domingo, 27 de abril de 2014

O que Distingue um Amigo Verdadeiro

Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar — todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas pessoas.

Os amigos, como acontece com os amantes, também têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para se ser amigo de alguém, chega a ser preciso ser-se inimigo de quem se gosta.

Em Portugal, a amizade leva-se a sério e pratica-se bem. É uma coisa à qual se dedica tempo, nervosismo, exaltação. A amizade é vista, e é verdade, como o único sentimento indispensável. No entanto, existe uma mentalidade Speedy González, toda «Hey gringo, my friend», que vê em cada ser humano um «amigo». Todos conhecemos o género — é o «gajo porreiro», que se «dá bem com toda a gente». E o «amigalhaço». E tem, naturalmente, dezenas de amigos e de amigas, centenas de amiguinhos, camaradas, compinchas, cúmplices, correligionários, colegas e outras coisas começadas por c.

Os amigalhaços são mais detestáveis que os piores inimigos. Os nossos inimigos, ao menos, não nos traem. Odeiam-nos lealmente. Mas um amigalhaço, que é amigo de muitos pares de inimigos e passa o tempo a tentar conciliar posições e personalidades irreconciliáveis, é sempre um traidor. Para mais, pífio e arrependido. Para se ser um bom amigo, têm de herdar-se, de coração inteiro, os amigos e os inimigos da outra pessoa. E fácil estar sempre do lado de quem se julga ter razão. O que distingue um amigo verdadeiro é ser capaz de estar ao nosso lado quando nós não temos razão. O amigalhaço, em contrapartida, é o modelo mais mole e vira-casacas da moderação. Diz: «Eu sou muito amigo dele, mas tenho de reconhecer que ele é um sacana.» Como se pode ser amigo de um sacana? Os amigos são, por definição, as melhores pessoas do mundo, as mais interessantes e as mais geniais. Os amigos não podem ser maus. A lealdade é a qualidade mais importante de uma amizade. E claro que é difícil ser inteiramente leal, mas tem de se ser.

Miguel Esteves Cardoso

3 comentários:

  1. FANTÁSTICO TEXTO!!! Fantástica reflexão!
    Dói, mas é mesmo verdade... se bem que, dos AMIGOS, esses pouco que existem e de que somos, ou nos são VERDADEIROS AMIGOS, podemos e devemos também dizer-lhes que não concordamos, que não estamos coniventes... sem deixar de gostar deles e de procurar chamá-los à razão. Aquela que é a nossa..., claro!... o nosso ponto de vista... que pode estar errado para o outro também...
    Mas acho que me entende.
    Apenas, neste vir aqui com tempo, como outro dia fiz no blogue da Zilda, fez-me repensar algumas coisas que são mesmo importantes de serem repensadas... porque estou com tempo... esse bem precioso que usamos tão mal e que às vezes surge sem que estejamos à espera, porque obrigatoriamente temos de parar...
    Beijinhos e saudades Manel.
    Obrigada.
    Este texto foi mesmo muito importante para mim.
    Isabel

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  2. Obrigado pelas suas sempre lúcidas e amigas reflexões. De facto nem sempre é fácil gerir o afecto: pode estar toldado por teias de aranha que impedem o coração de bater livremente e a razão de temperar o sentimento.
    Mas quando se tem bons AMIGOS, é tão mais confortável a serenidade de nos sentirmos amparados, acompanhados, tantas vezes até à distância com uma palavra, um silêncio.
    Difícil que deve ser para quem não exerce a prática de gostar e de ser amigo.

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  3. A amizade e´um sentimento muito, muito importante e precioso.
    É preciso saber cultivá-la.... regá-la... apreciá-la, mantê-la viva e acesa por mais que a distância, relativamente a um amigo, naõ deva ser impedimento para tudo o que falo.
    Mas de facto, ás vezes é precisamente com os amigos de quem mais gostamos que temos atitudes de algum aparente desleixo...mantendo maiores distâncias, estupidamente, nesse alimentar das relações e sentimentos que aparentemente parece não ser preciso...
    Dai, ter achado tão importante a reflexão a que leva este texto.
    Temos mesmo que dar o devido VALOR e ATENÇÃO aos AMIGOS... esses de quem mais gostamos e que se contam pelos dedos das mãos...
    beijinho, Manuel. Obrigada

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