quarta-feira, 16 de abril de 2014

O bébé de Barry e de Wilma


Barry era um jovem americano, natural do Wisconsin que sempre vivera com a família num rancho, habituado a uma vida sã mas sem grande novidade.

Nunca viajara para fora do Estado e os seus conhecimentos eram um pouco limitados em relação ao mundo exterior ao da América. Via televisão, gostava de sair com os amigos e ir até ao bar do costume aonde bebia umas cervejas, conversava sobre “gajas”, “basketball” de que era fã, não antevendo grandes horizontes profissionais para além de uma hipótese de continuar a explorar o rancho com o pai ou trabalhar num comércio ali próximo.

Frequentava esporadicamente os bailes da escola, sabia usar o laço com perícia nos “rodeos”, namorara várias raparigas da cidade aonde estudara e acabou finalmente por dar o nó com Wilma, uma loira engraçada e roliça, também ela natural da região.

O casamento decorria sem sobressaltos e ambos aceitavam a vida pacata do interior de uma pequena cidade americana, com um quotidiano rotineiro e equilibrado.

Barry empregara-se como vendedor de um supermercado com bastante movimento, era cumpridor dos horários e das tarefas que lhe incumbiam e quando chegava a casa pelas cinco da tarde, metia-se no “jeep” e ia até ao rancho do pai aonde ainda lhe dava uma mão ou no corte da lenha ou na rega do pomar ou no podar das árvores, conforme a época do ano. Trocava uns dedos de conversa com a família e regressava depois a casa. Muitas vezes preparava o jantar, pois Wilma chegava sempre mais tarde.

Quando casaram e começaram a fazer planos de vida para o futuro, Wilma dissera-lhe que gostava de ter filhos e que para tal teriam que trabalhar os dois.

Tinha arranjado um emprego como bibliotecária da Universidade local e por isso o seu horário era até tarde pois tinha que estar disponível para as consultas que os alunos quisessem fazer a publicações ou livros, ou até mesmo ficarem a estudar em recato no silêncio de uma biblioteca, só podendo, portanto, sair depois de todos.

Quando chegava a casa, encontrava quase tudo já organizado por Barry e após jantarem ficavam no sofá a conversar ou a ver televisão e muitas vezes deixavam-se dormitar depois de um dia fatigante para ambos, acabando por se deitarem pelas 11h da noite.

A vida de uma pequena cidade na América é sem grandes programas por isso os habitantes deitam-se e levantam-se cedo e Barry e Wilma não fugiam à regra.

Fora ao médico sem dizer nada a Barry pois começara a sentir uns enjoos frequentes que a faziam ter mais sono, menos concentração no trabalho e notara que apesar de ter cuidado no que comia para se manter “fit”, o seu corpo começara a tomar umas formas mais pronunciadas.

O médico mandara-a fazer um teste de gravidez e o resultado foi peremptório: estava grávida de 3 meses.

Barry ficou radiante e anunciaram aos amigos e família o futuro nascimento e a gravidez foi-se passando com normalidade e sem problemas.

Perto já do fim, compraram o enxoval para um bebé do sexo masculino, pois o médico na ecografia que lhe fizera uns meses antes anunciara-lhes que seria um rapaz e por isso aguardavam com expectativa e tranquilidade o feliz acontecimento.

Wilma já se mexia com dificuldade e Barry acompanhou-a à consulta do último exame de rotina, até porque queria rever as instruções com o médico antes de assistir ao parto.

Barry seguia com atenção num pequeno écran o explorar da barriga de Wilma com o scanner e tanto ele como o médico repararam que a posição do bebé tinha já dado a volta e estava de frente para ambos. No entanto, observaram uma mancha nítida, como se fosse um símbolo no peito da criança, o que surpreendeu muito o clínico e deixou os pais algo preocupados. Parecia que eram umas letras gravadas.

Quando saíram do hospital e após terem sido tranquilizados pelo médico, não voltaram a pensar mais no assunto até porque lhes tinha sido dito que às vezes com as voltas dentro do útero e aparentando o rapaz ser de bom porte, ficavam agarrados aos bébés vestígios de impurezas do corpo da mãe pela exiguidade do espaço. Uma vez cá fora saía tudo!

Barry estava muito compenetrado no seu traje asséptico de marido assistente com uma máscara na boca para não conspurcar a higiene da sala de partos e dava a mão a Wilma que já tinha começado com contracções e já levava algum tempo de trabalho de parto.

O médico dissera-lhes que como o bebé estava bem posicionado poderia nascer de parto natural sem ser preciso nenhum recurso a anestesias epidurais.

Todos animavam a parturiente e Wilma respirava com força e empurrava para fora a cabeça do bebé que a partir de certa altura começou, como de costume, a sair com mais desenvoltura puxado pelas mãos do clínico que ajudava à expulsão.

Os olhos de Barry não descolavam desta tão espinhosa mas ao mesmo tempo única experiência e quando num esforço final Wilma dá um grito maior e respira mais fundo, o bébé, é expelido e retirado pelo médico para fora do corpo da mãe.

Depois de cortado o cordão umbilical e de aspirado das impurezas, ouvido o primeiro choro em consequência da respiração extra-uterina, a enfermeira pôs o bebé nú em cima do corpo de Wilma de cabeça para baixo para que ela o sentisse e o anichasse entre os seus braços cansados.

Na sala de parto, olhavam todos com desvelo para esse momento habitual do rito dos nascimentos – o encontro do filho com a mãe – e após alguns momentos a azáfama própria de desembaraçar Wilma do após parto começou a ser efectuada pelo pessoal de enfermagem de serviço.

O médico pegou então no bébé e ao aproximar-se de Barry para o mostrar de perto, virou-o para a frente e de súbito e com a maior surpresa dos circunstantes, notaram que tinha um símbolo marcado no peito: o tal da ecografia de meses antes a que não tinham prestado mais importância!

Era só e mais nada que o Super- Homem!

MNA

3 comentários:

  1. Não resisto a dizer-lhe... numa escrita simples e bem feita, uma gargalhada contida pela graça que tem o texto no seu total: Prazenteiro no decorrer e subversivo no final.
    Ah, Manuel!! É mesmo seu. Gostei!
    Beijinho,
    Isabel

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  2. Muito obrigado. Esta foi uma sua visita Régia ao meu blogue, com tantos comentários.
    Sou um pouco piroló, eu sei, mas nem calcula como me dá prazer escrever. Escrevo para ocupar o tempo, uma espécie de prevenção para o Alzheimer...apesar disso posso vir a tê-lo, mas dá-me imenso prazer e nem me preocupo se vou ter destinatários contentes ou de acordo com o meu estilo. Juro mesmo! Claro que tomo em atenção á forma, à morfologia e sintaxe, mas por apuramento inato. Faço parte de um Clube selecto que para além do nome principal por que é conhecido, se chama "apuramento da raça cavalar"...rio-me sempre muito.

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    1. Acho que, com estes anos já nos vamos conhecendo... e é giro ver como nos damos a conhecer um pouco na congruência do tempo.
      Acho que faz muito bem em ocupar esse tempo escrevendo. Só me parece às vezes que, com a sabedoria que tem, podia fazer algo mais extenso que viesse a publicar, porque não? Mas aprecio o seu estilo aqui no blog, de quem vai dizendo coisas sérias, brincando e brincando dizendo coisas sérias... ou, a forma como está atento... e o muito que terá para dizer, com a honestidade que lhe é habitual...
      ...este texto achei graça... precisamente porque se vê que foi escrito de forma escorreita, como um passatempo de que gosta e sem se importar com os destinatários... ou brincando com eles, de alguma forma. Daí o prazenteiro e subversivo!
      Beijinho Manuel. Continue LIVRE e FIEL a SI MESMO!!! É bom e GOSTO.
      Obrigada,
      Isabel

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