segunda-feira, 31 de outubro de 2016

AS MINHAS CONVERSAS do DIA DOS MEUS ANOS


AS MINHAS CONVERSAS do DIA DOS MEUS ANOS

Tem graça, passou mais um ano. E comecei de manhã grandes conversas interiores com Deus, agradecendo ponto por ponto, tudo quanto era mais importante e de que me ia lembrando.

Peço sempre pelos meus e por muita gente! Sou um pedincha! Mas não peço por coisas fáceis. Essas estão nas nossas mãos tentar resolver.

E a minha conversa continuou na missa de Domingo, ao meio dia e na acção de graças da comunhão.

Tive um bom dia de anos com gestos de ternura, amizade, amor. Nada nunca é perfeito nem completo.

Agora ao deitar-me novamente voltei a agradecer.

O telefone divino anda um pouco avariado para a minha linha fixa. Acho que é por eu andar a não pagar as contas últimamente....distracções imperdoáveis, sobretudo quando do outro lado sei que o credor é compreensivo e está sempre disposto a desculpar.

Isto aprendi desde pequeno.

Mas há silêncio que atrapalha a conversa que iniciei de manhã. Dava-me jeito fazer o ponto da situação, conversando como dois amigos. Afinal é para isso que o amor serve: para entender-nos!

E se não estiver do outro lado do telefone nenhum interlocutor? Nunca?

Hoje nas leituras da missa houve um apontamento importante salientado na homilia: o mudo de que todos fugiam, porque sendo deficiente, tentava aproximar-se e pedir ajuda e por isso ainda mais dele fugiam.

Jesus aproximou-se e disse-lhe: vou ainda hoje jantar a tua casa! Assim, sem mais prégações ou julgamentos!

Talvez no final do dia dos meus anos, deva continuar a insistir na conversa, como o mudo e assim um dia de mansinho tê-lo-ei a visitar-me ou melhor, irei eu para junto d'Ele!

NÃO TE QUEIXES


«Não te queixes. Recolhe em ti a amargura, não a disperses, não a esbanjes com os outros. Ela é tua, nasceu de ti, da tua miséria, pertence-te como os ossos e as vísceras. Concentra-te nela, absorve-a, faz dela a tua grandeza. Porque só se é grande pelo sofrimento, não pela futilidade do prazer. As pedras não sofrem, Cristo esteve «triste até à morte». Tem desprezo pelos Homens felizes, porque dos Homens felizes «não reza a história». Só a dor pode medir o teu tamanho de exceção, só ela pode medir o que tu vales. O sofrimento medíocre não dá mais do que a comédia, mas a grandeza da tragédia só pode atribuir-se aos grandes. Não te aconselho a que vás ao encontro da amargura, mas se ela vier ter contigo, acolhe-a com serenidade. Não sucumbas aos seus golpes, aguenta-os até onde puderes. E se és Homem de verdade, tu a aguentarás.

Também as grandes alegrias são do destino dos grandes, porque elas são irmãs dos grandes sofrimentos. Só os pequenos e mesquinhos se alegram e sofrem com o que é mesquinho e pequeno. Aquilo que é pequeno é impercetível a quem o não é. Que juízo fazem de ti, se sofres com o que é ridículo? Não sofras. As grandes tempestades, a grande luz solar são a medida da Natureza. Que tu tentes contrariar a alegria que te rodeia na nova Primavera e não o conseguirás. A Terra cumpre-se igual em flores e renovação. Não te queixes. Recolhe-te a ti. E o destino do Homem que te sagrou será a tua perfeição.»


Vergílio Ferreira, Conta-Corrente IV

On my birthday, it is good to be here!

On my birthday, it is good to be here!

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Contaram-me que as letras descansam de lado




Contaram-me que as letras descansam de lado, nas páginas macias dos livros antigos. Outros, afirmam que os textos mudam ao sabor das edições; nenhuma se compara à leitura inicial. Há ainda quem me confidencie que recebe os livros de braços abertos, às vezes até com as pernas, e dou por mim a olhar para as lombadas que me rodeiam; a senti-las latejar como um animal magnifico, alheio a interpretações domesticas. Se estender a mão, sei que o irei acordar; prefiro entreter-me a escrever este texto, onde as letras ainda são verticais e se estampam no papel, como uma mancha de tinta, uma ave suicida, um eco sem som.

Jorge Fallorca, in "O livro do fim" 2012

Se não houver esperanças


Se não houver esperanças de que o teu amor seja recebido, o que tens a fazer é não o declarar. Poderá desenvolver-se em ti, num ambiente de silêncio. Esse amor proporciona-te então uma direcção que permite aproximares-te, afastares-te, entrares, saíres, encontrares, perderes.

Antoine de Saint Exupéry

CRÍTICA DE ARTE

CRÍTICA DE ARTE

Na crítica de arte impera, invariavelmente, um tipo de escrita que não me interessa nada. Que não interessa nada ao público leigo, no qual me incluo, que tem apenas como ferramenta básica a sua sensibilidade e o seu ponto de vista pessoal que oscila entre o "gosto" e o "não gosto".
A grande maioria dos críticos de arte escreve de um modo rebuscado, com uma linguagem demasiado hermética que só é inteligível para uma minoria: ele próprio e talvez a meia dúzia de amigos que escreve do mesmo modo.
O divórcio entre o público e a arte deve-se em parte a muitos textos críticos que só servem para complicar aquilo que, no fundo, é simples. Depois de se ter lido a crítica fica-se com a sensação de não se ter percebido nada. Em vez de aproximar o público, afasta-o.
Além disso, é muito difícil que uma crítica não seja um exercício de vaidade do seu autor, um elogio a um amigo, um piscar de olho a um interesse qualquer ou, não raras vezes, para rebaixar a obra de arte e o artista.
Se me atrevesse a escrever uma linha crítica sobre arte seria sempre para dizer bem de algo. Por norma os artistas sofrem muito para criar. Trata-se de horas e horas de trabalho duro e solitário, para depois vir um crítico arrasar todo o esforço e sacrifício com um texto.
Pablo Picasso, farto da insistente pergunta da crítica e do público, que toda a vida o perseguiu, para saber qual “a verdade” contida nas suas pinturas, um dia respondeu: «Toda a gente quer entender a arte. E porque não tentar entender o canto dos passarinhos? Por que razão se pode amar a noite, as flores e tudo à nossa volta, sem tentar compreender? Mas, no caso da pintura, as pessoas teimam em compreender.»
Não é necessário “compreender” a arte para a fruir. Não é preciso ser um conhecedor de arte para se ser recetivo à arte, para se sentir tocado por ela, para se comover com ela. Uma obra de arte vale por si própria e não carece de crítica para deleitar ou impressionar o público. Mal vai a obra que precise desse suporte…
A ambição do artista não é ser explicado, é ser visto e apreciado.

Paulo Marques

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

SOU UM CÔNSUL-GERAL HON. SOFREDOR !


SOU UM CÔNSUL-GERAL HON. SOFREDOR!

Tenho referido aqui que sou Cônsul Honorário de um país africano em Portugal.

Tenho assuntos consulares a tratar com as diferentes Autoridades e nomeadamente com o SEF ( Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).

Misteriosamente não vêm em nenhum sítio deste pobre país NENHUM número que REALMENTE atenda a quem a ele queira recorrer telefónicamente, para não estar HORAS numa bichette.

Escrevi um e-mail oficial do Consulado para a Direcção Norte do SEF no dia 5 de Outubro, tendo normalmente sido recepecionado uns dias depois.

Pacientemente liguei para um número, que dizem de atendimento e estive vociferando com o Universo, 32m (registados no meu telemóvel).

Finalmente atendeu-me um imbecil que me disse ser do call center e que não faz a menor ideia do que é um Diplomata.

Disse-me então que me ia dar um número fixo que é o geral.

Novamente uns 20m a tocar e quando do outro lado já não há paciência de ouvir o trimmm do telefone, desligam!

Para grandes males grandes remédios: telefonei para o Ministério da Administração Interna, dizendo que era o pai do PM (soi-disant) e do outro lado uma funcionária zelosa, com esta bonomia e brandos costumes portugueses, passou-me finalmente a chamada para secretária da Directora-Regional.

Com mais um pouco de charme consular, obtive os dados todos para entrar na Caverna do Ali-Bábá, no futuro, sem ficar à espera.

Digam-me lá se não é desesperante para o vulgar cidadão ESTRANGEIRO que é a maioria que pretende ter acesso fácil aos serviços públicos, passar por estas tormentas?

sábado, 22 de outubro de 2016

The flying dog - fantastic


red tree - amaizing


Mushrooms with hot pepper..delicious!


pessoas chatas


FANFARRONADAS e DESPEITO

 
FANFARRONADAS e DESPEITO

Se há coisa que eu mais deteste são pessoas bota-abaixo.

Hoje houve várias boas notícias para PORTUGAL.

O que é que um bom patriota deve fazer? 

Reconhecer, ficar agradado e se não conseguir disfarçar o despeito, AO MENOS, calar-se.

Eu acho que PPC a cada dia vai destruindo o capital de respeito que acumulou.

É pena para ele, mas um País não para em Massamá!

O IMEDIATISMO EMOCIONAL DOS PORTUGUESES - o jovem Rúben


O IMEDIATISMO EMOCIONAL DOS PORTUGUESES - o jovem Rúben

"Agarrem-me se não eu mato-o" expressão popular que essa sim, é muitas vezes uma fanfarronada! Mais garganta do que acção!

A mãe do Ruben, mãe extremosa, que se esquece do perfil troublemaker do filhinho que passa a vida " à porrada" segundo ela e é um provocador, diz que o Governo devia ter actuado doutra maneira.

A linguagem vernácula da mesma, a presumível falta de grandes habilitações, deviam impedi-la de se pronunciar públicamente sobre a justeza ou não dos procedimentos jurídicos.

Sobre o Rúben, sim.

Ora acontece que existe o Direito Internacional que regula as relações entre os Estados e nomeadamente em situações desta natureza litigiosa.

Há por isso o chamado atrevimento da ignorância que não há pior!

Os órgãos de informação do tipo sentimental (CM e quejandos que os vai havendo) deliram em explorar o lado trivial do caso, sem guardarem o silêncio prudente que o profissionalismo exige até se apurarem as responsabilidades.

Por isso, uma rixa entre rapazes bêbados, neste caso de etnias diferentes, ao que se sabe tendo o incidente sido originado nessa base e em provocações feitas  e degenerado em consequências de "porrada" segundo a mãe do Rúben, tem-se vindo a tornar num novo Alcácer-Kibir, de má memória.

É que não há pior do que gente imbecilmente impetuosa e sem "mundo" para tratar de assuntos que têm a importância que têm.

Devo salientar a minha apreciação pela exemplar e prudente atitude que o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal tem sempre tomado em relação a este caso. Falando o q.b. e com uma integral posição de Estado.

E não é diplomata de carreira!

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

ao meu encontro



Se eu fosse a pessoa de quem estou à espera que venha ao meu encontro, eu não me faria esperar e viria ao encontro de mim mesmo.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Para que sirvo eu ( What Good Am I? ) por Bob Dylon

 
Para que sirvo eu se sou como todos os outros
Se simplesmente me afasto ao ver como te vestes
Se me fecho em mim mesmo pra não te ouvir chorar
Para que sirvo eu?
Para que sirvo eu se sei e não ajo
Se vejo e não digo, se através de ti contemplo
Se me faço de surdo ao céu troante
Para que sirvo eu?
Para que sirvo eu enquanto choras suavemente
E escuto na minha mente o que dizes durante o sono
E logo regelo como os que nada fazem
Para que sirvo eu?
Para que sirvo eu então aos outros e a mim
Se tive todas as chances e falhei mesmo assim
Se tenho as mãos atadas e não me interessa
Quem as atou nem porquê nem onde devia eu estar?
Para que sirvo eu se digo disparates
E rio na cara do que a tristeza traz
E apenas volto as costas enquanto morres em silêncio
Para que sirvo eu?
Versão de HMBF.

What Good Am I? é uma das canções emblemáticas do álbum Oh Mercy (1989). Bob Dylan tinha há muito recusado o título de cantor de protesto, colado por uma imprensa ávida de rótulos num tempo em que os profetas eram muitos e para todos os gostos. Colocando-se à margem desse caudal messiânico tão profuso no mundo artístico das décadas de 1960 e de 1970, Dylan optou por uma postura cada vez mais recolhida, isolada e enigmática. No entanto, os seus discos da década de 1980 ficaram altamente marcados por letras de teor religioso. Esta é uma delas, encenando um diálogo íntimo e autocrítico consigo mesmo ou com as forças exteriores que o habitam. Optei pelo verbo servir respeitando esse mesmo contexto confessional, do servo de uma causa que se questiona a si próprio acerca do valor e da eficácia das suas acções. Assim sendo, o sentido da bondade confunde-se com o da utilidade. É-se bom na medida em que se é útil enquanto servo de uma causa. 

Henrique Manuel Bento Fialho

sábado, 15 de outubro de 2016

O enigma do Bom Samaritano por Frederico Lourenço


O enigma do Bom Samaritano

O Bom Samaritano é uma personagem bíblica que toda a gente conhece – mesmo pessoas que nunca tenham lido o Novo Testamento sabem contar a história. Aqueles de nós que somos, de facto, leitores da Bíblia sabemos precisar melhor o contexto: sabemos que é um episódio (ou «perícope») que ocorre somente no Evangelho de Lucas, esse príncipe da originalidade entre os evangelistas «sinópticos» (Mateus, Marcos e Lucas), já que em Lucas encontramos tanta coisa bonita que está ausente dos outros Evangelhos.

No entanto, o episódio do Bom Samaritano não pode ser lido isoladamente de Mateus e de Marcos, porque precisamos deles para ajudar a compor o retrato do Samaritano: precisamos dos outros evangelistas para percebermos quem está por trás da máscara do Bom Samaritano.

Esta questão de «quem é quem?» no episódio do Bom Samaritano tem causado perplexidade a muitos intérpretes do Evangelho de Lucas. Quem conta a história (Lucas 10:30-37) é Jesus. Este facto, porém, não inibiu os exegetas de verem na história uma personagem que é o próprio Jesus, como se Jesus fosse um narrador intradiegético, personagem da sua própria narração. Em 1959, o teólogo alemão Hans Binder publicou um artigo fascinante na revista «Theologische Zeitschrift» (nº 15, pp. 176-194) em que argumentou a favor da identificação da vítima do assalto como Jesus. Segundo Binder, a história contada por Jesus sobre os maus-tratos sofridos por «certo homem» diz respeito e ele mesmo: Jesus.

Pessoalmente, apesar de toda a admiração por Binder e pelo seu belo artigo, não concordo com esta interpretação. Jesus está presente na história do Bom Samaritano, sim: e é muito claro, se olharmos para as subtilezas do texto grego, perceber quem é. 

A chave está no versículo 33, no verbo «compadeceu-se», que descreve a reacção do Samaritano ao ver o homem espancado. Trata-se do verbo grego «splankhnízomai», relacionado com «splánkhna», que são as «vísceras». Descreve um sentimento de «compaixão visceral». Das 11 vezes que este verbo surge nos Evangelhos, é sempre usado com referência a Jesus ou a personagens que são apresentadas como «alter ego» de Jesus. É o caso do rei que perdoa as dívidas em Mateus (18:27); é o caso do pai do filho pródigo, que se condói visceralmente ao ver o estado em que o filho chega a casa (Lucas 15:20).

E é o caso do Bom Samaritano: o uso do verbo «splankhnízomai» não deixa lugar para dúvidas. O Bom Samaritano só pode ser Jesus.
 
Frederico Lourenço

ALFRED NOBEL GALARDOADO COM O PRÉMIO DYLAN


1. O Prémio Nobel não é o Juízo Final, e nenhum júri, por mais qualificados que sejam os seus membros, tem o dom da infalibilidade. Para cada prémio dado há, naturalmente, uma quantidade infinita de outros escritores tão ou mais merecedores da mesma distinção. Mas há que reconhecer que, no seu conjunto, os sucessivos júris do Nobel da Literatura têm feito um excelente trabalho e que no seu conjunto a lista dos premiados, ao longo dos anos, é de uma enorme dignidade e contém muitos dos nomes de referência da Literatura mundial do último século. Podemos chorar as ausências mas não me parecer que se possa construir qualquer teoria da conspiração para as explicar a todas. O Prémio é o que é, faz o que faz, escolhe quem escolhe, e a meu ver, de um modo geral, não tem escolhido mal.

2. Se o Senhor Robert Allen Zimmermann tivesse publicado desde os anos 60 os seus versos numa série de livrinhos respeitáveis, em pequenas editoras independentes de vão de escada, estaríamos hoje sem qualquer dúvida a falar de um dos maiores poetas de língua inglesa desse período, na linha de um Allen Ginsberg, por exemplo, e neste momento sentir-nos-íamos felicíssimos com mais uma narrativa reconfortante de como o Nobel fez finalmente justiça a uma vítima do sistema. Desde o Romantismo que nos habituámos a gostar muito desta imagem do génio incompreendido a desfalecer numa mansarda, apesar da realidade aparentemente irritante de que houve sempre muitos génios que foram compreendidos e prósperos e muitos inquilinos de mansardas com pretensões artísticas e literárias que não passavam de medíocres anónimos.

3. Sucede que o dito Senhor Zimmerman preferiu, desde os seus anos de juventude como estudante na Universidade de Minnesota, cantar os seus versos, sob o nome de Bob Dylan, e desde então há mais de meio século que as suas canções continuam a marcar o nosso imaginário e a nossa consciência, geração após geração, influenciando decisivamente escritores, músicos, artistas plásticos e cineastas como poucos criadores do nosso tempo alguma vez o conseguiram fazer. Se no início a sua obra se inseriu assumidamente ao fenómeno específico da luta pelos Direitos Civis e contra a guerra no Vietname, nas décadas de 60 e 70, sobreviveu largamente a este contexto político concreto e afirmou-se sempre como uma voz única, inconfundível, indispensável, a falar-nos a cada momento dos nossos medos e das nossas epifanias, das nossas memórias e das nossas utopias, das nossas raízes e das nossas escolhas para o futuro.

4. É por isso de um grande, grande poeta que estamos a tratar. Ao contrário do que tem sido a leitura apressada de alguma Comunicação Social, o Nobel concedido a Bob Dylan não representa de modo algum uma suposta “descida” do Prémio ao patamar da Cultura de massas – o que em si mesmo não teria, a meu ver, qualquer inconveniente de princípio – mas a consagração de um enorme criador literário, de pleno direito, cuja escolha honra quem o escolheu. De algum modo, Alfred Nobel recebeu hoje o Prémio Dylan.

Ruy Vieira Nery

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

As alegrias do matrimónio por António Lobo Antunes


As alegrias do matrimónio por António Lobo Antunes

As pessoas nos restaurantes fazem-me sempre lembrar os quadros grandes, com martírios de santos, da igreja da minha infância. Casais que não se olham nem se falam: eles de queixo no prato, a espiarem os vizinhos de baixo para cima, elas de cabeça noutro lado e ambos a pensarem
– Porque carga de água não me desamparas a loja?
mas o dinheiro, mas o hábito, mas o medo da solidão dos homens
– E se eu adoeço?
mas a vantagem de ter uma mulher a dias sempre à mão, com olho para os botões a caírem e para as nódoas no fato apesar da chatice de ter que fazer amor com ela de vez em quando
– Assim que acabo arranjo uma desculpa qualquer e levanto- -me logo
porque ela gosta de ficar no nónhónhó, abraçada, e a gente o que nos apetece é que nos deixem em paz, o maior prazer que tiro daquilo é saber que
– Agora, durante uma semana, estou safo
pensar
– Que raio de ideia me fez casar contigo?
pensa
– Só não me separo por causa das crianças
quando não me separo não por causa das crianças, não me separo porque tenho medo, se me aparecesse uma garina em condições, mais nova do que tu, claro, mais bonita, o que também não é difícil, sobretudo de manhã, quando acordas, despenteada, sem pintura, não aguento o barulho dos teus chinelos no corredor, não aguento as tuas conversas, as histórias intermináveis acerca do emprego, constantemente interrompidas por um
– Estás a ouvir?
a gente, que não ouviu nada
– Estou
ela
– Então o que é que eu disse?
a gente, num resmungo
– Que raio de conversa, se respondi que ouvi é porque ouvi
a pensar
– E se me deixasses em paz?
a pensar
– Que idiotas as mulheres
que ainda por cima gastam um rolo inteiro de papel higiénico quando fazem chichi apesar de dois quadradinhos chegarem perfeitamente, para quê tanto papel, senhores, ao entrarmos de manhã na casa de banho encontramos sempre a rodela de algodão, toda preta, com que na véspera, à noite, tiraram a maquilhagem e que nunca despejam no balde como se custasse muito despejar aquilo no balde, basta carregar no pedal com a ponta do pé e nunca carregam, a rodela de algodão, a bandelete com que puxaram o cabelo para trás, a pasta de dentes sem tampa, a toalha torta no toalheiro, aqueles frascos todos, aqueles boiões todos, a inquietação a propósito de uma borbulha no queixo que teimam em mostrar-nos
– Já viste esta borbulha?
uma merdice que mal se percebe de súbito dramática, a queixa indignada
– Nem olhaste
a tragédia da celulite, a tragédia das estrias, o que elas decidem ser uma variz na perna esquerda
– Estou uma velha
ganas de concordar com elas
– Não estás velha, estás a envelhecer
porque a tragédia não é ser velha, é envelhecer, a inveja
– Nos homens dá-lhes charme envelhecerem, nas mulheres é horrível
de facto é horrível mas se por acaso concordamos
– Pensas que és algum actor de cinema, tu?
e de imediato referências à nossa barriga, à tristeza de nos estarmos a tornar repetitivos, à maçada de nos estarmos a tornar cada vez mais chatos, um olhar de desprezo à nossa silhueta
– E gordo, e curvado
portanto nada de conversas sobre a idade para não encontrar olhos que cintilam de lágrimas de humilhação e raiva, a boca, de cantos para baixo
– Desculpa confessar isto mas o que tu mudaste
e claro que mudei mas, ao contrário de ti, mudei para melhor, um dia destes tens as pernas fininhas como dois palitos cravados numa batata, há ginásios, sabias, o que não falta para aí são ginásios de onde voltarás toda suada, de madeixas agarradas à testa, com olheiras, a atirares-te para cima de um sofá, exausta, soprando
– Já não tenho vinte anos
e realmente já não tens, tens quarenta, perdão, quarenta e três, tu logo, ofendidíssima
– Quarenta e dois
nós
– Fazes quarenta e três em junho e estamos em março, olha que grande diferença
elas
– E eu só não falo da tua idade por pena de mim, prefiro esquecer-me que vivo com uma múmia
nós, picados
– Não há nada mais amargo que uma senhora provecta
e oxalá ela fique amuada uma semana ou duas, é da maneira que me salvo do tal e coisa por mais uns dias, tenho que pensar nas amigas da minha filha mais velha para conseguir o tal e coisa ou na atriz daquele filme de ontem na televisão ou nas pequenas do rialitichâo que tu
– Umas pindéricas, umas saloias para não dizer a verdade
pindéricas e saloias de facto que nem português sabem falar mas aqueles peitos, aquelas cinturas, aquelas bocas, no fundo não há como uma pindérica saloia para acordar hormonas, tu, desgostada
– Vocês, homens, são uns animais, e de facto somos, tens razão, somos uns animais mas é graças a elas que eu, e calamo- -nos a tempo, ou seja, pensamos que nos calámos a tempo mas não nos calámos a tempo porque bateste com a porta do apartamento e fico sozinho, sem saber o que fazer, no terror que te passe pela cabeça não voltar.

Carta ao meu primo Luís Bernardo na rentrée

Meu Querido Luís Bernardo,

Tu desculpa-me esta minha ausência de notícias mas tenho que te confessar que tenho tido preguiça de te escrever. Ando enervado, um pouco tenso e as coisas por cá, e não me refiro só aqui em Portugal, andam conturbadas. Agora mesmo leio que o Putin ameaça veladamente com uma 3ª guerra mundial!

Já sabes que sou rigoroso no que selecciono para as nossas cartas e não me tem ocorrido assim nada de muito interessante.

Pegando na palavra “interessante” e transpondo-a para a vida de cada um, como é difícil lutar para que cada dia seja diferente do anterior! Já sabes que detesto a rotina e que tenho conseguido ter uma vida bem variada.

Hoje apetece-me ouvir-te falar-me sobre o amor, este sentimento que é tão multifacetado e tão subjectivo. – que maravilha o que estou a ouvir neste preciso momento: Alberniz – Estudios para piano, Op 65, B 11 Tango.

O meu ipod tem bastante qualidade e muita memória, por isso guardo cerca de 12.000 músicas de todo o tipo, e é um deleite poder escolher dentro de uma tão grande variedade…Agora Liszt – Lieberstraume In A-Flat . O Lieb, So Lang Du Lieben Kannst.

O amor vai e vem, os dias mudam a tonalidade, a intensidade e a constância. Qualquer acontecimento, por mais singelo que seja, influi no equilíbrio e na vontade.

Porque será que é mais fácil sentir-se a vibração do amor quando o ser amado está longe? É um misto de dor/prazer mas o sentimento está bem definido e sabemos distinguir um do outro.

E refiro-me ao amor dos esposos, dos companheiros, dos namorados, dos filhos, dos pais, dos avós e por aí adiante. Não é tanto o amor carnal, é mais aquele que é cantado pelos poetas, de que se dizia que se morria de amor…

Hoje em dia raros devem ser aqueles que suspiram, sofrem e morrem de amor.

Fico a aguardar os teus sempre desejados comentários.

Do primo muito afeiçoado

Manuel

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O estranho nome de um pretenso primo do facebook


Apareceu-me um facebookiano a pedir para ser meu amigo e acrescentando que seria meu parente.
O seu nome é Damasco Andrade. Pois bem sendo eu Pêssego Andrade, calculo que sejamos parentes.
Mesmo assim achei fruta demais...ahahahha...que nome próprio mais divertido, coitado!

Conselhos de vida por Fernando Pessoa


CONSELHOS DE VIDA

Fernando Pessoa, numa anotação pessoal encontrada num dos papéis que constavam da sua célebre arca, dá (dá-se) sete conselhos de vida:

1- Não tenhas opiniões firmes, nem creias demasiadamente no valor das tuas opiniões.
2- Sê tolerante, porque não tens certeza de nada.
3- Não julgues ninguém, porque não vês os motivos, mas sim os atos.
4- Espera o melhor e prepara-te para o pior.
5- Não mates nem estragues, porque não sabes o que é a vida, exceto que é um mistério.
6- Não querias reformar nada, porque não sabes a que leis as coisas obedecem.
7- Faz por agir como os outros e pensar diferentemente deles.


Num outro texto, inédito até 1979, data em que é publicado na revista História, de «O Jornal», enumera outras regras de vida:

1- Faça o menos possível de confidências. Melhor não as fazer, mas, se fizer alguma, faça com que sejam falsas ou vagas.
2- Sonhe tão pouco quanto possível, exceto quando o objetivo direto do sonho seja um poema ou produto literário. Estude e trabalhe.
3- Tente e seja tão sóbrio quanto possível, antecipando a sobriedade do corpo com a sobriedade do espírito.
4- Seja agradável apenas para agradar, e não para abrir a sua mente ou discutir abertamente com aqueles que estão presos à vida interior do espírito.
5- Cultive a concentração, tempere a vontade, torne-se uma força ao pensar de forma tão pessoal quanto possível, que na realidade você é uma força.
6- Considere quão poucos são os amigos reais que tem, porque poucas pessoas estão aptas a serem amigas de alguém. Tente seduzir pelo conteúdo do seu silêncio.
7- Aprenda a ser expedito nas pequenas coisas, nas coisas usuais da vida mundana, da vida em casa, de maneira que elas não o afastem de você.
8- Organize a sua vida como um trabalho literário, tornando-a tão única quanto possível.
9- Mate o assassino [refere-se à mente].