quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

“Andrei Rublev” de Tarkoviski -filme excepcional


Andrei Rublev é considerado o maior pintor russo de ícones, frescos e miniaturas para iluminuras. Há pouca informação sobre a sua vida. A primeira menção de Rublev é em 1405, quando decorou os ícones e frescos da Catedral da Anunciação no Kremlin em Moscovo.

Na arte de Rublev combinam-se duas tradições: o mais alto ascetismo e a harmonia clássica das formas Bizantinas.

As personagens nas suas pinturas são sempre calmas e pacíficas. Mais tarde, a sua arte tornou-se paradigmática quando se fala em pintura de igrejas e arte icónica.

Um excepcional filme sobre os diversos episódios da vida de Andrei Rublev retrata a difícil vida do povo russo nessa época.

Trata-se de uma biografia não linear de Andrei Rublev, que viveu entre os anos de 1360 e 1430, um período extremamente conturbado da história da Rússia, que sofria com invasões de tribos Tártaras e estava no auge da Baixa Idade-Média.

Acompanhamos, ao longo do filme, a trajectória de Rublev e o aparecimento e desenvolvimento dos seus anseios e das suas dúvidas sobre a fé (Deus), a sociedade russa e sobre a Arte.

Sobressai a tentativa do Artista de compreender o mundo à sua volta, tanto nos aspectos históricos e sociais como também artísticos e estéticos, numa incessante busca pelo conhecimento e pela verdade.

A narrativa do filme é bastante interessante e muito inovadora. É estruturada a partir de oito blocos narrativos autónomos, compostos por histórias não lineares a partir da selecção de faixas temporais.

O Artista pretende decifrar o enigma do mundo, não pelo conhecimento racional (isto cabe à ciência), mas através da Arte e é justamente isso que Andrei Rublev almeja fazer.

Ao longo do filme, Rublev tenta compreender o mundo à sua volta a partir dos três pontos de referência que ele possui: a fé, a crença na sociedade russa e a Arte. Contudo, ao longo da narrativa, ele perde a sua crença nestes três pontos, e só volta a acreditar somente na Arte, quando conhece o jovem sineiro Boriska, no final do filme.

A fé de Rublev é abalada no momento em que as questões e as respostas da teologia cristã não conseguem satisfazer o espírito incessantemente interrogativo e contemplativo.

A sua crença na sociedade e no povo russo é abalada ao presenciar as guerras e as invasões tártaras, na qual um príncipe russo se alia aos tártaros para conquistar o trono do seu irmão gémeo.

Por seu turno, a sua crença na Arte é abalada no momento em que as suas pinturas são destruídas. Rublev perde completamente os seus três pontos de referência no momento em que mata um soldado tártaro. Tinha tirado uma vida, e nada criado, e decide parar de pintar e isolar-se num mosteiro, aonde decide fazer votos perpétuos de silêncio.

Rublev reata a sua crença na Arte, na mais bela cena do filme: “A fabricação do sino”. Ele observa o jovem sineiro Boriska a fabricar um sino: não aceita conselhos e, muito menos críticas, seguindo apenas a sua intuição e espírito criativo. Boriska representa o Artista, o Génio criador.

Boriska tem a capacidade preponderante de apreender as ideias e a realidade das coisas por intuição contemplativa e puramente objectiva, ou seja, a capacidade criativa.

Isto desperta Rublev. O pintor pede para que o jovem o acompanhe: um pinta e o outro faz sinos.

Em “Andrei Rublev”, Tarkoviski realizou uma obra de profundidade filosófica.

Através do personagem Rublev há a discussão do papel do Artista na sociedade e a função da Obra de Arte.

O tsar ao ouvir repicar com um som cristalino o sino feito por Boriska, rejubila e enaltece as qualidades do sineiro, mas este retira-se discretamente e cai de joelhos num pranto, ao lembrar-se do seu avô, o melhor sineiro de toda a Rússia com quem tinha aprendido a Arte e de quem sentia a falta.

O final é sublime: os votos de silêncio que Rublev tinha feito no mosteiro e que nunca tinha falhado, são finalmente quebrados quando afaga a cabeça do sineiro e se lhe dirige, consolando-o.

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