segunda-feira, 8 de agosto de 2016

SERÕES DE VERÃO na província (Séc. XIX)

SERÕES DE VERÃO na província (Séc. XIX)


Porque será que o Silveira, sai aos Sábados de manhã
Sem lavar os dentes, fazer a barba e funcionar os intestinos
Para comprar o jornal da terra, que diga-se a verdade
Não tem o menor interesse. Fala sobre colheitas, imaginem.


Encontra na capelista o sr. Conde de Silva Ferreira, um velhaco.
Nobilitado pelo monarca por sustentar o deputado que é outro asno,
Dá-se ares de importante e cofia o bigode ridículo que deixou crescer
Desde que saiu da taberna do avô, o Zé Maiau, mais conhecido pelo Zé da Burra.

Bom dia Sr. Conde! Como vais tu? responde sobranceiro o neto do taberneiro.

Saiba Vossa Senhoria que com a graça de Deus, se vai fazendo pela vida.

O Silveira era o cangalheiro da Vila, de modo que lhe tinham respeito.
Media toda a gente e tinha armazenados caixões nos fundos da loja à medida.
Rapava o pé e outras coisas à Lucinda coxa, mas de boas carnes, prima do Tomé
Cocheiro da Mala-Posta que passava duas vezes por semana para levar o correio.

O Silveira era casado com uma seca viúva de nome Maria da Graça, bastarda do fidalgo da terra
O Visconde de Além-Mar que na ama da casa, num desvario lhe fizera uma filha.

O Silveira era, naturalmente infeliz no casamento e fogoso na cama da Lucinda que o regalava
Quando lá ia com uns quartos de marmelada, um covilhete de geleia, meia garrafa de tinto e palitos
Rebolavam-se na cama e ele dizia: ai menina, ai menina e era tudo quanto se lhe ouvia.

Diziam as más línguas, que a cada sortida pingavam uns dinheiros com que se alindava.
Vai um dia a Lucinda passa defronte da casa do Silveira, toda reboliça, mexendo os quadris cheios
Quando de dentro sai a Maria da Graça com um sacho e lhe espeta na cabeça, furando-a.
De um lado ao outro caindo a sangrar e exangue na estrada poeirenta e concorrida de lavadeiras
Que regressavam a casa depois da lida e logo ali testemunharam a desgraça.

O Silveira escolheu a melhor urna que lá tinha, toda de pau-santo e lavrada e pôs-lhe umas rendas vistosas e almofada de cetim para amparar a cabeça da defunta, que carpia sem cessar,
Sem pudor e com soluços. Veio o Regedor, mandou-a enterrar sem acompanhamento religioso
Pela mancebia conhecida e por a Maria da Graça ter nas veias sangue nobre, ainda que bastardo.

O Silveira logo se recompôs e arranjou uma lavadeira, louçã e encorpada de peitos que muito invejada era na vila. O Conde de Silva Ferreira, trazia-a de casa posta de forma que para o Silveira era fácil ter os aconchegos da Felismina, do Sul por ser filha de um almocreve que ali se estabelecera oriundo dos Algarves.

Logo se travaram de razões os dois amantes, pois o nobre Conde entrando de surpresa e desconfiado, encontrara o Silveira de ceroulas e suspensórios e com as partes descompostas.
O que faz vossemecê aqui? Eu sr. Conde tenho um sentimento por esta menina. Porque pergunta?

Terá quiçá algum derriço também? Se assim é só a força das armas resolverá esta pendência.

Arreda, tu és cangalheiro e eu sou Conde, não há lugar a duelos que Sua Majestade os tem proibidos. Para não alongar mais esta história, foi o Conde de Silva Ferreira encontrado pendurado numa das pás do moinho do Ismael e o Silveira, veio ainda a ser Barão pelos serviços prestados a quando do enterro dos mortos da Patuleia, tendo graciosamente e em honra de Sua Majestade, oferecido todos os caixões, que se contavam pelas várias dezenas.

In “Reservas morais da Nação” por Vicente Mais ou Menos de Souza.

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