sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O Peninha e o UBER

O PENINHA E O UBER

O Peninha detestava pessoas que tivessem pelos nas orelhas, pretos e hirsutos a sair como jorros de água dos faunos das fontes do Rossio.

Recomendava sempre que no barbeiro, baixando a voz, não fosse ser ouvido pelos vizinhos de cadeira, se dissesse: - olhe, Aníbal, quando puder e discretamente, com uma pinça arranque-os um a um, que no fim dou-lhe uma generosa gorgeta!

Todas as vezes que ia cortar o cabelo e fazia-o a cada mês, aparecia pelo meio-dia, um cavalheiro já meio-careca, com uma testa e alto do cocuruto completamente lisos, que em frente a um espelho de uma cadeira livre, tirava do bolso um capachinho e besuntando-o com cola, aplicava-o na cabeça, ajeitando-o.

Fazia-o com a naturalidade de quem repete isto a cada dia, não se importando dos olhares dos circunstantes, entre divertidos e enojados.

O Peninha não resistiu e um dia perguntou ao Alex, o dono da barbearia : - Oiça lá, o gajo acha que não se topa a léguas que é tudo falso?

Resposta do Alex: - é por causa das miúdas. À noite vai para os "cabarétes" e elas enganam-no com palavras bonitas e o sr. Poupinho vai no engodo e tem torrado tudo com as gajas. Eu até já lhe disse que temos aqui clientes distintos e de sucesso com carecas bem piores do que a dele. Mas nada, a vaidade cega.

O Peninha frequenta uma casa de alterne muito conhecida no meio, mas muito discreta. Entra-se para um parque de automóveis que diz: “Loja gourmet – Aberta 24h. Arrumador privativo”. O Gonçalves, arrastando o pé bôto, vai indicando aonde arrumar e já conhece os clientes de ginjeira. Esta locanda tem uma particularidade: os clientes têm números. Registam-se como tal a primeira vez e depois ficam para sempre.

Como a clientela é internacional, por causa dos chineses e dos angolanos há números que ou dão má sorte ou são óbvios de mais para um supermercado que se preze visto do exterior, segundo afiança o Peninha. Os números proscritos são o 13, o 69 e o 7 por causa do Cristiano, nada de apelidos.

Ora o que mais agrada ao Peninha é a música e a dança. O Héldrio, o proprietário, de brincadeira assim chamado, pois o nome verdadeiro é Ismael, teve a brilhante ideia de gizar um sistema lucrativo para a casa: as meninas que são convidadas para dançar, têm um taxímetro à cintura, numa zona de ninguém, não importunando o trabalho de mãos, e que tem dois objectivos: o número do cliente e o tempo de dança.

Ou seja, o Peninha que adora bailar com a Eline, uma diva da Estónia, as músicas do Julito, todo atracassado a ela, mãos no traseiro redondinho e ela com a cara encostadinha e com a boca colada aos ouvidos dele sussurrando palavras de amor, fixa um tempo, vá…uns 10m que equivalem a um Martini para ela e para ele um Brandy Constantino.

Ao fim dos 10m, ouve-se um alarme discreto no taxímetro indicando o fim da corrida e ela de repente fica estática, hirta e firme: ou continua com mais um prazo ou com dignidade vai à procura de outro cliente.

Todos se divertem e agora com a UBER, o Héldrio até já arranjou uma aplicação para os telemóveis em que dispensa, para os que querem, o uso do taxímetro. É o próprio cliente que programa e é debitado na sua conta corrente na casa.

Claro está que para os mais tradicionais ainda faz todo o sentido o velho taxímetro.

In " prosas de fim de Estio" de Vicente Mais ou Menos de Souza

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