terça-feira, 13 de setembro de 2011

Peng Zhu


Peng Zhu sentia-se sem forças e meio abandonado pois apesar de no seu bairro todos o respeitarem, era como se tivessem medo da velhice que a cada dia mais se revelava no seu físico débil.

Gostava de ficar horas meio acocorado meio sentado – habituara-se a esta posição durante os anos de trabalho duro nas plantações de arroz – e sentia-se cómodo.

O chá quente ou mesmo só água a ferver eram a sua companhia diária, em pequenos sorvos, aquecendo o corpo.

Nesse dia, Peng Zhu apeteceu-lhe mergulhar no seu passado e revisitar as memórias da sua família e constatou que ninguém mais estava a seu lado.

Nem fora a morte que o separara – da sua mulher Jieng Jsie e dos seus dois filhos – mas uma impossibilidade de vida em comum, irreprimível.

Peng Zhu tinha a consciência de que trocara o seu intelecto, a sua vasta cultura e a sua intransigência em relação à mediocridade da vida familiar rotineira, cinzenta, pobre e sem futuro por uma experiência de abandono, que presumira, lhe traria, maior felicidade.

Fora primeiro o Partido e a vida de entrega activa e quase sem horas para si mesmo até à exaustão sem perceber que a burocracia esmagava, abafava a louvável iniciativa que o levara a trocar a vida na aldeia com a da cidade.

Depois foi a desilusão do companheirismo formatado, sem possibilidade de fuga que o cansou de acreditar em ídolos com pés de barro.

Tornou-se um tradutor do Instituto Diplomático do Estado pensando que talvez pudesse, ao aprender línguas estrangeiras, ter acesso a uma cultura ocidental que desde logo desprezava, porque achava menor e sem o culto de valores milenares que lhe fora imposto e a que sempre fora habituado a não discutir, mas que lhe permitiria viajar e a conhecer novos mundos.

As viagens eram destinadas aos quadros zelosos que se entregavam amorfamente aos seus superiores e ele, pelo menos daqueles a quem serviu e que tinham da vida uma imagem estática, não conseguiu arrancar qualquer gesto de simpatia, adesão ou sequer vontade de o promoverem.

Fez uma pausa nesta viagem sem chama e voltou ao pensamento sobre a família a quem muito irregularmente visitava pois era longe, incómoda a viagem, cara e no fundo quando chegava apetecia-lhe logo regressar, pois nada se passara de diferente desde a última vez.

Jieng Jsie, deitava-se a seu lado, e deixava-se secamente penetrar sem um gesto, sem um som e no final, era como que um ritual cumprido sem prazer nem emoções.

Os seus filhos iam crescendo de cada vez que regressava à aldeia e vinham falar-lhe como se fala ao pai ausente que chega, sem interesse nem curiosidade e as perguntas polidas que lhe faziam eram as da tradição filial chinesa – sobre a saúde, sobre o emprego, sobre a cidade – e por aí se ficavam.

Peng Zhu, amofinado com a aridez da vida da aldeia resolveu ir espaçando as visitas, de tal maneira que tudo quanto faz parte da vida de uma família, lhe passou ao lado: as doenças e a escola dos filhos, e o bem estar e o prover das necessidades básicas eram exclusivamente asseguradas pela parca transferência mensal que fazia, que bem sabia que praticamente para nada dava. Era na aldeia que a sua família encontrava o complemento de que precisava para ir sobrevivendo.

E quando um dia soube que Jieng Jsie morrera de febre tifóide, a sua reacção foi de indiferença. Não houve um soluço, sequer, nada!

Uma tarde anunciaram-lhe no trabalho que Peng Jsie, o seu filho mais velho, estava na sala das visitas da empresa. Intrigado pensou o que o traria até si quando desde há anos nada sabia dele.

Anunciava-lhe que ele e o irmão tinham decidido, de acordo com os pensamentos de Mao, renunciar a serem seus filhos e a adoptarem a paternidade de um vizinho da aldeia que sempre o substituíra. E dissera-lhe isto como se fosse uma notícia sobre colheitas ou como se de novidades de política local estivesse a falar.

Nunca mais os vira nem deles tivera mais notícia.

E fora uma vida de solidão que desde então percorrera até esse dia, amarga.

Pensou que deveria pôr fim à sua vida pois não sentia apelo em a manter e gizara um plano progressivo de falta de nutrição, do mínimo dos mínimos para sobreviver e sentia que o seu tempo estava a chegar.

- Há tanta gente como eu sem esperança e com vidas falhadas, sabe-se lá porquê! Não me apeteceu acreditar em mim mesmo, desisti, fiz o contrário do que devia e depois - cogitava mansamente - se tivesse sido diferente de que me tinha valido?

E veio o fim da tarde e a noite para Peng Zhu.

MNA

2 comentários:

  1. Muito interessante... gostei mt de ler!
    Beijinho
    Isabel

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  2. Obrigado Isabel. Ando, de novo, meio inspirado pela cultura chinesa...talvez haja razões...

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