segunda-feira, 8 de agosto de 2016

O louvor a Deus na escrita de vários autores



Com este calor apetece sítios frescos. Sempre encontrei no silêncio de uma igreja meia-vazia e a horas de não culto o ambiente para sossegar o espírito.

Mesmo aqui em Lisboa, fiz no passado - com grande gozo e benefícios para o espírito e tranquilidade interior - visitas inopinadas a templos que quanto mais simplicidade tinham, mais me inspiravam.

Nunca fui um devoto de imagens, para além de apreciar a sua beleza e reconhecer mãos de artistas inigualáveis quando era o caso, mas o inerente imobilismo sempre me fez hesitar em súplicas e orações.

Na minha educação cristã desde muito novo em casa e nos colégios que frequentei, sempre senti por um lado alguma dificuldade em combater a aridez da conversa com Deus sem uma humana resposta, directa e audível e os textos maravilhosos de louvor que inspiraram os    autores, desde a Bíblia, salmos, textos sagrados e testemunhos pessoais de Pontífices a gente simples.

Faço  aos  meus leitores  a  recomendação  do  Apóstolo  Paulo:

“Examinai tudo, retende o que é bom.”

Jerónimo Baía (1620/30-1688)

Falando com Deus

Só vos conhece, amor, quem se conhece;
Só vos entende bem quem bem se entende;
Só quem se ofende a si, não vos ofende,
E só vos pode amar quem se aborrece.
Só quem se mortifica em vós floresce;
Só é senhor de si quem se vos rende;
Só sabe pretender quem vos pretende,
E só sobe por vós quem por vós desce.
Quem tudo por vós perde, tudo ganha,
Pois tudo quanto há, tudo em vós cabe.
Ditoso quem no vosso amor se inflama,
Pois faz troca tão alta e tão estranha.
Mas só vos pode amar o que vos sabe,
Só vos pode saber o que vos ama.


Frei António das Chagas (1631-1682)

Soneto

Deus pede hoje estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas como dar, sem tempo, tanta conta
Eu que gastei sem conta tanto tempo?
Para ter minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado e não fiz conta.
Não quis, tendo tempo, fazer conta.
Hoje quero fazer conta e não há tempo.
Oh! Vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo em fazer conta.
Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, se não der tempo.

João de Deus (1830 – 1886)

Hymno de Amor 

Andava um dia 
Em pequenino 
Nos arredores 
De Nazareth, 
Em companhia 
De San José, 
O bom-Jesus, 
O Deus-Menino. 

Eis senão quando
Vê num silvado 
Andar piando 
Arrepiado 
E esvoaçando 
Um rouxinol, 
Que uma serpente 
De olhar de luz 
Resplandecente 
Como a do sol, 
E penetrante 
Como diamante, 
Tinha attrahido, 
Tinha encantado. 

Jesus, doído 
Do desgraçado 
Do passarinho, 
Sae do caminho, 
Corre apressado, 
Quebra o encanto, 
Foge a serpente, 
E de repente 
O pobrezinho, 
Salvo e contente, 
Rompe n'um canto 
Tão requebrado, 
Ou antes pranto 

Tão soluçado, 
Tão repassado 
De gratidão, 
De uma alegria, 
Uma expansão, 
Uma cadencia, 
Que commovia 
O coração!
 
Jesus caminha 
No seu passeio, 
E a avesinha 
Continuando 
No seu gorgeio 
Em quanto o via; 
De vez em quando 
Lá lhe passava 
À dianteira 
E mal poisava, 
Não afrouxava 
Nem repetia, 
Que redobrava 
De melodia!

Assim foi indo 
E foi seguindo 
De tal maneira, 
Que noite e dia 
N'uma palmeira, 
Que havia perto 
D'onde morava 
Nosso Senhor 
Em pequenino, 
(Era já certo) 
Ella lá estava 
A pobre ave 
Cantando o hymno 
Terno e suave 
Do seu amor 
Ao Salvador! 

Mário de Alencar (1872 – 1925)

Aspiração

Senhor, se um triste humano ser alcança
Erguer a voz ao céu e ser ouvido,
A Ti em quem depuz toda a esperança
Na terra, ouso elevar o meu pedido.

Não Te peço a abundância da riqueza,
Nem o renome que a ambição procura,
Antes bem do que mal julgo a pobreza,
E mais que a fama apraz-me a vida obscura.

Dá-me que eu viva sempre sem pecado,
Entre os meus, tendo a firme fé por guia
E o calmo estudo por meu só cuidado;
E enfim chegando o derradeiro dia,
Que a morte eu veja, sem temor, contente,
Como quem vai dormir serenamente.

Colombina (1882 - 1963)

Redenção

Sei que um dia virás. Não sei de onde, nem quando.
(No outono, quase sempre, o sol custa a chegar!)
E sei que hás de trazer na voz, no gesto brando,
Esse amor que me inspira e que me faz sonhar...

E tudo o que eu pensei, somente em ti pensando,
E tudo o que sonhei, sonhando te encontrar,
Como rosas de amor eu irei desfolhando
No caminho por onde houveres de passar.

E tudo o que sofri na vida inglória e obscura:
Os dias de saudade... As horas de amargura,
Enquanto te esperava, ansiosa e comovida,
Tudo compensará nesse dia em que vieres,
Um sorriso, um olhar, um beijo que me deres,
Tu que és o amor, tu que és o sol, tu que és a Vida!

Manuel Bandeira (1886 – 1968)

Ubiquidade

Estás em tudo que penso,
Estás em quanto imagino;
Estás no horizonte imenso,
Estás no grão pequenino.

Estás na ovelha que pasce,
Estás no rio que corre:
Estás em tudo que nasce,
Estás em tudo que morre.

Em tudo estás, nem repousas,
Ó ser tão mesmo e diverso!
(Eras no início das coisas,
Serás no fim do universo).

Estás na alma e nos sentidos
Estás no espírito, estás
Na letra, e, os tempos cumpridos,
No céu, no céu estarás.

Jorge de Lima (1895 – 1953)

Lutamos Muito

Lutei convosco, fiquei cansado,
Fiquei caído. Quando acordei
Tu me ungiste, Tu me elevaste.
Tu eras meu pai e eu não sabia.
Eu sofri muito. Furei as mãos.
Ceguei. Morri. Tu me salvaste.
Eu sou teu filho e não sabia.
Lutamos muito: Eu Te feri.
Perdoa Pai, pensai meus olhos:
Eu era cego e não sabia.

Fernanda de Castro (Portugal 1900 - 1994)

Os Anos São Degraus

Os anos são degraus; a vida, a escada. 
Longa ou curta, só Deus pode medi-la. 
E a Porta, a grande Porta desejada, 
só Deus pode fechá-la, 
pode abri-la. 

São vários os degraus: alguns sombrios, 
outros ao sol, na plena luz dos astros, 
com asas de anjos, harpas celestiais; 
alguns, quilhas e mastros 
nas mãos dos vendavais. 

Mas tudo são degraus; tudo é fugir 
à humana condição. 
Degrau após degrau, 
tudo é lenta ascensão. 

Senhor, como é possível a descrença, 
imaginar, sequer, que ao fim da estrada 
se encontre após esta ansiedade imensa 
uma porta fechada — e nada mais?

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919 – 2004) 

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio 
E suportar é o tempo mais comprido.  
Peço-Te que venhas e me dês a liberdade, 
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe. 

Há muitas coisas que eu quero ver. 
Peço-Te que sejas o presente. 
Peço-Te que inundes tudo. 
E que o teu reino antes do tempo venha. 
E se derrame sobre a Terra 
Em primavera feroz precipitado.


A paz sem vencedor e sem vencidos
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 
A paz sem vencedor e sem vencidos 
Que o tempo que nos deste seja um novo 
Recomeço de esperança e de justiça. 

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 
A paz sem vencedor e sem vencidos 
Erguei o nosso ser à transparência 
Para podermos ler melhor a vida 
Para entendermos vosso mandamento 
Para que venha a nós o vosso reino 

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 
A paz sem vencedor e sem vencidos 
Fazei Senhor que a paz seja de todos 
Dai-nos a paz que nasce da verdade 
Dai-nos a paz que nasce da justiça 
Dai-nos a paz chamada liberdade 
Dai-nos Senhor paz que vos pedimos.
 
A paz sem vencedor e sem vencidos

Sebastião da Gama (1924 - 1952)

Oração de Todas as Horas

Agora, 
que eu já não sei andar nas trevas, 
não me roubes a Tua Mão, Senhor, 
por piedade! 
Voltar às trevas não sei, 
e sem a Tua Mão não poderei 
dar um só passo em tanta Claridade. 
Pelas Tuas feridas minhas, pelas tristezas 
de Tua Mãe, Jesus. 
não me deixes, no meio desta Luz, 
de pernas presas... 
Não me deixes ficar 
com o Caminho todo iluminado 
e eu parado e tão cansado 
como se fosse a andar ...

Ruy Belo (1933 - 1978)

Vestigia Dei

És tu quem perseguimos pelos lábios 
e tens em equilíbrio os seres e o tempo 
És tu quem está nos começos do mar 
e as nossas palavras vão molhar-te os pés

Tu tens na tua mão as rédeas dos caminhos 
descem do teu olhar as mais nobres cidades 
onde nasceram os primeiros homens 
e onde os últimos desejarão talvez morrer 

Tu és maior que esta alegria de haver rios 
e árvores ou ruas donde serem vistos 
Por ti é que aceitamos a manhã 
sacrificada aos vidros das janelas
aceitamos por ti o sol ou a neblina 
que faz dos candeeiros sentinelas 

É para ti que os pensamentos se orientam 
e se dirigem os passos transviados 
e o vento que nos veste nas esquinas 
És sempre como aquele que encontramos 
diariamente pela rua fora 
e a pouco e pouco vemos onde mora 

Só tu é que nos faltas quando reparamos 
que os papéis nos vão envelhecendo 
e os dias um por um morrendo em nossas mãos 
És tu que vens com todos os versos 
És tu quem pressentimos na chuva adivinhada 
quando os olhos ainda se nos fecham 
embora o sono nunca mais seja possível

É tua a face oposta a todas as manhãs 
onde o tempo levanta ombros de espuma 
que deixam fundas rugas pelas faces 
Os céus contam contigo é para teu repouso 
a terra combalida e sem caminhos

Ser indecomponível teu corpo foi maior 
que vítimas e oblações. Quando tu vens 
a solidão cai leve como a flor do lírio 
e as aves nos pauis levantam vôo 
e há orvalho em teus primeiros pés 

Não assistisses tu a esta nossa vida 
caíssem-nos os gestos ou quebrados ou dispersos 
e nenhum rosto decisivo um dia fecharia 
todas as palavras com que dissemos os versos.

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