terça-feira, 24 de julho de 2012

Torralta (2ª parte) a luta sindical e uma história singela



Descobri rapidamente que tinha famílias de trabalhadores sem receberem salários há meses e uma forte presença sindical : despachava semanalmente com cerca de 70 sindicatos, ou da UDP ou comunistas, capitaneados por um sindicalista membro do Comité Central do PC.
Devo dizer que foi para mim um grande desafio e os trabalhadores sabiam que eu estava ali para os ajudar. O meu “patrão” era o Prof. Cavaco Silva, na altura Primeiro-Ministro. Falava com ele e com o Dr. Alexandre Relvas e procurava-se uma solução para um passivo gigantesco de milhões, com suspeitas de grandes trafulhices ao longo dos anos.
O tal sindicalista “chefe”, inteligente, bom negociador, provocador e duro obrigava-me a discussões de um homem só contra 70 na sala grande de reuniões da Administração à volta de uma mesa, raivosos, impacientes e sem ordenados, sem futuro à vista e com toda a razão para estarem contra o que eu representava. As sessões demoravam horas e eu saía de lá de rastos, cansado, sem soluções rápidas como a situação exigia. Eram no entanto, humanos e respeitavam-me, mas os tempos eram de luta sindical e eu estava do outro lado.
Tinha um telefone directo e com um número confidencial a que o dito líder sindical tinha acesso. No fim das reuniões, telefonava-me a consolar, a louvar e a dar-me o seu apoio e quando eu lhe perguntava furioso, porque não tinha feito isso em público e na reunião em frente dos outros representantes sindicais, respondia-me que era assim que tinha que ser. Foram tempos de aprendizagem, de conversas políticas profundas e de discussões dialéticas mas infelizmente, sozinho, pois o Conselho de Administração entregara-me o “bébé” nos braços e não aparecia em Tróia. Só na sede e mensalmente para as reuniões do Conselho. Portaram-se todos como uns canalhas!
Obviamente que como Presidente, apesar de ter negociado com os accionistas o meu salário, estive dez meses sem o receber. O exemplo tinha que vir de cima e por isso eram solidários comigo.
Não elaboro mais sobre esta fase, pois são recordações de tempos muito difíceis, penosos, em que tinha a cada momento que usar de bom senso e de fortaleza para não cair em situações de proporções temíveis. Mas é a vida, apesar de não ser para tudo aquilo que fui contratado, por isso é bem verdade, “aprender, até morrer”!
Conto-vos hoje dois episódios, um de muita graça e ingenuidade e o outro em que desejo provar que o poder gera a solidão.
Existe desde há dezenas de anos, uma Instituição de grande mérito chamada “As Irmãzinhas dos Pobres” com um trabalho altamente meritório a favor dos pobres, na sua sede em Campolide.
Fosse em que sítio fosse em que eu estivesse a trabalhar, entravam pelas empresas adentro e pelos meus gabinetes, duas Irmãs da Caridade de hábito, a pedirem-me uma contribuição anual, que eu honradamente dava. Foi-se criando da minha parte uma grande amizade e admiração pela simplicidade em como encaravam este serviço aos outros e sempre que podia ajudava-as directa e indirectamente.
Lembro-me de me contarem que uma noite a Madre Superiora constatou que não havia pão para o dia seguinte, para os 400 velhinhos, nem muito menos, dinheiro para pagar. Pelas 22h 30m, já noite escura e com toda a gente recolhida, tocaram à porta e a Irmã Porteira foi, admirada, ver quem seria. Sem temor, como ela me dizia depois, porque quem serve os outros de maneira desprendida e generosa, nada tem a temer. Abriu a porta e era uma pessoa que não se identificou e que deixou um envelope, sem mais. Entregou-o á Madre Superiora e verificaram que era dinheiro num montante mais do que suficiente para pagar o pão do dia seguinte. O mesmo aconteceu com o arranjo das caldeiras….uma sucessão de gente generosa que justifica que acreditemos no bem e o tentemos praticar assim, sem alarde!
Vem tudo isto a propósito de no dia em que tomei posse de Presidente da Torralta, tendo sido profusamente anunciado na imprensa e televisão, o meu telemóvel não parou de tocar NUNCA mais, com pedidos de “cunhas” para o reembolso dos títulos de investimento que “meio Portugal” tinha adquirido de boa-fé e que serviam só para “forrar paredes”! Gente graúda e muitas famílias do tempo dos meus Avós, que aplicaram grande parte das suas poupanças, na empresa dos "manos" Agostinho e José Silva.
Ora uma tarde, a minha secretária passa-me uma chamada da Madre Superiora, das Irmãzinhas dos Pobres que, com uma voz alegre e prazenteira e depois de me dar os parabéns, me diz com o sotaque espanholado:
- Senhor Presidente estou tão contente por sabê-lo nesse lugar. (entretanto, já tinham começado os problemas todos que acima refiro, pelo que não entendi a alegada satisfação).
- Finalmente vamos ter desafogo, pois uma benfeitora deixou-nos um legado de 600 títulos que devem valer uma fortuna! Disse isto com tanta candura que suavemente lhe expliquei que a empresa tinha um passivo de 27 milhões de contos e não pagava salários há meses, mas prometi-lhe estudar o assunto. Não entendeu o alcance da minha mensagem e disse que me ia mandar entregar as acções e que esperava que eu lhe enviasse um cheque, depois. Fiquei sem palavras!
Claro que não valiam nada, tanto como as outras e mandei entregar um cheque de 600 contos. Recebo um telefonema da Madre Superiora a agradecer-me mas dizendo-me:
- Só!? 600 contos, é muito pouco para o que contávamos.
Espero ter expiado parcialmente, sem ordenado e com despesas grandes na altura, alguns pecados que possa ter cometido!
(continua)

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