domingo, 21 de novembro de 2010

O outro EU


Para Nietzsche, tudo é máscara, tudo é representação e, assim sendo, até mesmo aquilo que alguns definem como sendo “essência” nada mais é do que uma máscara, como qualquer outra.

Isto é fácil de verificar, na medida em que o tempo passa e aquilo que defino como “real” em mim mesmo, muda. O Manel de 1980 não é o mesmo Manel de 2010, em quase nenhum sentido, nem mesmo fisicamente falando. Estes dois Manel só são os mesmos na medida em que eu confirmo ter sido aquele de 1980.

Alguns argumentam que há uma “qualidade essencial” que permanece. Particularmente, já acreditei nisso, mas estou inclinado a duvidar. Quando pergunto que qualidade é essa que permanece, os sustentadores da ideia da essência não sabem definir ou usam termos de significado amplo, tais como “espírito”, “alma”, etc. Pois bem, se a essência é indizível, então ela não-é, na medida em que tudo o que é humano é interpretável.

Desde que me considero gente, irritam-me os despertadores. Se porventura acordo com o barulho de um despertador, fico logo mal disposto. Entretanto, percebi que quanto mais chato era para mim o som de um determinado despertador, maior era a minha tendência para acordar espontaneamente cerca de dois minutos antes de ele soar. Ao que parece, uma parte de mim resolve poupar-me ao incómodo de ouvir aquele som desagradável, acordando-me antes do barulho se produzir.

Durante muito tempo, diverti-me imenso com este fenómeno sem encontrar uma explicação plausível para ele.

Chamava-me a atenção o facto de que, apesar de existir um EU que precisa de dormir e que usa um instrumento para o acordar numa hora certa, um EU que precisa de um relógio para saber a passagem do tempo, havia também um OUTRO EU que aparentemente nunca dormia, e mais do que isso um OUTRO EU capaz de contar os segundos e os minutos, para realizar um trabalho: acordar-me cerca de dois minutos antes do despertador soar.

Este OUTRO EU que nunca dorme assustava-me pela exactidão com que actuava e pelos poderes que demonstrava.

Pode-se assim achar que o EU não relaxa e dorme superficialmente, angustiado com a expectativa do toque do despertador.

Mas não é o que efectivamente se passa. O sono daquilo que defino como sendo o EU, é profundo e reparador, e quanto mais profundo for o sono [ou distracção] deste EU, maiores as hipóteses do OUTRO EU actuar com impecável exactidão.

Obviamente, esta é uma experiência pessoal. Não estou aqui a dizer que o inconsciente de toda gente elimine a necessidade de despertadores. Contudo, o inconsciente é não apenas existente, mas, sob diversos aspectos, muito mais “consciente” do que aquilo a que chamo de EU.

No entanto o inconsciente não é a parte mais profunda do EU. O inconsciente é o OUTRO EU. E mais: ele não pode ser “mais profundo”, pois está sempre à superfície. Este OUTRO EU manifesta-se em palavras que nos escapam, em actos falhados.

O inconsciente está sempre à superfície.

1 comentário:

  1. Se aprendermos a escutar-nos, damos mais vezes voz ao nosso inconsciente. E ele tem tanto para nos revelar e ensinar!!!
    Abraço

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