terça-feira, 12 de julho de 2011

O nosso país - Vamos fazer disto um bijou!


A relação dos portugueses com Portugal é um pouco assim. Desvirtuar o país, comparando-o com a suposta grandeza de outros, faz parte, desde há gerações, da cultura nacional.

Suponho que para um estrangeiro isto possa confundir-se com desamor. Grave equívoco: para um português, maldizer a pátria é uma forma superior de patriotismo.

Tudo isto está n' Os Maias: oiçamos João da Ega, cruel alter ego do autor: "Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima com os direitos da alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas... Nós julgamo-nos civilizados como os negros de S. Tomé se supõem cavalheiros, se supõem mesmo brancos, por usarem com a tanga uma casaca velha do patrão... Isto é uma choldra torpe."

Uma outra personagem vai mais longe: "Querem dizer agora que isto por fim não é pior que a Bulgária. Histórias! Nunca houve uma choldra assim no universo!"

E no entanto, a determinada altura, o próprio Ega reconsidera, num súbito entusiasmo nacionalista: "Clamamos por aí, em botequins e livros, 'que o país é uma choldra'. Mas que diabo! Porque é que não trabalhamos para o refundir, o refazer ao nosso gosto e pelo molde perfeito das nossas ideias?... Vossa excelência não conhece este país, minha senhora. É admirável! É uma pouca de cera inerte de primeira qualidade. A questão toda está em quem a trabalha. Até aqui a cera tem estado em mãos brutas, banais, toscas, reles, rotineiras... É necessário pô-la em mãos de artistas, nas nossas. Vamos fazer disto um bijou!"

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