quinta-feira, 9 de setembro de 2010

10ª Carta do meu primo Luis Bernardo


Meu Caro Manuel,

Ao invés do que te tinha prometido acabei por não conversar com o Philip Morrison, o inventor da bomba atómica mas encontrei-me com um padre jesuíta alemão, Klaus Luhmer, que sobreviveu à de Hiroshima em 1945 e a quem fiz algumas perguntas sobre tão horrível acontecimento para a Humanidade.

Disse-me que estava a 4km do local aonde a bomba foi lançada. A essa hora com uma temperatura de 30º centígrados, e não muito depois das 8h da manhã, estava a rezar no jardim da residência de jesuítas noviços nos arredores de Hiroshima.

Recorda ter visto algo que não conseguiu compreender, mais brilhante que o sol, uma espécie de hemisfério. Teve a intuição de que seria uma bomba altamente explosiva que tinha rebentado atrás de uma montanha próxima.

Teve ainda tempo suficiente para correr para a cave e abrigar-se. Viu um clarão, e uma onda quente veio na sua direcção. Sentiu o embate dessa onda e a casa abanou e tremeu, três quartos das telhas do telhado caíram como se estivesse a chover, e todas as vidraças das janelas estilhaçaram-se.

Um bombardeiro americano B-29 tinha largado uma bomba atómica pela primeira vez na história. Apelidada de « Little Boy », a bomba atómica destruiu 2/3 dos edifícios de Hiroshima, matando um número estimado de 140,000 pessoas, cerca de 1/3 da população da cidade – acrescentou-me o padre Klaus.

Ele quis no entanto investigar o que tinha acontecido, e por isso subiu a um monte atrás da referida residência para olhar para a cidade. Viu Hiroshima em chamas.

O céu estava claro, mas súbitamente apareceram nuvens negras e começou a chover. Era uma uma chuva preta. Estava empapada de cinzas, que caíam com a chuva como sedimentos – contou-me Klaus.

Regressou à residência dos jesuítas, aonde tinham começado a chegar os primeiros feridos da cidade. Luhmer viu imensas pessoas com a pele em farrapos pendente dos ossos, o tecido das suas roupas parcialmente colado à pele por causa do calor.

Os Jesuítas transformaram a mesa de jantar em mesa de tratamentos e começaram a cuidar daqueles a quem ainda podiam socorrer.

Klaus e um grupo pequeno de outros padres partiram para a cidade, encontrando pelo caminho multidões de feridos caminhando em todas as direcções.

O centro de Hiroshima oferecia um espectáculo aterrorizador. Fogos por todo o lado, casas e lojas desmantelando-se, com os mortos e feridos no meio das ruínas.

Luhmer recorda-se de ter visto umas dezenas de soldados fardados, pedindo por água para aliviar os seus corpos semi-queimados. Conseguiram ajudá-los, pois havia um poço muito perto – acrescentou-me.

Luhmer e os seus colegas fizeram o que podiam, trabalhando árduamente no meio das ruínas durante dois dias. Depois, os militares japoneses, selaram a cidade, enviando soldados para se ocuparem do vasto número de mortos.

Disse-me que os militares tinham como missão, retirarem os cadáveres dos escombros e atirá-los para uma enorme pira, regá-la com petróleo e pegarem-lhe fogo. Isto foi o que fizeram aos milhares de cadáveres : foram tidos como desaparecidos !

A residência dos jesuítas estava suficientemente longe do sítio aonde a bomba atómica detonou o que lhes permitiu sobreviver.

Os padres regressaram à sua casa para continuarem a missão de ajudar os feridos. Uma rapariga muito jovem a quem ele ensinava piano, veio dizer-lhe que o pai tinha morrido.

Luhmer quis poupar a viúva a uma tarefa terrível e por isso pegou em madeira e paus e fez uma pira funerária, queimando o corpo do homem. Disse-me que nunca mais esquecera o cheiro nauseabundo que pairou no ar.

Recordou-me que no dia seguinte, os Estados Unidos da América, lançaram uma segunda bomba atómica sobre Nagasaki, matando cerca de 150.000 pessoas dos 240.000 habitantes da cidade.

O Japão sem mais delongas, assinou a sua rendição e a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim.

Terminou a nossa conversa contando-me que visitou um idoso japonês que se encontrava gravemente doente na cama e que sofria de terríveis dores. Desejou consolá-lo. Cheio das melhores intenções, disse-lhe: "Deus testa com sofrimento a quem ama!" Ao que o velho homem retorquiu, cheio de dores: "Sim, mas agora, neste instante, eu desejaria que Deus amasse outra pessoa!"

Muitas vezes usamos frases feitas ou procuramos explicações para o sofrimento de um justo mas não chegamos ao fundo da questão.

Um abraço do teu muito afeiçoado

Luis Bernardo

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