sábado, 5 de dezembro de 2015

O SIDE-CAR DO PENINHA

O SIDE-CAR DO PENINHA


O Peninha hoje resolveu passar a tarde a apanhar sol junto ao rio. Meteu-se na sua moto com side-car, convidou o amigo invisível para poder conversar um pouco. Estava numa de troca de ideias e apetecia-lhe que alguém respondesse às suas perguntas: sim, porque tinha uma dúzia delas para fazer.

Capacete de coiro à aviador do princípio do século, uns óculos de motoqueiro por causa do vento, luvas de lã beijes, umas calças de bombazina amarelas torradas e umas meias-botas castanhas de pele fina de côr de mel. Um cachecol de cachemira amarelo para confortar do frio, que rodeava o pescoço e que saía do casaco de camurça acastanhado.

A caminho cruzou-se com um grupo de raparigas num descapotável que lhe acenaram excitadas pois a sua figura era deveras atraente e invulgar.

Chegado á beira-rio, parou a moto junto ao paredão, com vista directa para a ponte, os barcos à vela, as gaivotas, os pescadores e todo um mar de gente que passeava para trás e para a frente. Julgou reconhecer alguns ex-ministros, e inclusive PPC e PP que juntos caminhavam braço no braço e a rirem. 

Deixou-se estar sossegado num canto abrigado. Aqui vão as primeiras perguntas, para tu responderes, se faz favor, meu amigo invisível:

- Achas que sou feliz?
- O que pensas do meu futuro?
- O que fazer para mudar a minha vida?

O amigo invisível, óbvio que não queria ser antipático e por isso escolheu responder por metáforas.

Quanto à primeira pergunta lembro-te o nosso velho amigo Alberto Caeiro que diz….

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...

Quanto ao teu futuro, ainda acho que vais a tempo, mas escuta o aviso do Cassiano Ricardo, que das terras de Vera Cruz, apela à tua atenção…

Gastei o meu futuro
em coisas que não fiz.

A tarde é quase humana
quando em mim pousa. A tarde
atrozmente enfeitada
de cores, ainda arde;
porém, já não me engana.
É tarde. É muito tarde.

Só haveria um remédio.
Era o de ter prestado
mais atenção à vida.
Era eu ter consultado
mais vezes o relógio
Era o eu ter querido
mais a ti do que quis.

Mas gastei meu futuro
em coisas que não fiz.
É tarde. É muito tarde.

Finalmente para mudares a tua vida, a Martha Medeiros, num linguajar tão rico, dá um bom conselho…

Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender... praticamente tudo.

Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito "sabe-tudo". Pois é. E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia?

As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações, há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância. Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral. Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o simples apertar de uma tecla. Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender.

Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso pensamento: em vez de acreditar em telepatia,é melhor acreditar no poder da nossa voz. Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os dias passam cheios de oportunidades.

A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.

E aqui tens, Peninha, alguns bons pensamentos.

Peninha, avistou de novo PPC e PP, e com atrevimento aproximou-se julgando não ser reconhecido, mas foi imediatamente saudado com efusão pelos dois.

- O que fazes por aqui? – perguntaram.

Peninha vinha com uma engatada e lançou-lhes:

-  É próprio das censuras violentas tornar credíveis as opiniões que elas atacam. Era o que queriam nos vossos discursos?

-  Sem a liberdade de censurar não há elogio lisonjeiro. – respondeu PP.

- Não devemos julgar os méritos de um homem pelas suas boas qualidades, e sim pelo uso que delas faz. – respondi-lhe.

- A confiança que temos em nós mesmos, reflecte-se em grande parte, na confiança que temos nos outros. – confia PPC.

Seguiram em frente no passeio à beira-rio e eu voltei à minha moto e virando-me para o meu amigo invisível disse-lhe:

- Raramente conhecemos alguém de bom senso, além daqueles que concordam connosco.

E com um barulho ensurdecedor do motor da moto, o Peninha arrancou para passar em frente da Torre de Belém e virando-se para o amigo invisível largou-lhe esta frase do Bukowsky:

- Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.

Brum brum brum

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