quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Memórias dos meus Natais (parte 3)




Este é o Avô que eu admirava tanto, com todas as suas virtudes e com os seus defeitos.

Este Avô com olhar de menino, sempre inteligente e atento, mostrando um caminho engraçado de vida, mestre contador de histórias com tantas memórias de um passado variado e oriundo dos quatro cantos do mundo, incutiu na minha vida muitas esperanças, certezas e confiança.

Este Avô alegre e brincalhão, mas também, às vezes, silencioso e pensativo, homem de grande luta e cultura intelectual, sensível e generoso foi uma referência para mim.

Os seus braços aconchegadores que sempre me acolheram, este bom Avô, tinha um grande coração.

A Avó, tão cúmplice e tão admirativa dele, mas com a sua personalidade própria e apesar de condescendente em relação aos seus hábitos sensuais da época, digamos assim, foi uma Mulher extraordinária e muito para além dos costumes do seu tempo, pois jogava golf, ténis, ping-pong, bridge, nadava connosco até fora–de-pé na praia do Monte Estoril, bebia cerveja, montava a cavalo, tendo também desempenhado com brilho e público reconhecimento cargos de direcção na Cruz Vermelha e em outros serviços à comunidade.

Factos: Celorico da Beira, Casa do Paço.

Pormenor: bengala com um aro de prata por mim comprada no “Pinheiro das quinquilharias” em Celorico. Vendia de tudo, era como os “shopping” de hoje….ainda a tenho, claro, e custou-me 50 escudos nessa altura, o equivalente a duas mesadas completas que paguei honradamente a prestações. O Avô, visitava as propriedades de bengala – a dele - não porque precisasse, mas para comodidade e talvez para se encostar de perna traçada quando estivesse cansado.

Cena: jantar de um dia normal na Casa do Paço com os meus Avós e uns primos de Celorico de que nós tanto gostávamos e ainda hoje gostamos dos seus descendentes.

Caldo verde com couves e azeite da Quinta do Tólfão, pão triga-milho, queijo da serra genuíno feito pelos caseiros, cabrito excelente, leite-de-creme inolvidável, tudo acompanhado por tinto da Quinta e o primo narra:

- hoje aqui na Vila não se fala de outra coisa senão do neto do Senhor Engenheiro, tão novinho, mas já de bengala. Ó Manuel, porque andas tu de bengala?

Fiquei encarnado da cor de tomate e engasguei-me. O Avô disse que eu tinha caído num penhasco quando passeávamos no Castelo e que me tinha comprado uma bengala enquanto o “torcegão” doesse!

A conversa seguiu e mudou de curso mas a Roza que servia à mesa, não descansou enquanto do outro lado não me encarou de frente e abriu um grande sorriso cúmplice, desdentado e silencioso!

No fim do jantar, o Avô bebia sempre um porto, tendo antes tomado um whisky, coisa que danava a Avò, mas a que ele nem se dignava replicar e ao pedir-me para o preparar foi comigo até à garrafeira e fez-me uma festa demorada na cabeça!

Eu gostava imenso do meu Avô e nunca mais me esqueci e lá tenho a bengala bem guardada!

Um dia, quando precisar de descansar os meus ossos ruins, é a esta bengala virtuosa que me vou amparar.

(continua)

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