quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Cristalina lucidez

… como no Inferno quando se entra pela porta maldita e se deixa a dita esperança à entrada. Agosto é um bom mês para percebermos tudo.

Milhares e milhares de jovens que não lêem um livro, passam o mês em festivais no meio do lixo, do pó, da cerveja e dos charros.

Milhares e milhares de adultos vão meter o corpo na água e na areia, sem verdadeira alegria nem descanso.

Outros muitos milhares de jovens e adultos nem isto podem fazer porque não tem dinheiro.

No interior, já que não há correios, nem centros médicos, nem tribunais, proliferam as capitais, da chanfana, do caracol, do marisco, do bacalhau, dos enchidos, da açorda, as “feiras medievais” de chave na mão, as feiras de tudo e mais alguma coisa desde que não sejam muito sofisticadas. Não é uma Feira da Ciência, nem Silicon Valley.

As televisões, RTP, SIC e TVI “descentralizam-se” e fazem arraiais com umas estrelas pimba aos saltos no palco, mais umas “bailarinas”, nem sequer para um grande público. 

 Incêndios este ano há pouco, pelo que não há imagens fortes, ficamos pelo balde de água. 

Crimes violentos “aterrorizam” umas aldeias de nomes entre o ridículo e o muito antigo, que os jornalistas que apresentam telejornais com tudo isto gostam de repetir mil vezes. 

Felizmente que já começa outra vez a haver futebol, cada vez mais cedo. 

O governo, com excepção das finanças e dos cortes contra os do costume, não governa, mas isso é o habitual.

A fina película do nosso progresso, cada vez mais fina com a crise das classes ascendentes, revela à transparência todo o nosso ancestral atraso, ignorância, brutalidade, boçalidade, mistura de manha e inveja social. No tempo de Salazar falava-se do embrutecimento dos três f: futebol, Fátima e fado. Se houvesse Internet acrescentar-se-ia o Facebook como o quarto f. Agora não se pode falar disso porque parece elitismo. Áreas decisivas do nosso quotidiano hoje não são sujeitas à crítica, porque se convencionou que em democracia não se critica o “povo”.

Agosto é um grande revelador e um balde de água fria em cima da cabeça para aparecer na televisão ou no You Tube. 

Participar num rebanho, mesmo que por uma boa causa, podia pelo menos despertar alguma coisa. 

Nem isso, passará a moda e esquecer-se-á a doença. Pode ser que para o ano a moda seja meter a cabeça numa fossa séptica, a favor da cura do Ebola.

Assim não vamos a lado nenhum. Como muito bem sabem os que não querem que vamos a qualquer lado.
 
Abrupto – José Pacheco Pereira 

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