domingo, 23 de setembro de 2012

Episódios picarescos da viagem oficial à Serra Leôa convidado pelo Presidente e Governo (parte 1)





Recebi um ofício em papel timbrado do Governo da Serra Leôa, convidando-me para visitar oficialmente o país.

Vinha, porém, numa nota de pé de página uma frase que me deixou abismado, ainda que divertido: “ It is well understood that all costs, including travel, lodgement and per diem allowance shall be borne by Your Excellency “ ( fica bem claro que todas as despesas, incluindo as de viagem, alojamento e de alimentação serão suportadas por V. Exª)!

Aqui estava eu, Cônsul Geral em Portugal a ser convidado pelo Presidente Joseph Momoh e pelo Governo a visitar a República da Serra Leôa, que eu representava em Portugal, à minha custa!

Eu era o único representante diplomático no nosso país, pois a Embaixada, neste caso uma High Commission, estava situada no Reino Unido, em Londres por ter sido, antes da independência, membro da Commonwealth.

O High Commissioner ou o equivalente a um Embaixador mas com mais amplas funções e de maior importância era de quem eu dependia directamente e neste caso, por ser na Côrte de Saint James, eram escolhidos antigos Ministros ou figuras de relevo no país.

No convite, que recebi através de nota diplomática via Ministério dos Negócios Estrangeiros, vinha o desejo do Presidente Momoh trocar mensagens de cordialidade e de estreitamento de relações com o Presidente de Portugal, que nessa altura era Mário Soares.

O “Exequatur” ou seja a aprovação simultânea da minha nomeação para representante em Portugal tinha sido assinado pelo Presidente Siaka Stevens (um dos mais prestigiados na Serra Leôa), e ratificado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Jaime Gama e assinado pelo Presidente Ramalho Eanes.

Desloquei-me a Belém e tive uma audiência com o Presidente Soares a quem informei da minha visita trocando impressões e falando da Serra Leôa, solicitando que me fosse remetida uma carta sua para entrega ao Presidente Momoh.

Assim aconteceu mais tarde e munido de todos os documentos oficiais, marquei a viagem via Londres através da Sierra Leona Airlines, um verdadeiro risco, mas barata e directa a Freetown, a capital.

Resolvi comprar uma série de presentes para dar, respectivamente, ao Presidente Momoh, ao meu “patrão” máximo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros com quem tinha também uma audiência, ao Ministro da Economia e Finanças com quem ia discutir oportunidades de investimento multilaterais e mais alguns “recuerdos” de reserva.

Dado que era eu que tudo custeava, resolvi levar, para “encher o olho” e impressionar, imitação de filigrana, e fui a uma loja de artesanato português e comprei para o Presidente uma caravela quinhentista grande, para o Ministro dos Negócios Estrangeiros um barril igualmente de tamanho significativo e para o das Finanças um baú com fechadura….um horror tudo isto, mas completamente adequado para os destinatários. Ainda adquiri mais umas pequenas bijuterias de corações minhotos e brincos, não fosse ter que encantar alguma musa local!

Apesar de ser dourado e bastante vistoso e não de ouro verdadeiro, a brincadeira ainda me custou uma “nota”, mas enfim era por uma causa justa!


(continua)

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