domingo, 17 de julho de 2011

À meia-noite o Mondego dorme mais ou menos dois minutos


À meia-noite o rio dorme
mais ou menos dois minutos
para nós é um tempo curto
para o Mondego é um tempo enorme

Contam os banhistas ao luar do Mondego que o rio, na hora grande da meia-noite, dorme durante dois minutos. É a hora em que a vida sossega e o mundo se recolhe: as cascatas interrompem a queda, a correnteza cessa. Os ribeiros aprendem desde cedo que não se deve acordar o rio durante o seu sono.

Nos dois minutos de sono do rio, os peixes aquietam-se, as cobras perdem o veneno e a mãe de água surge para pentear os cabelos das banhistas ao luar. Os que morreram afogados saem do fundo das águas em direcção às estrelas. Este sono do rio não deve ser, de nenhuma maneira, interrompido, sob pena de enlouquecer quem despertou as águas.

Tenho pensado no que os ribeiros ensinam sobre o descanso do rio e concluo que de vez em quando é mesmo necessário adormecer no tempo e sossegar como as águas.

O ritmo da nossa sociedade - marcado pelo fascínio das máquinas, o ruído dos motores, a precisão dos relógios, a velocidade das informações simultâneas e a procura feérica da felicidade - acelera a vida e desacostuma-nos dos homens. Tem os seus benefícios (não sou, definitivamente, um saudosista) mas anda perto da desumanidade.

Por isso é preciso, de vez em quando, adormecer como o rio ao abandono das horas, olhar a lua em águas paradas e abandonar os desatinos da felicidade.

O sono do Mondego, o desapego dos peixes e o silêncio das cascatas fazem-me pensar que a ideia da felicidade, da forma como a sociedade de consumo a concebe, é das coisas mais brutais que existem. Acha-se que se tem que ser bem sucedido no amor, no trabalho e nas relações pessoais. Precisa-se de viajar pelo menos duas vezes por ano, trocar de carro de quando em vez, não se pode ficar doente e não se pode conceber a morte.

Acontece que não é assim que o rio segue o seu leito e descansa ao fim do dia.

Como ninguém é capaz de atingir esta tal felicidade de “shopping centre” que é vendida por aí, formamos um bando de depressivos e infantilizados que não conseguem lidar com o fracasso e se entopem de remédios para dormir, acordar, trabalhar... Parece paradoxal, mas é isto mesmo: a expectativa da felicidade é uma fonte poderosa de angústias e depressões.

Que as margens do Mondego, portanto, me iluminem para que eu respeite o sono do rio, o repouso dos peixes e o voo dos afogados.

Este nosso mundo, de tão virtual, anda meio aluado - e eu quero cada vez ter mais tempo para adormecer no rio, aquietar os peixes, sossegar as cascatas, louvar os meus antepassados e encantar-me com a mãe de água a envaidecer as banhistas ao luar.

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