sábado, 12 de abril de 2014

Primeira viagem a Angola - Encontro com Savimbi - Parte II



Quando saí de Genève e no regresso a Lisboa, cogitei sobre a responsabilidade de tal compromisso. Passou depressa o temor, pois nestas idades a ambição e uma certa temeridade rapidamente insuflam o espírito de aventura e desafio que há em nós.

Dividi o trabalho em três partes: a vertente angolana, a portuguesa, e a americana.

Reflecti sobre quem poderia contactar para me introduzir junto do Presidente José Eduardo dos Santos e ocorreu-me de imediato o meu sócio principal do escritório de Advogados, o António. Tínhamos uma rede europeia em parceria com a Stanbrook & Partners de Bruxelas, e o António desde há muito era consultado como jurista pela nomenclatura angolana. Tinha por isso excelentes contactos.
 
Fez-se uns telefonemas, mandaram-se uns faxes confidenciais e após um pedido para eu enviar um memorando sobre o que se pretendia, veio a luz verde, dizendo o Presidente dos Santos que aguardava a nossa visita, quando o trabalho estivesse pronto. Foram diligências imprescindíveis e só foram coroadas de êxito devido ao respeito e consideração que nutriam pelo valor, competência e rigor do António.

Esta notícia alegrou muito os USA, o Príncipe, bem como o Avi e a sua gente. 

Comecei a trabalhar na segunda vertente, ou seja, conhecer quem seria o Embaixador americano que nos acompanharia a Luanda, quais as propostas que a sua agência de lobbying tinha negociado no Capitólio como metas, prioridades, programa a apresentar e quais as instruções que o Presidente Bush tinha dado ao referido Embaixador, como seu representante qualificado, para negociar uma mudança do apoio americano às eleições em Angola, com vista a uma alternância do suporte até ali prestado ao Presidente Savimbi. 

O prazo para a data das eleições corria apressado, por isso teríamos que nos sentar todos em conjunto uns meses antes, estudar previamente os relatórios elaborados por cada parte, comentá-los e adaptá-los à realidade local, sem fantasias nem ingenuidades, tão típicas tantas vezes da política externa americana.

Fiz uma primeira viagem a Luanda e fiquei hospedado na Embaixada de Portugal, a convite do meu amigo João, que nessa altura era o diplomata acreditado junto do Governo de Angola. Recebeu-me com uma amizade e amabilidade inexcedíveis e senti-me completamente protegido numa Luanda a ferro e fogo.

Havia outro, porém, o Embaixador António Monteiro, que era o Chefe da Missão Temporária de Portugal junto das Estruturas do Processo de Paz em Angola e representante junto da Comissão Conjunta Político-Militar, em Luanda.

De ambos tive preciosa ajuda pelas análises coerentes, fundamentadas e fidedignas que possuiam e que sem rebuço puseram à minha disposição.

Encontrei-me também com o meu amigo, Manuel Lamas de Mendonça que estava como Administrador da Fábrica da Tabaqueira em Angola, mas que tinha excelentes ligações locais que me apresentou e que me foram muito úteis.

Sem alarido e com a maior discrição, tive uma reunião com o Presidente Savimbi, a pretexto de apresentar-lhe um grupo de empresários americanos que queriam investir no imobiliário no centro de Luanda, em valores para cima de US$ 150 milhões. A justificação para a visita era a de sondar como encarava Savimbi a presença de americanos em Angola, e como estava de “humores” e expectativas em relação ao resultado das eleições.

Recebeu-me com arrogância tendo sido, inclusive, desagradável ao dizer-me em frente dos clientes americanos:

- Mas o Senhor julga que isto (Angola) ainda é vosso? 

Eu respondi-lhe friamente, mostrando-lhe o meu passaporte e dizendo-lhe que ao ter um visto de entrada, demonstrava bem o meu estatuto de estrangeiro.

Depois perguntou-me se eu já tinha ido à rua das “doleiras” (uma das avenidas no bairro de Miramar, aonde estavam sentadas num passeio de pernas abertas, mulheres angolanas tendo numa mão cuanzas e noutra dólares americanos que transacionavam no mercado paralelo, numa perfeita uniformidade de taxa de câmbio que variava por igual em todas e em simultâneo).

 Respondi a Savimbi que sim e ele sem hesitação disse-me que “os americanos vão-me dar 50 a 60 milhões de dólares para me apoiarem nas eleições, por isso veja só quantos cuanzas vai dar para comprar muitos votos”!

Nessa manhã tinha precisado de trocar US$100 e o João emprestou-me o carro da Embaixada com o chauffeur que me levou às ditas “doleiras”, tendo obtido uma generosa taxa de conversão. Confirmei por isso o que Savimbi me quis transmitir.

Não fiz comentários e passados uns minutos, troquei mais umas impressões sobre a segurança em Luanda e em Angola em geral (com assaltos, mortes e escaramuças diárias e sérias entre as duas forças e não só) mas Savimbi garantiu-me que tinha tudo sobre controlo!

Confirmei o que já tinha ouvido em Portugal, que era muito racista em relação aos Portugueses e um fanfarrão. Tendo sido formado na China terá porventura bebido do fino!

Voltei assim, com um acervo de informação muito importante e interessante que comecei a burilar e a desbravar pois competia-me passar estas informações para Washington e também iniciei a preparação de recomendações estratégicas quanto à abordagem a fazer ao Presidente dos Santos, pois o Embaixador C., contava com a minha sensibilidade lusófona para evitar erros de “casting!

(continua)

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