terça-feira, 2 de setembro de 2014

A liberdade perdida - Crónicas - Giovanni o siciliano - o primeiro recluso




(foto de Giovanni (1) Giovanni no liceu (2) Don Emilio De Rosa, o Avô, e Giovanni (3) Don Emilio, a Mãe de Giovanni, Donna Emilia De Rosa e o pai, Giacomo ou Giaco Cominelli)


Giovanni tinha nascido na Sicília, de uma família remediada e fora cedo para a escola local. A casa tipicamente da região era composta de uma sala comum com um grande forno de pão e uma chaminé aonde se cozinhava e durante o inverno toda a família se sentava para se aquecer. Havia mais dois quartos de dormir, um o dos pais e o outro de Giovanni e dos irmãos. Uma casade-banho única com uma tina de chumbo e um chuveiro de água fria serviam a família.

O pai, Giacomo - o nome transforma-se em Como e dá origem ao apelido Cominelli -  era conhecido por Giaco, e era um homem austero, comerciante local, com uma taberna limpa e asseada aonde a comunidade dos homens se reunia antes da missa, a que só iam vagamente alguns, acompanhando a maioria da mulheres que compareciam com as crianças. 

A mãe, Emilia De Rosa era filha de um capo da Máfia (Cosa Nostra)

Comia-se bem e farto, pois o negócio de Giaco dava bom lucro e o Avô era generoso e ia dando dinheiro à filha para educar Giovanni, com quem tinha muita cumplicidade.

A Cosa Nostra (também conhecida apenas como Máfia) é uma sociedade criminosa secreta que se desenvolveu na primeira metade do século XIX na Sicília, em Itália. A Máfia é um tipo de crime organizado não apenas activo em vários domínios ilegais, mas também com tendências a exercer funções soberanas - normalmente pertencentes a autoridades públicas - sobre um território específico...

Muitos sicilianos não consideram esses homens como criminosos, mas como modelos ou protectores, uma vez que o Estado foi incapaz de oferecer proteção aos fracos e pobres. 

Por volta da década de 1950, a inscrição fúnebre do lendário chefe de Villalba, Calogero Vizzini dizia que "a sua máfia não foi criminosa, mas manteve o respeito à lei, à defesa de todos os direitos e à grandiosidade de caráter. Era amor." 

Aqui, "máfia" significa algo como orgulho, honra, ou até mesmo responsabilidade social: uma atitude, não uma organização. 

Em 1925, o ex-primeiro-ministro italiano Vittorio Emanuele Orlando reportou ao Senado italiano que se sentia orgulhoso de ser um mafioso, uma vez que essa palavra significava honorável, nobre, generoso.

De acordo com alguns mafiosos, o verdadeiro nome da Máfia é Cosa Nostra (literalmente, "Coisa nossa") que pode ser traduzido como: "Assunto nosso" ou "Nosso assunto". Muitos alegaram que a palavra "mafia" foi uma criação literária. Para os homens de honra pertencentes à organização, não há necessidade de um nome. Os Mafiosos apresentam membros conhecidos a outros membros conhecidos como pertencentes à "cosa nostra" (nossa coisa) ou la stessa cosa (a mesma coisa). 

Apenas as pessoas de fora da máfia precisam de um nome para descrevê-la, daí a forma em letras maiúsculas "Cosa Nostra".

O ritual de iniciação na maioria das famílias acontece quando um homem torna-se membro e depois soldado. O novato é trazido à presença de, pelo menos, três "homens de honra" da família e o membro mais velho presente adverte-o que "esta Casa" tem como função proteger o fraco do abuso do poderoso; e então, fura o dedo do iniciado e pinga umas gotas do seu sangue sobre uma imagem sagrada, geralmente de uma santa. 

A imagem é colocada na mão do iniciado e é acesa com fogo. O novato deve aguentar a dor, passando a imagem de uma mão para a outra, até a imagem ser consumida por completo, enquanto promete manter a fé aos princípios da "Cosa Nostra", jurando solenemente "que a minha carne arda como este santo se eu falhar em manter meu juramento". 

Os sicilianos também têm uma lei de silêncio, chamada omertà. Proíbe a homens e mulheres cooperar de qualquer maneira com a polícia ou com o governo, sob pena de morte.

Na sua forma inicial a Cosa Nostra siciliana, denomina cada grupo como famiglia ou Cosca. Cada "família" é organizada da seguinte forma:

No topo da hierarquia está o Capo, conhecido como Don. Por ele passam todas as decisões acerca da família, e recebe uma percentagem dos lucros de todas as operações dos seus membros.

Logo abaixo do Don, está o Sottocapo (Subchefe). Serve como substituto temporário no caso da ausência do chefe e também como intermediário entre este e os outros membros abaixo na hierarquia.
 
O Consigliere actua como conselheiro do Don, e é o único que de facto pode ponderar e aconselhar as acções a serem empreendidas pelo chefe, servindo como uma segunda opinião. Normalmente é um posto ocupado por alguém de muita experiência e perícia para intermediar conflitos e negociações.
 
Subordinados directamente ao Subchefe estão os Caporegimes, conhecidos também como Capitães. Cada um destes, comanda um regime ou uma equipe, que são compostas por soldados e associados. Uma percentagem de todo o lucro obtido por esta equipe é entregue directamente ao chefe da família como forma de tributo.
 
Os Soldati ou Soldados, são o posto básico da hierarquia. São os membros efectivos da organização. São eles os responsáveis por conduzir as operações nas ruas e executar os serviços de maior importância. O requisito básico para se tornar um membro efectivo da família é possuir ascendência italiana completa no caso da Cosa Nostra siciliana.

Os Associados são os membros externos da organização. Embora não façam oficialmente parte da família, actuam como colaboradores dos seus membros efectivos. Dependendo da sua influência e poder, o associado pode actuar inclusivé junto dos postos mais altos da hierarquia de uma família.

Ora o avô materno de Giovanni, de nome Don Emilio de Rosa, tinha sido um importante Capo na região de Palermo pelo que a sua família era intocável.

Don Emilio tinha modernizado os dez mandamentos da Cosa Nostra, resumindo-os aos seguintes princípios:

1. Ninguém se pode candidatar directamente através de algum membro. Deve sempre ser proposto por intermédio de um terceiro.
2. Nunca podem olhar/envolver-se com as mulheres dos seus companheiros.
3. Nunca podem ser vistos com a polícia.
4. Não podem ir a bares nem a discotecas.
5. Estar sempre à disposição da Cosa Nostra é um dever - mesmo quando as mulheres estiverem a dar à luz.
6. Os compromissos devem sempre ser honrados.
7. As esposas devem ser tratadas com respeito.
8. Quando for solicitada uma informação, a resposta deve ser sempre a verdade.
9. Não podem apropriar-se de dinheiro pertencente a outras famílias ou outros mafiosos.
10. Diversos tipos de pessoas que não podem fazer parte da Cosa Nostra: qualquer indivíduo que tenha um parente próximo na polícia; qualquer um que tenha um parente infiel na família; qualquer um que se comporte mal ou que não tenha valores morais.

E assim, Giovanni foi educado secretamente para se tornar, quando fosse um homem, num activo membro da Cosa Nostra para honrar o nome do avô.

(continua)

Sem comentários:

Enviar um comentário