domingo, 15 de janeiro de 2012

" A ceia dos Cardeais" por Júlio Dantas



Cenário: Uma grande sala no Vaticano – Paredes cobertas de telas, com apainelamentos de talha doirada, mesa onde ceiam os três cardeais: Cardeal Gonzaga (português), Cardeal Rufo (espanhol) e Cardeal Montmorency (francês), sentados à mesa, ceando.

Palavras do Cardeal Gonzaga, na peça de teatro de Júlio Dantas, ao descrever aos 84 anos, o seu amor de infância.

Nem a frase subtil,
nem o duelo sangrento...
É o amor coração,
é o amor sofrimento.
Uma lágrima...Um beijo...
Uns sinos a tocar..
Um parzinho que ajoelha
e que vai casar.
Tão simples tudo!
Amor, que de rosas se inflora:
Em sendo triste canta,
em sendo alegre chora!
O amor simplicidade,
o amor delicadeza...
Ai, como sabe amar,
a gente portuguesa!

Tecer de sol um beijo, e,
desde tenra idade,
Ir nesse beijo unindo o amor
com a amizade,
Numa ternura casta
e numa estima sã,
Sem saber distinguir entre
a noiva e a irmã...
Fazer vibrar o amor em
cordas misteriosas,
Como se em comunhão se
entendessem as rosas,
Como se todo o amor fosse
um amor somente...

Ai, como é diferente!
Ai, como é diferente!"

Esta magnífica peça em uma cena, com vários actos retrata dois aspectos que a mim muito me dizem:

- o requinte gourmet e gourmand, de Suas Eminências. Vê-se o cozinheiro, chamado à sala para ser cumprimentado e homenageado pela excelência da sua cozinha, e em cima da mesa nada faltava desde os vinhos copiosos e generosos, champagnes e licores bem como pratos usuais nas ceias dos Cardeais: caça, peixes e crustáceos fresquíssimos, entradas de grande requinte e finalmente doces e sobremesas de muita variedade temperados por frutas exóticas.

- o nosso Cardeal, mais aberto à franqueza do que os outros, não deixa de expressar a nostalgia dos seus amores de infância, malgré a sua dignidade eclesiástica.

Tenho no Brasil, um amigo cultíssimo com uma excepcional sensibilidade, advogado de sucesso e entranhado nos negócios de grande vulto que me surpreende a cada momento.

Estávamos uma tarde a acabar de almoçar num excelente restaurante em S.Paulo para aonde me tinha convidado, quando, por casualidade e ao referir-lhe a propósito das extraordinárias iguarias que tínhamos saboreado, que deveríamos chamar o chef e bebermos uma taça de champagne com ele em sua honra, oiço com estupefacção o Luiz recitar-me as palavras do Cardeal Gonzaga, que acima reproduzo!

Com tal sentimento e arte no dizer, valorizada pela doçura do sotaque brasileiro, que o ouvi até ao fim em silêncio julgando estar à mesa dos Cardeais!

O Luiz quando acabou estava emocionado!

Há momentos inolvidáveis nas nossas vidas que vêm sem estarmos à espera mas que nunca mais esquecemos!

Por isso, tal como o Cardeal Gonzaga só posso repetir: Ai, como sabe amar,
a gente portuguesa!

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