quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

o jantar no Clube da minha empresa (fim)


No Clube da minha empresa aonde se realizou o jantar que me ofereceram havia um menu variado que ia sendo degustado à volta de uma mesa redonda com um vidro que rodava para nos irmos servindo. Foram-me explicando cada prato que vinha chegando servidos por chinesas engraçadas e vestidas de seda com cores garridas.

Os pratos de peixe e crustáceos de distintos sabores são habituais na cozinha chinesa, caracterizando-se pelo seu sabor doce. Os pratos mais estranhos que constavam do menu eram as ovas de caranguejos com barbatanas de tubarão, e quanto às carnes, o frango com molho de Dezhou. Destacava-se, também, o pato lacado à moda de Pequim com oito tesouros e as tiras de enguia.

Começou o desfile de pratos que fomos experimentando:

Caranguejo cozido no vapor, seguido de um peixe em forma de esquilo. O peixe é frito, servido no molho e a pele é crocante e a carne é fina. Tem sabor agridoce.

Depois uma sopa de bolinhos de peixe. A sopa é de aparência clara, os bolinhos são brancos, muito finos como se estivessem envoltos numa película e lisos. A sopa é feita com toucinho fumado, cogumelos, raízes de bambu e ervilhas.

A seguir vieram uns crepes da primavera. São fritos, e são feitos com legumes numa capa de farinha de trigo. Tradicionalmente, servem-se na primavera. Hoje em dia, são comidos em todas as estações com um molho agridoce.

Trouxeram tigelas de arroz frito com toucinho fumado, ovos, camarão e legumes.

A seguir vieram os bolinhos de arroz recheado – e explicaram-me que há 2200 anos, quando os invasores chegaram à China e o pai de um poeta famoso se suicidou, o filho atirou-se rio Yang Tsé. Para que o dragão não o comesse, os chineses fizeram bolinhos de arroz que atiravam para o rio.

Serviram um Tofu recheado – contaram-me que o fundador da dinastia Ming (uma das mais estáveis e autocráticas dinastias chinesas), passou fome quando era jovem. Um dia bateu à porta de uma senhora para pedir comida. A senhora serviu-lhe restos de tofu, recheou-os com carne e juntou verduras cozidas. O prato ficou tão saboroso que permaneceu na memória do jovem. Ao tornar-se imperador, ordenou que a iguaria constasse do menu real.

Com grande aparato apresentaram os camarões-trovão – que são camarões com molho de tomate pouco apimentado. Quando postos em cima de um triângulo crocante de arroz, a mistura faz como se fosse "o som do trovão e chuva".

A terminar foram camarões cinza (de oito a dez centímetros) sem casca, temperados com sal, pimenta e amido de milho. Depois de fritos servem-se com saqué chinês e cebolinho.

O prato mais imponente foi um pato lacado que foi trinchado pelo cozinheiro à nossa frente e servido com os crepes habituais, cebolinho e o molho do costume. Uma iguaria dos deuses!

Não falando eu mandarim, deixei com generosidade os 14 convivas discutirem interminavelmente entre eles…seguramente temas de grande elevação!

Não resisti, às tantas de lhes contar uma parte das minhas aventuras em Hong Kong, quando lá vivi e trabalhei, passadas com o irmão do último Imperador da China.

Estava no meu gabinete da empresa chinesa aonde trabalhava, no 52º andar de uma torre na Central, quando nessa manhã, ao passar os olhos pelo South China Morning Post, deparei com uma pequena notícia de fundo de página, anunciando a estadia na Colónia, de Pu Jie, o irmão mais novo do último Imperador da China, Pu Yi.

Tinha lido a autobiografia deste último, largamente encorajada por Mao e Zhou Enlai para que a escrevesse, chamada “ From Emperor to Citizen” e visto inúmeras vezes o magnífico filme de Bernardo Bertolucci “The Last Emperor”.

Fui reler tudo quanto tinha nos meus livros e fui comprar mais uns quantos sobre a China Imperial e um dos episódios curiosos que logo respiguei nas memórias foi o de que quando o trouxeram em criança para o Palácio Imperial para ser o companheiro de jogos e de infância do seu irmão o Imperador, numa das suas aulas com o preceptor escocês R.P.Johnston, Pu Yi arremessa um objecto contundente para cima do irmão quando reparou que num dos forros da cabaia de seda de Pu Jie a cor predominante era o amarelo, a qual era tradicionalmente reservada exclusivamente para o Imperador.

Já naquela altura e de tenra idade o seu poder e temperamento eram quase “divinos”!

Na manhã seguinte dirigi-me para o “Lu Kwok” hotel em Causeway Bay. Tinha tido o cuidado de pedir na Livraria aonde comprara na véspera vários livros sobre Pu Jie, que me escrevessem num papel o seu nome em mandarim, o que veio a verificar-se de grande ajuda, pois na recepção do hotel e sem a menor hesitação, indicaram-me o número do quarto e o andar. Confirmei o que já tinha lido, de que desde a implantação do comunismo de Mao, Pu Jie tinha passado a ser mais um cidadão sem nenhuma importância devida ao seu estatuto no passado.

Ainda hoje recordo a emoção que senti ao ousar ir ao encontro de um personagem, pese os acontecimentos políticos que provocaram a sua queda em desgraça, que não deixava de ser descendente de dinastias milenares que governaram o Império do Meio e irmão do último Imperador da China!

Uma vez sentado numa cadeira incómoda de um quarto amplo mas desconfortável, tentava explicar a Pu Jie que era um português que estava temporariamente a trabalhar para uma empresa chinesa relevante em Hong Kong, que tinha lido as memórias do irmão e visto o filme de Bertolucci e que…tinha-se feito um silêncio embaraçante da sua parte, tal como acontecera nos anteriores 20 minutos que me levaram a convencê-lo a abrir-me a porta e a deixar-me entrar para os seus aposentos para uma pequena conversa, depois de lhe ter assegurado que não era jornalista!
Tive a sensação de que se não quebrasse o silêncio estaria fora do quarto nos minutos seguintes, pois era uma cena patética!

Resolvi perguntar-lhe sobre os seus hobbies que tinha identificado na literatura lida e pareceu-me que seria uma introdução mais aceitável e não intrusiva.

Com espanto meu, a cara abriu-se num sorriso mais franco e começou a falar num inglês decente, lento e como que rebuscando na memória os tempos das aulas com o seu preceptor britânico:

- Gosto de fazer birdwatching que para mim é a observação e o estudo dos pássaros a olho nú ou com binóculos. Faço-o através dos dois meios e a estação do ano mais apropriada é na Primavera ou no Outono durante as grandes migrações, podendo-se ver uma grande variedade de pássaros. Nestas alturas levanto-me muito cedo de manhã pois é nestes momentos que os pássaros estão mais activos e os trinados tornam mais fácil localizá-los e observá-los.

Interrompi-o para lhe pedir respeitosamente que me explicasse o que o fazia ter este fascínio pelo birdwatching:

- Tenho estudado com profundidade a provável razão de ser deste interesse em birdwatching e creio que se pode tratar de mais uma expressão do instinto caçador do ser humano ao tentar observar a sua presa bem como a de revelar uma tendência do macho para a sistematização, pois havendo uma maioria significativa de homens em detrimento de mulheres, para estas é mais um exercício intelectual e de desafio do que partilha de informação – explicou.

- Faço-o por uma questão de ocupação do tempo e numa perspectiva mais estética do que utilitária (a de alimentar pássaros). É uma espécie de ciência praticada por cidadãos responsáveis que se preocupam pela protecção do bem-estar dos pássaros e na identificação de potenciais ameaças para espécies raras em risco de extinção.

Fez uma pequena pausa, olhou-me como se me visse pela primeira vez e disse:

- Também me dedico à caligrafia usando caracteres chineses. Este tipo de arte influenciou as pinturas a tinta-da-china e aguarela pois usam o mesmo tipo de utensílios.

- A caligrafia é uma forma de eu expressar uma escrita correcta, concisa, harmoniosa e esteticamente agradável à vista.

- Utilizo o pincel de tinta, a tinta, o papel e o pilão para liquefazer a tinta, considerados como os “Quatro Tesouros para o Estudo”. Para além destes utensílios também uso pesa papéis ornamentados e bases para pousar o papel na minha secretária.

- A parte de cima dos meus pincéis é feita de penas ou cabelo de animais como o coelho, o gamo, o pato, de galinhas, mas há uma tradição curiosa na China de que ao fazer-se um pincel de tinta com o cabelo de um recém-nascido, será uma recordação única na vida para ele, quando for crescido.
Está ligada a uma lenda que narra que um investigador chinês ficou qualificado em primeiro lugar numas provas para a corte do Palácio Imperial dos meus antepassados, usando um pincel personalizado com o seu próprio cabelo de menino.

E o jantar acabou e voltei de regresso ao meu Hotel, para no dia seguinte partir de volta a Lisboa.

1 comentário:

  1. Esta é de facto uma história extraordinária e, que merecia ser partilhada.

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