sábado, 24 de setembro de 2011

a sanguínea do Trisavô Brasileiro


Um dos inúmeros quadros que guardo nas paredes da livraria, vulgo biblioteca, do meu monte em Estremoz, é uma sanguínea de um Trisavô.

Habituei-me, como mais velho, a recolher todo o acervo cultural da minha Família ao longo das gerações ( pinturas, retratos a óleo, carvão e a papel, diários, cartas, objectos - objets de vertu -), pois como conheci os meus 4 Avós e muito bem, mais uns 6 Bisavós e outros tantos Tios-Bisavós, tudo me fala e está vivo pelos testemunhos que deles colhi sobre cada uma das peças.

Hoje apetece-me revisitar este meu Trisavô brasileiro, cujos avoengos do Minho da baixa Nobreza foram para o Brasil no princípio do séc.XIX e voltaram de lá feitos Barões e Viscondes e com muito dinheiro. Tratou-se de serviços prestados ao Imperador, ou seja fundos próprios doados à Nação, os quais fruto de um legítimo e vasto património criado com trabalho, dedicação e sabedoria, levaram ao prémio supremo da nobilitação.

Regressado à Metrópole, eis o meu antepassado, rico e já naquela 3ª ou 4ª geração em que a labuta é substituída pelo consumo. Chiquíssimo, vestindo em Paris, com palácios em Lisboa e quintas no Minho, qual Jacinto do Eça, frequenta a alta sociedade, os teatros, as ceias no Tavares, os literatos, as actrizes, as coristas.

Casa-se com uma filha de um Conde conhecido e com gerações para trás de nobreza esclarecida e antiga.

Num dos tais diários herdados, com capa de pele linda e bem rematada, estão várias letras em ouro incrustadas, muito à forma da época. Na zona do meio aparece elegantemente desenhada uma pergunta em espanhol : "Llegaré?" seguido de uma data, e mais abaixo uma afirmação “ Llegué” também com uma data, vários anos depois.

Fiquei intrigadíssimo quando manuseei o referido diário pela primeira vez, e fui-me deleitando ao abri-lo, com o relato dos amores clandestinos, fervorosos e românticos deste meu Trisavô brasileiro com uma minha Trisavó espanhola!

Resistência inicial, cedência progressiva e branda face às investidas fogosas, permanentes e insistentes do nosso “marialva”, uma correspondência imensa de leituras sugeridas, feitas e comentadas de autores cúmplices, um namoro culto, rico, em que o sexo é tratado com doçura e pudor, mas presente e sem mácula de desencanto, e que chega ao fim com um “billet doux” irresistível, reciprocado com a expressão “llegué”!

Quando olho para a sanguínea, ficam-me as saudades desse convívio tão rico e ao mesmo tempo íntimo e perturbador das conversas tidas e transmitidas, as quais só ouso desvendar parcialmente, como se o Trisavô me olhasse entre irado mas com um ternurento desvelo.

MNA

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