quarta-feira, 25 de abril de 2012

água de côco ou nova crónica do Brasil

A viagem começou em S.Paulo e está a acabar em Fortaleza. Dois quadros executivos americanos da minha empresa chinesa (arquitecto sénior e engenheiro civil) e um chinês/canadiano (engenheiro de estruturas) de 28 anos, filho de um Administrador da empresa em Pequim, acompanharam-me desta vez. Nunca tinham vindo a esta parte do mundo: nunca tinham ouvido falar de caipirinhas/oskas e quejandas bebidas nem, muito mais importante, sabiam rigorosamente nada sobre o Brasil. Como bons “selvagens” em história do mundo, somente sabendo o que se passa em Boise…nome horroroso para pronunciar, nem sei bem aonde é nos USA, ficaram progressivamente fascinados com a cultura brasileira, as gentes, a comida, o ambiente! Sou hoje em dia um razoável conhecedor de S.Paulo, tenho amigos cultos e civilizados que me recomendam programas interessantes para fazer com aves desta natureza. Por isso fui um regalo como cicerone português que lhes falava da história do Brasil e obviamente de Portugal. Astor, um restaurante da moda em Vila Madalena, zona de bares e animação e de pequenos bistrots, recheados de mulheres lindas e apelativas e de tenra idade…na zona libertina dos 23 a 45 que convivem naturalmente sem imaginarem o que podem causar de efeitos efervescentes a um americano de 40 anos, bem parecido e engatatão com 5 caipiroskas no bucho! Ao nosso lado estava uma mesa de 6 borrachos e só não conseguiu os seus intentos, com “aquela” mesa nessa noite, pela simples razão de que só falavam docemente num português dolente e muito sensual. Foi o cabo dos trabalhos para o enfiar no carro, pois queria ficar por ali! Em churrascarias, excelentes restaurantes de comida mineira, baiana, e italiana o Darren não queria outra coisa do que as caipirinhas (cachaço ou vodka ou o que lhe oferecessem como modalidade). Fomos visitar o museu do futebol que é muito bem organizado e completo e foi para mim um tormento transpor para gringos que têm outro tipo de conhecimento sobre a bola, todo o manancial de um desporto ímpar no Brasil. Como terão já compreendido, foi o tempo todo a falar inglês, traduzindo e retrovertendo para português/inglês toda e qualquer conversa: desde técnica, nas inúmeras reuniões que tivemos com o Governo, instituições oficiais, empresas, lojas, o raio….a charlas sobre diversos temas desde os mais triviais até aos mais sublimes! O nosso canadense/chinês, que só é canadiano porque lá viveu em pequeno, mas tendo nascido na China, revelou-se um encanto de pessoa, inteligente, óptima companhia e absorvendo às goladas tudo quanto eu lhe apresentava. De uma enorme pureza e candura, não nos acompanhava nestes programas libidinosos e ficava no hotel a falar para a China, creio que para a namorada, o pai e amigos, talvez por esta ordem. Fala muito bem inglês e ria-se a bom rir com as minhas pitorescas conversas e comentários e quando eu, brincalhão, lhe dizia que uma miúda lhe estava a fazer olhinhos, respondia-me que já me conhecia nas minhas pirulices e no fundo apreciava a minha sem-cerimónia! Contou-me que não vê televisão, não é fã da internet e só a usa quando precisa, não vai a bares nem ao cinema nem ao teatro, não lhe perguntei o que fazia com a namorada aos fins-de-semana, e respondeu-me que nunca sabiam como matar o tempo. Muito triste esta vida na China, dura, fria, controladora, sem deixar a nova geração fazer o que lhes dá na gana, tal como noutros países aonde há liberdade. Não sei se sabem que o facebook é proibido e bloqueado, o Google, etc…um inferno de arrogância e bem, hoje nem vou mais falar dos contrastes que conheço, quando lá vivi e morei, mas também da extraordinária tenacidade, inteligência, esforço no crescimento e compreensão do mundo exterior…ainda com enormes recuos e dificuldades. Língua impenetrável e cultura difícil de absorver: um horror de cansaço para explicar o óbvio e costumeiro em países como o Brasil e Portugal, em termos técnico, de ordenamento jurídico, económico, financeiro…gasta-se dez vezes mais energia para no fim, ainda restarem dúvidas. Hélas! em Portugal as hipóteses de uma vida branda, gostosa e prazenteira vão cada vez mais rareando e tornando-se num sonho impossível. Por isso é preciso voltar a partir como os antepassados…com menos sabor a escorbuto, mais a água de côco…neste paraíso aonde ainda estou e para aonde quero vir com quem comigo me quiser acompanhar nestes negócios de horizontes largos e variados. Naturalmente é também um país com problemas, agruras, burocracias, incompreensões… Dois exemplos que acho uma maravilha: imaginem-se como eu a tomar água de côco nesta piscina deste hotel aonde me encontro a descansar depois deste dias danados: a massagista ontem sugeriu-me que a água de côco era boa para a pele! O segundo exemplo: numa reunião com uma Despachante, oiço pasmado que o nome de uma das taxas de importação a pagar de materiais da China para o Brasil é a “capatazia” ! Como traduzir isto para inglês e subsequentemente para chinês? E o que dizer do nome de cervejas como por exemplo, “Devassa” ou “Proibida” que são uma delícia! Fico-me hoje pela água de côco, não desprezando, é claro, as caipirinhas/oskas que honradamente tomei acompanhando com mais moderação o Darren. O meu peso aumentou desde que cheguei apesar de regularmente ir “malhar” na “academia” ou seja ir ao ginásio!

domingo, 15 de abril de 2012

Portugal daqui a pouco!

para uma mulher só


Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que não existiu.

Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.

Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.

Cecília Meireles, in 'Poemas

Leia...leia sempre muito


"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede."

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 7 de abril de 2012

Aimberê - Meus contos brasileiros (final triste)


Aimberê terminou comigo de uma hora pra outra, estávamos tão bem três dias atrás! Eu a tratei bem e ela me tratava super bem; eu já tinha como ir mais vezes até à Aldeia da Serra.

Ela reclamou que estava dificil pois tinha que se acostumar novamente ao ritmo de viver com os pais e a mãe dela nem deixava ela sair na rua direito.

Depois daquele incidente ao almoço em casa de seus pais, ela começou a falar assim que a gente não gostava das mesmas coisas, apesar de termos feito sexo praticamente todo o dia, e realmente parecia que sentíamos desejo um pelo outro mas ela disse que queria tempo e eu fiquei muito triste.

Estávamos indo na rua e ela disse que queria terminar, mas não disse que era porque não me amava e perguntei e ela também não disse que tinha outro alguem. Fiquei sem entender. Sei que ela ainda me ama , senão ela tinha-me olhado nos olhos e dito isso. Disse apenas que estava confusa e que não sabia o que ela queria pra vida dela.

E aí, será que ela vai me procurar?

Me ajudem , estou sofrendo muito galera !

PS : parti de vez para o sertão deixando pra trás Aimberê na Aldeia da Serra e vou tentar encontrar a minha Jane ! Me sinto um Tarzan !

Aimberê - Meus contos brasileiros (continuação 5)


Eu estava meio nervoso nesse dia, mas não estava com medo. Estava só meio preocupado com o que os pais dela iriam achar de mim.

Vesti uma camisa Polo e uma calça social (esse povo velho é chato pra burro).

Como combinado, cheguei lá bem limpinho, na hora do almoço. Dei um beijo na bochecha de Aimberê para que os pais dela não desconfiassem (esse povo implica com tudo…).

A mãe dela foi muito gentil comigo, arrumou um lugar para eu me sentar. Mas o pai dela me olhou com uma cara feia, parecia que ele estava passando fome há um mês.

Apertou a minha mão forte pra burro, tive que juntar meus dedos dentro da mão dele para não quebrarem.

Eu já estava nervoso, e depois disso a coisa piorou. É que eu cheguei lá com uma vontadezinha de cagar, mas nada muito sério. Quando o pai dela apertou minha mão daquele jeito, senti tanto medo que me bateu uma caganeira brava. Me segurei na cadeira como pude.

Então, a mãe dela começou a servir o almoço. Era uma feijoada. Fiquei com medo de colocar aquilo na boca, com aquela aflição iminente. Comi só um pouco e perguntei onde era o banheiro.

- Pega o corredor à direita, segue 10 portas, depois pega o outro corredor e entra na segunda porta à esquerda.

Não entendi onde era. Pensei “ por que essa menina tinha que ter uma casa tão complicada?”. No caminho encontrei uma janela bem grande e arejada. Fiquei parado lá, tomando um ar para ver se a vontade passava.

Era até melhor, porque ficar um tempão no banheiro dos pais dela, logo no primeiro dia, não pegava bem.

De repente eu senti um aperto na barriga, uma coisa fortíssima. No susto, desceu tudo pela minha calça social branca.

Virei pra trás e vi que foi Aimberê que tinha apertado a minha barriga, querendo me fazer uma surpresa.

Ao lado, estavam os pais dela. A mãe dela trouxe uma toalha para eu me limpar. O pai dela começou a rir e a me chamar de cagão.

(continua)

Aimberê - Meus contos brasileiros (continuação 4)


Levei Manuel para conhecer meus pais e a minha família.

Fui avisando que talvez não fosse fácil o primeiro embate por ser português e lhe dei alguns conselhos. Ele sorriu e foi ouvindo.

Lhe disse que não era preciso falar como um advogado, mas dizer expressões que são apropriadas a um jogo de futebol eram “proibidas”, tais como “tipo assim”, “mano” e “tô ligado” podiam passar a imagem errada sobre ele.

Em hipótese alguma deveria fazer referência ao sexo. O meu pai não gosta de pensar nesse assunto, sobretudo não devia deixar escapar qualquer comentário sobre idas a motéis ou festinhas, pois a vida no interior é muito espartana.

Nada de me agarrar, segurar a cintura, dar beijões e, muito menos, apertões no “bumbum”.

Não era preciso falar também de que as suas actividades preferidas eram, respectivamente, trabalhar numa ONG, ouvir Bach e ler livros. Deveria ser ele mesmo, mas não passar a imagem de preguiçoso. Procurar comentar sobre coisas que, por exemplo, encheriam os meus pais de orgulho.

Quanto a jantar se o cardápio fosse algo que ele não gostasse, deveria fazer um esforço para comer pelo menos um pouco – e sem fazer cara feia. Mexer na comida, pelo menos, seria um sinal de que teria aprovado a dedicação deles pela sua alimentação.

(continua)

Aimberê - Meus contos brasileiros (continuação 3)


Chegamos à Aldeia da Serra e nos dirigimos para a praça. Aí, nos encontrámos na Igreja Matriz, património honroso da nossa terra - disse eu orgulhosa para Manuel - e um bonito jardim para descansar, e ainda, e neste, algo representativo da tradição secular agrícola: um carro de bois e uma amostra de um lagar de azeite, indústria de outros tempos.

A caminho do bairro onde se situa a casa de meus pais, ainda muito perto da Igreja Matriz, encontra-se uma fonte de mergulho, onde outrora se ia buscar a água potável para abastecimento dos lares.

No centro (largo principal), existe um pequeno café, instalado na antiga escola primária, onde descansámos um pouco para tomar uma bebida.

Estava uma tarde cálida e o sol ainda tinha brilho por mais umas horas por isso resolvi ir mostrar a ele um local sossegado, entre duas serras, de excelente ar puro e onde o silêncio se faz sentir, tornando-o belíssimo para passar uma tarde de paz, sossego e tranquilidade.

Vieram as primeiras perguntas:

Quem eu era? Como me via e me definiria se estivesse a apaixonar-me por um homem que eu só conhecesse superficialmente e a quem eu quisesse convencê-lo “que sou a única”?

Ele me pegou de surpresa e lhe pedi que me desse alguns minutos para refletir e nos sentámos olhando para o horizonte em silêncio.

Como vou conseguir lhe dizer que quando cedinho o despertador canta de galo eu não tenho forças nem para atirá-lo contra a parede. Não queria ter que trabalhar. Quero ficar em casa, ouvindo música, cantarolando, até! Se tivesse cachorro, passearia com ele pelas redondezas. Aquário? Olhando os peixinhos nadarem. Espaço? Fazendo alongamento.
Leite condensado? Brigadeiro.

Tudo menos sair da cama, engatar uma primeira e colocar o cérebro pra funcionar.

Eu quero alguém que abra a porta para eu passar, puxe a cadeira para eu sentar, me mande flores com cartões cheios de poesia, faça serenatas na minha janela. Chegue do trabalho, sente no sofá, coloque os pés pra cima e diga "meu bem, me traz uma dose de whisky, por favor?", pois eu descobri que é muito melhor servir.

Antes eu sonhava, agora nem durmo mais.

Eu sei perfeitamente que quando penso “como posso fazer que ele se interesse por mim?”… já me estou a meter no estado mental que vai afastar ele de mim e tornar a relação com ele menos provável.

Primeiro, é garantido e sei por experiência que isso NUNCA vai funcionar comigo. Assim vou tornar-me numa mulher que ele sente que é carente à volta dele.

Eu sei que quando um homem sente que uma mulher está a ser carente e chata, não importa a beleza e a generosidade dela… ele vai ter uma mudança emocional e vai deixar de sentir ATRAÇÃO por ela.

Ele capta alguns sinais ou algumas palavras erradas, a linguagem corporal errada ou demasiadas emoções intensas que ele não entende mas que sabe que tem a ver com ele… vai soar o alarme de “mulher carente”.

(continua)

Aimberê - Meus contos brasileiros (continuação 2)


Cada vez estava menos gente no ônibus e de repente comecei a cantar essa modinha para ele:

Se você não fosse gente,
o que gostaria de ser?
Diz pra mim, quero saber...

Um objeto, um bichinho?
Invisível? Queria ser?
Diz pra mim, quero saber...

Eu queria ser uma roupa...
Pode dizer que sou louca.
Acho graça e já explico...

Já pensou em ser o lençol
que todas as noites aquece
o alguém que a gente não esquece?

Já pensou em ser a roupa
que docemente acaricia
esse corpo durante o dia?

Por isso eu queria ser
uma roupa, pra viver
sempre junto de você...

Algo que ficasse assim,
eu em você, você em mim...
muito próximo, entende?

E você, se não fosse gente,
o que gostaria de ser?
Diz pra mim, quero saber...

Manuel me olhava deslumbrado pela minha voz dolente e pela ousadia dos meus versos. Um cara que saía na paragem próxima, se voltou para nós e disse todo sorridente:

- Isso promete, quem dera ser sua roupa!

Me calei e olhei em frente um pouco timorata pois não sabia qual seria a reacção do meu companheiro de viagem.

Pensei pra mim, fui longe de mais? Que pressa de expressar meu pensamento, sempre o exagero de tudo o que faço.

E a voz serena de Manuel me pergunta: você está afim de bater um papo gostoso e nos conhecermos melhor? Posso lhe fazer algumas perguntas?

Bem feita! Queria já o lençol para me aquecer essa noite e teria que me contentar com a roupa e com o cheiro do seu perfume que me seduzia.

(continua)

Aimberê - Meus contos brasileiros


Eu mudo pra caramba. Minhas roupas, meu cabelo, minhas visões sobre as coisas, meus amores, meus desgostos, minhas músicas.

Não consigo entender aquelas pessoas que não mudam. Ficam no mesmo emprego durante anos, com o mesmo corte de cabelo e se relacionando com as mesmas pessoas.

Outro dia mesmo eu estava na paragem do ônibus e encontrei um simpático português que se sentou a meu lado e eu tenho que confessar que gostei da conversa.

Já mudei 9 vezes de casa. O lado bom disso são as histórias, e bota história nisso! O papel de parede horrendo arrancado com a mão; a minha babá má, que me fazia comer espinafre todo dia e recolher todos os lápis de cor de baixo do sofá, lá na casa de meus pais; minhas fugas por cima do muro do prédio na praia; o cheiro de coisa velha do armário da casa do meu avô...

O lado ruim é que eu não fiquei tempo suficiente em nenhum desses lugares até eles ficarem com o meu cheiro. Sou muito exigente com os cheiros das coisas. E das pessoas também. Não costumo gostar de alguém que use um perfume que não me agrada. Nada pessoal, só não gosto de ficar perto. Pode ser que seja um exagero meu, mas em que eu não exagero sempre? Minha vida toda sempre foi baseada em exageros. Ou eu estou bem ou eu estou mal, sem meio termo. Exagero na hora de fazer o prato de comida, de me emocionar com um filme, de amar alguém, de não gostar de alguém, de contar histórias... Quem sabe metade desse texto não foi puro exagero? O ponto é, exagerando, mudando, eu vou vivendo, e vivendo muito mais do que qualquer realista por aí.

Ele se chamava Manuel e me disse que era típico nome de português. Fomos conversando e ele me perguntou o nome e quando lhe disse que me chamava Aimberê, se riu com um sorriso aberto e a gargalhada doce parecia a do canto do sabiá.

Fiquei um tempo calada e a paisagem passava rápida pela janela do ônibus e o cheiro dele era bom, usava um perfume de que logo gostei.

A viagem ainda era longa, por isso saboreei o tempo que teria à nossa frente para um bom papo.

Senti a voz semi-brasileira dele fazendo um esforço para usar o sotaque, e olhei com um ar divertido e guloso para ele. Que cara bacana, tentando me agradar.

Porque me chamava Aimberê, perguntou Manuel. Me disse que era um nome tão invulgar que devia vir de alguma estrela cadente e quente. Sabia a índia, a tribo, a liberdade.

Resolvi ir com ele, fosse ele para onde fosse. Me disse que ia para a Aldeia da Serra e eu lhe disse que era justamente o meu destino.

(continua)