terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Memórias dos meus Natais (parte 1)


A época do Natal - pouco importa a religião que se professe - convida à congregação das famílias e promove encontros e momentos de raro convívio.

Mesmo os mais novos que normalmente andam dispersos nas suas vidas fora de casa, acabam por se aproximar dos mais velhos e durante alguns dias, às vezes só umas horas, ouve-se-lhes as vozes, as opiniões e põem-se mais apuradinhos, ousando até usar uma gravata e um blazer!

Vem isto a propósito das minhas memórias do Natal passado em casa dos meus Avós. Havia grandes celebrações dos dois lados, trocavam-se excelentes e variados presentes e coisa inaudita, havia uma enorme afluência de família.

Somos sete irmãos e sendo os nossos Pais filhos únicos, na minha mais jovem idade consciente, compareciam todos os 4 Avós, 7 Bisavós, uma série de Tios-Avós e alguns Tios-Bisavós, para já não falar da parentela numerosa que vinha a cumprimentos natalícios.

Eu adorava todo este movimento e as ceias de Natal bem como os inumeráveis almoços e jantares nas casas dos Avós dos dois lados da Família que eram de grande qualidade, caprichados e servidos a rigor por muita criadagem.

Era um deslumbramento para os olhos e para o paladar: pois eram todos gourmets e gourmands e apreciadores da boa mesa, nacional e internacional.

Não admira que fossem todos os anos, a curas termais a Vichy e a Karlsbad, mas creio que também juntavam o útil ao agradável e seguiam o curso da moda!

Dois episódios que ainda hoje retenho tendo eu os meus 9 anos.

Tínhamos acabado de chegar com os meus Pais ao jantar de Natal em casa dos meus Avós paternos. A figura mais marcante destas celebrações familiares era sempre a minha Bisavó Maria do Carmo, uma Noronha das Índias aonde tinha nascido e só posto os pés na Metrópole em 1940 depois de 400 anos familiares naquelas paragens desde os tempos do seu avoengo Vasco da Gama bem como de outros Vice-Reis, como é sabido que descendem quase todos os Noronhas!

Os primos menos próximos que não eram convidados para o jantar pois não cabiam todos e eram muitos, aproveitavam para depois ao café e licores, virem dar-lhe as Boas Festas.

A Avó Maria do Carmo era muito afável para com os netos e conversadora interessada com os parentes que a visitavam e a quem perguntava pela vida de cada um, estando a par de tudo. Usava, nesses dias de maior solenidade uns vestidos compridos de seda preta (desde que o Avô José Maria morrera - creio até mais pela morte prematura de um meu Tio e seu Filho, de que tinha uma tristeza inconsolável - não mais tirara o luto) com uma gargantilha que me enchia de espanto e curiosidade.

Parece que tinha dentro do medalhão de esmalte com uma fiada de brilhantes à volta do pescoço, umas tranças enroladas do cabelo da sua Mãe. Coisas que se transmitiam de geração em geração! Ainda mais me fascinava saber o porquê!

Naquela azáfama da chegada e dos cumprimentos entre os mais velhos, cotumiços como éramos, passávamos completamente despercebidos.

Eu era nessa altura um pouco tímido e resolvi disfarçar e não falar ao meu Avô. De repente e depois de tudo já mais calmo e sentado, levei um carolo valente com os nós dos dedos na cabeça que me doeu e ouvi a voz zangada do Avô a perguntar-me porque não lhe tinha falado, dando-lhe um beijo, como de costume. Fiquei muito envergonhado, de seguida pedi-lhe desculpa e ouvi-o dizer-me com um ar severo e irredutível que nunca há razões para não se falar seja a quem for. Serviu-me de emenda para o resto da vida!

O segundo episódio, passa-se em casa do meu Bisavô materno no almoço de Reis, ou seja a cada dia 6 de Janeiro. À sobremesa, para além de imensos doces, havia sempre romãs - que eu detestava – mas que comia quando me vinham servir, pois dentro da taça grande de cristal, estavam libras de ouro que o Avô Carlos tirava de um saco de veludo azul e despejava abundantemente de entre as romãs.

Apesar de meter bem a colher no fundo servindo-me em quantidades apreciáveis da detestada romã, vindo bastantes libras de ouro Isabelinas, hélas…tinham que ser devolvidas no fim do almoço e repostas no saco de veludo.

Ainda vim a herdar umas quantas dessas libras e lembro-me de ao manuseá-las ter sentido uma enorme saudade de tempos de meninice em que o mundo era mundo e rodava sem este frenesim em que já há pouco lugar para estes rituais inofensivos e ricos em simbolismo.

Retomando o fio à meada, num desses jantares de Natal em casa dos meus Avós paternos, a seguir ao jantar fumava-se charutos e cigarros e os homens conversavam entre si, beberricando Porto ou cognacs e whiskies. Eu, de mansinho vinha para ao pé do Avô e ficava a ouvir as conversas, que eram tão interessantes e me despertavam a atenção para tantas coisas que eram novas para mim.

O Tio Luis, irmão do Avô, era Almirante e tinha tido e ainda continuava a ter uma vida fascinante e importante, pois era Secretário da Defesa do Governo de Salazar, colega de curso e íntimo amigo do Presidente da República Américo Tomás e sendo também Engenheiro Hidrógrafo tinha feito o levantamento da costa de Moçambique no navio hidrográfico do tempo da Monarquia.

Eu pedia-lhe repetidas vezes que me contasse a aventura dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral na travessia aérea do Atlântico, pois o Tio Luis tinha sido um dos dois oficiais jovens e ainda como Guarda Marinha, que os acompanharam na visita triunfal ao Brasil.

Por outro lado fora nomeado oficial-general às ordens do Rei da Tailândia aquando da sua visita a Portugal e recebera como agradecimento do monarca, a mais alta condecoração do Sião, com honras de príncipe, lá. Veja-se a fotografia em que se vê o Tio Luis, preparando-se para beijar a mão à Rainha a quem fora apresentado pelo Rei Blumipol.

(continua)

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