segunda-feira, 18 de julho de 2011

Diário de um desmemoriado (1)


Na consulta de neurocirurgia, o médico foi peremptório: teria a cada dia de manhã que fazer um reset do meu dia anterior, pois uma estranha doença afectou-me a memória e o sistema cognitivo fazendo-me reter o conhecimento do passado durante as horas do dia.

O sono apagava o registo de tudo quanto tinha acontecido nas últimas horas.

Naturalmente que fui para casa destroçado e perguntei-me como seria dali para a frente a minha vida: tantos projectos e sonhos, vida social intensa, família, amigos, emoções, sentimentos, afectividades, dor e sofrimento…

Tinha-me vindo a queixar que a cada manhã e nas últimas três semanas era como se fosse um apagão: varria-se-me tudo da lembrança!

Comprei um livro de muitas folhas, daquelas antigas de papel de embrulho de merceeiro com uma lista ao lado para se registar a data e depois à frente espaço para se escrever o que se comprou ou fez ou a fazer.

Começou assim um verdadeiro diário das horas de cada dia da minha vida e é um pouco disso de que vos venho falar e contar.

2ªf, dia 18 de Julho

Levantei-me cedo e estava um dia fresco e acinzentado. Havia, no entanto, um pouco de sol a espreitar de entre as nuvens.

Gosto destes pequenos-almoços ricos em detalhes. Aliás, quando viajo adoro os buffets copiosos dos hotéis. São cafés da manhã pantagruélicos.

Hoje fui buscar um copo grande que enchi de sumo de laranja, de umas sumarentas e doces que trouxe do monte.

É importante o tamanho do copo e a sua qualidade: de vidro muito grosso tira metade do prazer de se saborear o sumo. Além disso, tem que estar bem gelado para entrar nas goelas com voluptuosidade.

Bebo chá de manhã. Bons chás ingleses, chineses, indianos ou Gorreana.

Gosto de ter xícaras de bordo fino. Há hoje em dia umas de design com cores garridas. Também tenho outras que herdei e que são de Sévres, lindas e preciosas com uma decoração floral primorosa.

O bule é importante que seja grande (tenho de prata e modernos a dar com as xícaras) para que o chá possa abrir e manter-se quente. É maçador ter que se fazer refills, quando se está no meio da leitura do jornal. Gosto de um drop of milk no chá, mas também o bebo simples, sobretudo o de jasmim e sem açúcar.

Comprei há anos em Portobello Road, uns porta-torradas em prata inglesa que têm várias divisões e aonde se podem pôr várias fatias de pão quentinho sem também ter que haver interrupções.

Queijos, fiambres ou carnes frias, bem como uns três ou quatro jams (marmelade, de framboesa ou morango, apricot, de tomate ou mesmo de figo) são um deleite que a cada manhã se podem ir variando.

Quanto a manteiga é para mim um assunto firme: da verdadeira pois detesto aquelas que se parecem a graxa para sapatos...tipo floras e quejandas!

A terminar uma meia papaia madura, faz sempre bem.

A leitura de vários jornais mantém-me actualizado até à noite…por isso respigo as notícias principais que anoto no dito livro a que daqui em diante apelidarei de “Tombo”. Esta expressão, a que por exemplo entre outos deriva da “Torre do Tombo”, significa registo, arquivamento de documentos, papéis, acervos de assuntos vários.

(continua)

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