estamos a deixar passar em branco uma injustiça. Estamos a deixar a outra pessoa sair incólume, mesmo quando nos causou tanto sofrimento. Contudo… que justiça é manter-nos agarrados à dor? Que espécie de castigo queremos infligir ao outro com a nossa intransigência?


Outras vezes, achamos que é preciso acontecer alguma coisa extraordinária para perdoar outra pessoa. É preciso alguma inspiração ou intuição caridosa para avançar. Mas mais vale puxar uma cadeirinha para nos sentarmos, porque tais impulsos altruístas demoram a chegar.

Temos ainda um gosto especial em desempenhar o papel de vítima. Tendo sido magoados, por vezes retiramos alguma espécie de gozo da autocomiseração e do sentimento de impotência. Preferimos o conforto de ter razão ao desconforto da reconciliação.

Mas olhando objectivamente…a irritação, a dor e o ressentimento não alcançam nada. Só nos impedem de viver melhor. Ficar agarrado ao ressentimento é como comer um prato de veneno e esperar que faça mal à outra pessoa. Quem sofre não são as pessoas que nos magoaram, somos nós.

A forma de nos libertarmos desse ressentimento é simplesmente – e difícilmente – perdoarmos quem nos magoou. Largar a dor, largar a culpa, largar o ressentimento, e perdoar. Para começar um ressentimento são precisas duas partes, para terminá-lo basta apenas uma.

Ao perdoar outra pessoa, libertamo-nos. Ficamos livres do passado – do que nos magoou e fez sofrer – e ficamos abertos ao presente, a tudo o que pode acontecer de surpreendente e fascinante. É uma espécie de dieta imediata: perdemos quilos e quilos de sofrimento que trazíamos a mais.

Perdoar também liberta a outra pessoa. Não só a outra pessoa pode sentir-se melhor ao estar connosco, como ela ganha capacidade de perdoar outros. Quem faz a experiência de ser perdoado tem mais facilidade em perdoar outras pessoas.

Contudo perdoar não implica esquecer a dor que os outros nos provocaram, nem que seja porque o que esquecemos ou não, depende pouco da nossa vontade. O que depende de nós é deixar de lado as culpas e ressentimentos, e perdoar.

Há quem ache que o perdão é uma coisa utópica ou infantil, mas não podia estar mais longe disto. O perdão não é para meninos nem para quem vive em mundos de fantasia. É para pessoas com maturidade e com coração magnânimo. É para quem quer uma vida melhor.

É altura de largar o peso desnecessário que andamos a carregar. É altura de perdoar.

Um Feliz Natal para todos!

In INESPERADO

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Quem passou pela vida em branca nuvem

Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.

Francisco Otaviano de Almeida Rosa

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Tu não és especial


Apesar dos miminhos que recebeste dos teus pais, apesar de teres amigos que se riem das tuas piadas e apesar de já teres passado por muita coisa… não caias em ilusões: tu não és especial.

Não és especial porque andaste naquela universidade ou tens aquele trabalho. Não és especial porque tens boa aparência ou porque há alguém que gosta de ti.

És apenas mais um em 7 biliões, por isso escusas de andar por aí como se o mundo te devesse alguma coisa. Essa cara de vinagre fica-te mal, e esse ar só estraga o ânimo à malta. A sociedade não te deve um trabalho, a família não te deve uma casa e os teus amigos não te devem atenção. Nada disso: o mundo não te deve nada, és tu que deves muito ao mundo.

Deves ao mundo o teu tempo, energia e inteligência. A tua melhor intenção e o teu melhor empenho.
Trabalhar porque acreditas que o teu trabalho é importante, não porque tens um estatuto a manter. Estudar pelo entusiasmo de aprender e não apenas para passar nos exames. Namorar porque adoras a pessoa que está contigo, não porque não aguentas estar sozinho. Viajar porque queres viajar, não para teres fotografias para mostrar. Cuidar bem dos outros porque queres o bem deles, não para provares que és bonzinho.

Podes tentar fugir disto, claro. Podes ficar escondido atrás das cortinas e lamentar-te de todas as dificuldades que tens pela frente. Podes ficar à espera que alguma coisa te venha salvar…mas no fim tens apenas que decidir uma coisa: o que vais fazer com cada hora do teu dia?

O que raio vais fazer da tua vida?

O mundo precisa de ti. E tu precisas de viver o melhor que tens.

A tua vida é demasiado importante para depender de te sentires especial.

O caminho vai ser longo e difícil. Vais ser criticado e vais falhar… mas se apesar de cada falhanço, cada crítica e cada sofrimento continuares a dar o teu melhor… então é porque te tornaste em alguém especial.

In INESPERADO

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Resposta do meu primo Luis Bernardo - Rainha Dona Carlota Joaquina



Meu Caro Manuel,

Como me pediste na tua anterior carta, o primeiro dos encontros que tive foi com a Rainha Dona Carlota Joaquina que comigo esteve a conversar e cujos pormenores te repasso.

Algumas das observações são fruto da consulta de documentos aqui na Biblioteca do Mundo que contém um manancial digno de informação completo sobre a vida de cada pessoa.

Assim, D. Carlota Joaquina era a filha primogénita do Rei Dom Carlos IV de Espanha e de D. Maria Luísa de Parma, Rainha de Espanha e sua Mulher. No dia em que partiria para Portugal, D. Carlota Joaquina pediu à Mãe para que lhe fizessem uma pintura sua com um vestido encarnado para ser pendurado na parede, em substituição do quadro da infanta D. Margarida, sua irmã (à qual D. Carlota dizia superar em beleza). (Ver fontes: Wilkipédia)

Teve o seu casamento arranjado, em 8 de Maio de 1785 (com apenas dez anos de idade), com o Infante Português, D. João Maria de Bragança (futuro Dom João VI), naquele momento, Senhor do Infantado e Duque de Beja, sendo o segundo filho de D. Maria I, Rainha de Portugal (que mais tarde enlouqueceria).

Para realizar o projeto chamado de “Florida blanca” pelo qual se conseguiria uma aliança duradoura entre a Espanha e Portugal foi assinado um tratado no qual se estabelecia dois casamentos entre Infantes Espanhóis e Portugueses: a Espanha daria ao Príncipe Dom João a princesa D.Carlota Joaquina; e Portugal daria ao Príncipe Dom Gabriel, filho do Rei Carlos III, Dona Mariana Vitória irmã de Dom João; na época destes acordos Dona Carlota tinha apenas 8 anos de idade e Dona Mariana tinha 15; estes casamentos levaram dois anos para se consumarem e só ocorreram após a assinatura do "tratado" entre a Rainha D.Mariana Vitória de Portugal e o Rei Carlos III de Espanha. 

Em 17 de Março de 1785, o Conde de Louriçal que era o Ministro Português na corte de Madrid pediu a mão de Dona Carlota em casamento em nome do Infante Dom João; e o Conde de Fernán Nuñes, Embaixador Espanhol em Lisboa, pediu a mão da Infanta Portuguesa, Dona Mariana Vitória em nome do Príncipe Dom Gabriel. 

D.Carlota teve que submeter-se aos chamados "exames públicos" para o acordo matrimonial, quando respondeu durante 4 dias, cerca de uma hora por dia, a perguntas sobre religião, geografia, história, gramática, língua portuguesa, espanhol e francês e as apresentações dos dois casais aconteceram no dia 8 de Maio de 1785 em Vila Viçosa, na fronteira com a Espanha. 

No dia seguinte, o casamento foi aceite pela Igreja através da benção dada por um Cardeal. Os festejos duraram quatro dias: durante o dia realizavam-se torneios e touradas, e à noite havia saraus musicais que na época se chamavam "serenins", bailes e representações líricas. 

Durante estes festejos, numa das noites de núpcias, a Princesa D.Carlota agrediu o marido, mordendo-lhe fortemente a orelha e atirou um castiçal à sua cara. Depois deste episódio, foi feito uma acta adicional ao contrato de casamento, permitindo que Dona Carlota pudesse ter a sua primeira relação sexual com o marido aos 14 anos, podendo antecipar caso assim ela quisesse ou seja: se ela desejasse fazer sexo antes dos 14 anos, poderia. 

O Padre José Agostinho de Macedo, imprimiu uns folhetos contando este caso da noite de núpcias de forma brincalhona e sarcástica com o titulo "O gato que cheirou e não comeu" (…); a Princesa, indignada com o escrito mandou dar uma tareia de chicote nas nádegas do padre, despi-lo na praça pública e aplicar uma "seringada" de pimenta do Reino no seu clérigo traseiro e depois soltá-lo nu no Bairro das Marafonas.

O Padre José Agostinho foi socorrido por uma actriz cómica do Teatro da Rua dos Condes, Maria da Luz que depois veio a ser amante do vigário humilhado. 

O matrimónio, é claro, foi um fracasso. A vida sexual do casal só começou realmente cinco anos depois, quando D.Carlota teve a menstruação pela primeira vez.

Em 1788, com a morte do herdeiro da Coroa portuguesa, o primogénito D. José, Príncipe da Beira, D. João tornou-se o Príncipe herdeiro. Por loucura da sua Mãe, tornou-se Regente de Portugal de facto em 1792, e de jure em 1798, e, por conseguinte, D.Carlota tornou-se Princesa-Regente consorte de Portugal.

Esta mudança de acontecimentos conveio perfeitamente ao carácter ambicioso e até violento de D.Carlota. Desde cedo procurou intrometer-se nos assuntos de Estado, procurando influenciar as decisões do marido, muitas das vezes não se lhes submetendo; começou a desprezá-lo, recorrendo até à chantagem, à intriga e à pressão conjugal sempre que não conseguia os seus intentos.

“A mulher era quase horrenda, ossuda, com uma espádua acentuadamente mais alta do que a outra, uns olhos miúdos, a pele grossa que as marcas de bexiga ainda faziam mais áspera, o nariz avermelhado. E pequena quase anã, claudicante (…) uma alma ardente, ambiciosa, inquieta, sulcada de paixões, sem escrúpulos, com os impulsos do sexo alvoroçados.” Como refere, Octávio Tarquínio de Sousa, na sua História dos Fundadores do Império do Brasil.

Por ser afastada das decisões muitas vezes, D.Carlota Joaquina organizou à sua volta um partido com o objectivo de tirar as rédeas do poder ao Príncipe Regente, prendendo-o e declarando-o incapaz de cuidar dos assuntos do Estado, tal como a sua Mãe.

Contudo, em 1805 esse partido foi descoberto: o Conde de Vila Verde propôs a abertura de um inquérito e a prisão dos implicados, e a Princesa só não pagou mais caro porque D. João, desejando evitar um escândalo público, opôs-se à sua prisão, preferindo confinar os movimentos da Mulher ao Palácio de Queluz, enquanto ele ia morar para o Palácio de Mafra, separando-se dela. Os seus inimigos afirmavam que somente cinco dos seus nove filhos (incluindo D. Miguel I) eram filhos de Dom João VI, já que Carlota Joaquina era uma notória ninfomaníaca.

Descrevendo a sua fealdade, os seus cabelos sujos e revoltos, os seus beiços muito finos e arroxeados adornados por um buço espesso, os seus dentes desiguais, a mulher do Embaixador Francês, a Duquesa de Abrantes, Laura Junot, afirma: "Não podia convencer-me de que ela era uma mulher e, entretanto, sabia de factos, que provavam fartamente o contrário".

Diz outro historiador que "passava por ser de ânimo perspicaz e de dotes elevados de espírito, porém, as suas qualidades morais não mereceram igual apreço. Ambiciosa, violenta, pretendeu logo dominar a vontade de seu marido, e dirigi-lo nos negócios internos e nos do Estado". 

Não se submetendo o Regente, começou a olhá-lo com desprezo e desdém, convertendo o lar doméstico em contínua luta, cujos menores incidentes eram discutidos e comentados na praça pública. A desgraçada situação a que chegou Portugal, em 1807, fez com que o casal se reunisse por algum tempo, e a esquadra, que em Novembro conduziu o Príncipe Regente e D. Maria I ao Brasil, levava também a bordo a astuciosa Princesa. 

No Rio continuaram a viver separados, cada um no seu palácio, reunindo-se apenas quando eram obrigados a comparecer nalguma solenidade pública. Numa carta, Dom João escreve à sua irmã contando que D. Carlota Joaquina teria rapado os cabelos devido a uma infestação de piolhos.

D. Carlota Joaquina não se resignava à inação política a que se via condenada, decidida, como estava, a dominar como Soberana; e começando a lavrar no Rio da Prata os primeiros sintomas de independência, concebeu o projecto de erigir para si própria um trono nas províncias espanholas da América, ou pelo menos, de governar como Regente em nome do seu irmão Fernando VII. 

Auxiliada pelo vice-almirante inglês Sydney Smith, e não encontrando oposição do marido, foram enviados agentes ao Rio da Prata, onde se formou um grande partido. As intrigas principiaram então a desenvolver-se mais cruéis e perturbadoras. O ministro inglês, Lord Stanford, insinuou a D. João que o Vice-Almirante lhe desonrava o leito conjugal.

D. João pediu a Londres a transferência do vice-almirante. Satisfeito o pedido, Sydney Smith retirou-se, vindo a substitui-lo o almirante de Courcy. No entretanto, as divergências eram enormes. No próprio governo havia correntes muito opostas. D. João, cada vez mais abatido e com medo da mulher, pedia que não a contrariassem sempre que suas exigências não fossem impossíveis de satisfazer. 

Anulados afinal os planos da Rainha, nem assim ela esmoreceu. Procurou ser agradável aos castelhanos, e conseguir, na falta de seu pai Carlos IV e de seu irmão, prisioneiros em França, ser nomeada regente de Espanha, e vir talvez a ser a herdeira de Carlos IV, abolindo-se a lei sálica. Para realizar o projeto, teve de sustentar acesa luta com o Embaixador inglês, tendo tido a astúcia de conseguir que o governo da regência lhe permitisse enviar secretamente ao General Elio, que estava em Montevidéu, víveres e dinheiro, para o que não hesitou em vender as jóias. No final, o sonho dissipou-se.

Dona Leopoldina, uma das suas noras, que casou com Dom Pedro I, Imperador do Brasil, quando a viu pela primeira vez, achou-a tão feia que "baixou os olhos como não querendo voltar a vê-la; as marcas da varíola, o corte de cabelo, cordões e mais cordões de pérolas e pedras preciosas enroladas nos seus cabelos, pendendo de cachos gordurosos, como cobras".

Foi durante a estadia no Rio de Janeiro, entre os anos de 1808 e 1821, em que D. João VI pôde realmente governar, pessoalmente, o Império Português, que D.Carlota Joaquina demonstrou muitas das facetas da sua personalidade.

É um facto sabido que tinha um fetichismo confessado em relação a sapatos: Assim como alguns contam carneirinhos para dormir, há quem diga que D.Carlota contava sapatos. 

D.Carlota tinha, sem exagero, dezenas de pares de sapatos! A sua Mãe, como presente de casamento, dera-lhe um par de sapatos para cada dia do ano. O noivo Real não deixou por menos, presenteou-a com uma quantidade inesquecível de sapatos, onde se destacavam os encarnados e os de salto alto. Homem sábio o Rei, porque, os estudiosos do assunto juram que a côr encarnada é a côr da sedução. 

Mas, certamente não levou isto tão a sério, já que os mesmos estudiosos ainda nos lembram que o encarnado é também a côr do poder e da dominação. D.Carlota com o seu instinto aguçado aprendeu desde menina que os sapatos de salto alto e ainda por cima encarnados, eram muito poderosos. Como a côr possui uma intensa força de comunicação, a vaidosa D.Carlota usava-os - altos - impedindo que alguém esquecesse quem ela era. Como se fosse possível. 

Viajantes, surpreendiam-se com a quantidade de sapatarias existentes no Rio de Janeiro, cheias de trabalhadores aonde, em cada seis habitantes, cinco andavam descalços. Mais ainda se espantavam, ao observarem que as senhoras brasileiras, usavam sapatos de seda para andar nas calçadas de pedras desniveladas e mal cuidadas, esgarçando em pouco tempo o tecido dos sapatos. 

D. Carlota viveu alguns anos afastada da política, sempre separada do seu marido, que então já havia sido aclamado Rei, por ter morrido D. Maria I em 1816, até que a revolução do Porto em 1820, que trouxe para a Europa a Família Real, pôs novamente em evidência a Rainha, reunindo por algum tempo o casal.

Aliada aos frades, aos nobres, aos que se mostravam pouco simpáticos para com o novo regime, D. Carlota urdiu uma conspiração chamada “da rua Formosa”, destinada a obrigar o Rei a abdicar e a extinguir a Constituição. Tendo este plano falhado, as Cortes de 15 de Maio de 1822 decidiram deportar a Rainha para o palácio do Ramalhão, por ela se recusar a jurar a Constituição, alvitre que ela aceitou com júbilo, pois lhe permitia continuar a sua obra perturbadora. 

Opondo-se abertamente à Revolução liberal do Porto, de 24 de Agosto de 1820, foi a figura mais notável do País a recusar-se a jurar a Constituição de 1822, juntamente com o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Carlos da Cunha e Menezes.

Neste retiro do Ramalhão tramou ainda a queda da Constituição e servindo-se de D. Miguel, que ela educara, e com quem vivia com grande cumplicidade, conseguiu realizar o movimento conhecido por Vila-Francada em 26 de Maio. Extinta a Constituição e dissolvidas as Cortes, foi levantado o desterro da Rainha, e D. João VI foi buscá-la ao Ramalhão, conduzindo-a ao Paço da Bemposta.

Pouco tempo, porém, durou a harmonia entre o casal, porque a Rainha mudou a sua residência para Queluz, e tornou-se a cabeça visível do partido absolutista que promoveu a Abrilada em 30 de Abril de 1824. 

Tendo a Rainha tomado parte manifesta no movimento, quando D. João VI, apoiado pelos Embaixadores Francês e Inglês, se decidiu a exilar D. Miguel, ordenou que a sua Mulher se recolhesse ao paço de Queluz, e nunca mais aparecesse na Corte.

Sentindo a morte próxima (talvez porque fosse lentamente envenenado), D. João VI nomeou um Conselho de Regência para lhe suceder depois da sua morte, o qual deveria escolher o herdeiro do trono português e ao qual presidia a sua filha D.Isabel Maria de Bragança — retirando desta forma à sua Mulher uma prerrogativa que desde sempre na história portuguesa tinha cabido à Rainha-viúva: o exercício da Regência do Reino durante a menoridade ou ausência de herdeiro, no país. 

O documento que constituiu o Conselho de Regência tem sua autenticidade posta em causa, pois o Rei — segundo afirmam os médicos e estudiosos que analisaram as suas vísceras, enterradas num jarro de porcelana chinesa debaixo de uma lage, na capela dos Meninos da Palhavã, no Mosteiro de São Vicente de Fora, e a grafologia da sua assinatura — já se encontrava, alegam, morto nessa data.

A 10 de março de 1826 morreu D. João VI, tendo o Conselho de Regência sido presidido pela sua filha, a Infanta D. Isabel Maria, e composto pelos seguintes Membros: o Cardeal Patriarca, o Duque de Cadaval, o Marquês de Valada, o Conde dos Arcos e os seus Ministros de Estado.

D. Carlota Joaquina, instituiu uma Ordem exclusivamente destinada às Damas, com a autorização do Príncipe Regente, seu marido, por decreto de 4 de novembro de 1801, com a designação de Ordem das Damas Nobres de Santa Isabel, cujos estatutos foram confirmados pelo Alvará de 25 de abril de 1804.

Durante o governo de D. Miguel, que ascendeu ao trono em 1828, não viria a ter papel relevante na governação daquele que fora, para muitos, o seu filho predilecto, pois morreu (ou suicidou-se) em 1830, em Queluz. 

De resto, o próprio Príncipe não a mandou chamar do desterro logo que subiu ao trono, pelo que morreu sózinha, esquecida, triste e amargurada. Segundo alguns historiadores, este facto é um dos vários indicadores de que teria existido um afastamento gradual entre a Mãe e filho nos últimos anos da sua vida.

E aqui tens, meu Caro Manuel, uma vida triste de uma Rainha que poderia ter tido tudo e gozado da excelência de dois grandes países, à época: Portugal e o Brasil.

Um afectuoso abraço muito amigo do teu primo

Luis Bernardo

sábado, 14 de dezembro de 2013

Era uma vez uma formiguinha chamada Faniquita



Era uma vez uma formiguinha chamada Faniquita.

Era bonita, inteligente e laboriosa. Tinha predicados invulgares e no formigueiro estava encarregue de escrever poesia, contos e era como se fosse uma ministra da cultura. Deliciava-se com estas funções e era muito respeitada e amada.

Bondosa, a nossa Faniquita, também socorria as irmãs de formigueiro que estavam doentes, pois era enfermeira. Casara-se com o formigo Mingau, tiveram filhos e formavam uma família feliz.

O formigueiro, mal dirigido, começara a derrapar e a qualidade de vida a piorar. Todos se queixavam e empobreciam a olhos vistos e sobretudo os mais velhos passavam muito mal.

A nossa Faniquita cada vez trabalhava mais e o tempo para ela ia escasseando e sobretudo o espírito não estava lá com tantas preocupações a ter que gerir e por isso a parte cultural do formigueiro, notava essa lacuna e lamentava-se. Mas, como ela dizia, havia outras prioridades.

Um dia, caiu doente de exaustão, nada de grave, mas obrigou-a a ficar confinada ao seu quarto e a ter algum isolamento para descansar. Aproveitou para reflectir, para olhar para cada área importante da sua vida com tranquilidade e pragmatismo e foi tirando algumas conclusões:

- existe a dor e o sofrimento;

- existe a alegria e a bonança;

- existe o inevitável, mesmo que gostemos ou não mas também as forças para o irmos ultrapassando;

- existe um caminhar paulatino para a velhice, para os incómodos de saúde, de menos lucidez e paciência, de algum abandono para uns ou de solidão interior;

- existe este tic-tac enervante dos segundos, dos minutos e das horas…imparáveis, cinzentas, repetitivas..ainda não se encontrou o elixir da longa vida, mas há grandes progressos para se morrer, um dia, em paz;

- existe o ódio, a intolerância, a perseguição, a prática voluntária do mal que se causa a terceiros;

- existe a bondade, generosidade, entrega e altruísmo e o esquecimento de si mesmo para nos dedicarmos aos outros na prática do bem;

- existe o amor, quer na sua expressão física, mas também na sublime sensação de sentirmos um “calor interior” que nos conforta e alegra e nos faz felizes.

Em tudo isto a Faniquita pensou e decidiu duas coisas:

 -  Deixar-se levar ao sabor do que vier e aconteça, sem esta actividade trepidante e cega, que esfalfa e cujos resultados são tantas vezes discutíveis e até ineficazes, ainda que bem intencionados. Claro, com a atenção suficiente para evitar o imponderável que fere e magoa e pode causar prejuízos irreparáveis;

       - Passar a ter mais frequência no desempenho do seu múnus de formiguinha com o pelouro da cultura e premiar o formigueiro com a sua escrita e ideias que através dela, enriqueçam a comunidade.

Assim sendo, Faniquita apressou-se a tudo isto comunicar a Mingau que enlaçando-a lhe deu um beijo, pois para ele e para os filhos estas eram decisões promissoras de felicidade.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

As pessoas morrem inéditas e ninguém protesta

As pessoas morrem inéditas e ninguém protesta. Tens segredos espantosos, ideias reformadoras, olhares únicos, energias intactas. Sentimentos formidáveis. Ninguém coincide nos teu genes, na tua filiação, na tua impressão digital. Mas morres e vai tudo para o galheiro. Ninguém te estuda, ninguém te escreve, ninguém te aponta num caderno. Não há ninguém igual a ti e, quando morres, morre a tua estirpe. Não é morte, é extinção. E anda tudo preocupado com os linces e com os dinossauros!
Rita Ferro

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Vender Poesia para sobreviver

Fui ao Chiado e ao descer a Rua Garrett, aproximou-se de mim uma moçoila gentil, com um ar doce e quando eu já ia, com o meu melhor sorriso, dizer-lhe que não queria, fosse o que fosse e sem saber, perguntou-me:
- Gosta de poesia?
Fiquei perplexo com a pergunta e respondi:
- Sim, gosto muito. Porquê?
Retirou de uma pequena pasta de plástico que segurava numa mão, uma folha dactilografada, e propôs-me:
- Se quiser ler...eu faço poesia para sobreviver.
Li com atenção, gostei muito e disse-lho. Perguntei-lhe quanto era e ela respondeu-me: o que eu quisesse. Tinha mais para me mostrar, mas assim que procurei a minha carteira, retorquiu-me:
- Obrigado, vou assinar e datar.
Assim fez, e eu trouxe os versos que abaixo transcrevo. Conversei um bocadinho com ela sobre publicar, dar a conhecer, etc..
Fui a pensar até ao carro que apesar de já ter visto de tudo e de todos os tipos de pedidos para sobreviver, nunca me encontrei com alguém a vender poesia e achei uma maravilha...
Mas o povo de Camões e de Pessoa, entre outros notáveis, deixa morrer os poetas à fome...

As mãos vazias
De conter afectos
Que se negam.
Em perfume de
Orquídeas
Mortíferas.
O corpo
Pede à transparente pele
Mais um sonho,
Um pássaro, um dizer
Sobressaltado.
Talvez o mar
Entenda porque vogo,
E as gaivotas aceitem
As minhas inquietações,
Num voo que é despir
As asas.
Na queda ao sopro do sentir.

(Leonora Rosado)

domingo, 1 de dezembro de 2013

Viver sempre também cansa!

Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...

José Gomes Ferreira

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

macacos do nariz


Pessoas que limpam o salão a conduzir: os vossos vidros NÃO são fumados.
As pessoas VÊEM-VOS a tirar cacotas do nariz, caramba!

In Bumba da Fofinha

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Carta ao meu primo Luis Bernardo

Meu Querido Luís Bernardo,

Já lá vão umas semanas sem te escrever e hoje à noite, sem sono, ouvindo no iTunes a Maria Callas, em dois álbuns excepcionais, resolvi pôr-te algumas perguntas e fazer-te uma visita por carta.

O primeiro tema é o da morte, sempre recorrente. Todos os dias vão morrendo nossos amigos de mais ou menos idade, impiedosamente, com sofrimentos distintos, a maioria de forma dolorosa prolongada ou em desastres violentos. Muito poucos de repente e sem aparente dor.

Para não falar de catástrofes aonde sucumbem milhares de pessoas.

Até há muito pouco tempo era um assunto em que não pensava.

Mas o meu ponto é o de se ter medo ou não de morrer e mais ainda, ser-se indiferente. É um pouco o meu estado presente. 

Para uns há o cumprimento da promessa da sua fé em que anteveem o paraíso, seja lá o que for, e que se consubstancia no privilégio da presença junto de Deus para a eternidade.

Para outros, é o fim das preocupações, a paz encontrada: não terem mais problemas de taxas sobre pensões de reforma, o não terem que aturar a mulher ou o marido ou filhos problemáticos, ou não terem a desilusão de viverem num país em que já não se revêm, bem como tantos outros motivos. Não há uma vertente espiritual: é afinal o descanso “eterno” encontrado.

O meu é, de momento, um bocejo, o spleen do Eça! I couldn’t care less!

Não me apetece ter que pensar na morte. Tanta coisa ainda por organizar…deixar indicações práticas para se encontrar títulos de jazigos, enterros pré-pagos, milhares de cartas por catalogar, centenas de fotografias para pôr em álbuns, identificar quem são as gentes, livros – 2.500 no Alentejo, na livraria do monte – para pôr por assuntos. 

Mas no fundo, de viagem nesse dia, para que serve preocupar-me? Alguém o fará por mim ou não, hipótese mais provável.

O segundo tema é o da surpresa. Explico.

Há boas e más. Há agradáveis e doces e outras amargas e dolorosas. 

Há ingratidões, agressividades, traições, sacanices, patifarias e gestos inesperados de amizade, aproximação, reconhecimento.

Aonde me situo? Sem dúvida nenhuma, quanto às primeiras, abomino e sinto-me como filho de boa-gente que sou e quanto às segundas, por raras que são, sabem-me a maná caído do Céu!

Já vês que os temas escolhidos são muito prosaicos e até banais, mas nem sempre tratados com esta simplicidade linear.

Diz-me tu alguma coisa de mais excitante que se passe por aí. 

Vê se encontras três personagens a quem te pedia que ao estares com eles, me apures algumas dúvidas e me actualizes sobre quem realmente foram. São eles: 

- Rainha Senhora Dona Carlota Joaquina, Avoenga dos meus filhos. A reputação é do pior e sem entrares em detalhes, ouve-a com comiseração e diz-me a Sua versão. A dos outros, já se vai conhecendo pelos livros e escritos.

- Madre Teresa de Calcutá. Fiquei indignado pela coscuvilhice do seu confessor ao autorizar a publicação da sua vasta e confidencial correspondência com ele próprio. Sobretudo, apura o que ela sentiu quando diz que ao serviço dos mais necessitados, sem embargo de procurar a Fé, não a conseguiu encontrar até à morte. Deve ser um testemunho essencial para quem, como ela, a busca e não tem a virtude de praticar o BEM mesmo sem Fé, como ela o fez. 

- Finalmente, um personagem intrigante para mim, o Imperador Napoleão Bonaparte. Muito se escreveu, mas o seu testemunho será bem diferente. Foca-te na época em que tudo perdeu e acabou por morrer só e no exílio. Os Grandes têm muito mais interesse quando estão na mó de baixo, pois é aonde se vê de que têmpera são feitos. 

E por hoje é tudo.

Um afectuoso abraço muito amigo do teu primo

Manuel