domingo, 1 de novembro de 2015

O PENINHA E O DIA DE FINADOS

O PENINHA E O DIA DE FINADOS

O Peninha, vestira-se a rigor para o dia de finados. Não percebera ainda se era a 1 ou a 2 de Novembro, com estas mudanças litúrgicas. Seja como for, os mortos estão lá ou hoje ou amanhã, não mudam de sítio.

Fato preto escuro de flanela, camisa branca de popelina suíça, com esticadores em ouro, herdados do avô e com uma frase em cada um. “ ao menos se esticas, estica-los bem” e assinava – Arsélio Martins. Nunca fora pessoa de grande cultura, mas dera-lhe para pôr esta frase que Peninha sempre acreditou ser genuína.

No colete enfiou a corrente de ouro por uma das casas dos botões, deixando-a à vista. Era ouro de lei, pesado e com torcidos ricos, tinha sido uma transformação que fizera de um cordão de Viana que herdara de uma tia.

Abriu a porta do seu Toyota branco – os amigos perguntavam-lhe sempre, porquê esta côr – e ele respondera que era o que havia disponível no stand. Peninha nunca se preocupara com estas coisas de costumes, a não ser no dia de finados. Aí era irredutível: trajado de negro, luvas de pelica e uma rosa na lapela, um chapéu mole que fora do pai e uma braçada de lírios lilases. Sempre achou que os lírios eram as melhores flores para pôr por cima das campas…disfarçavam o horror do abandono de todo um ano sem visitas.

Chegado ao cemitério, punha um ar formal, andava devagar e pomposamente como se fosse atrás de um cortejo e aproximava-se com devoção e em silêncio das campas rasas dos pais.

Lia-se numa placa de mármore branco de Estremoz com as letras gravadas a ouro: “ Aqui jazem os pais chorados do seu filho Peninha”. Achou na altura que não era preciso mais.

Peninha era o suficiente e depois o que importam os apelidos, se já morreram. Ajoelhou, depôs os lírios com ternura e devotamente, persignou-se mal-enjorcadamente – nunca foi de rezas e de bênçãos e era ateu – e disse:

- Olá paizinhos, como tem sido o ano? Muita chuva? Com chuva vêm os vermes, vejam lá se apanham alguma infecção. Espero que não tenham discutido um com o outro, se sim, ao menos baixinho, pois é uma vergonha para os vizinhos.

E ficou em silêncio, olhando o azul do céu, pensando que lhe apetecia comer caracóis ao jantar, e que os melhores de sempre eram na Rua da Esperança.

Tirou a cebola do colete, olhou para as horas e disse:

- Paizinhos fiquem bem e até para o ano. – tinham passado uns meros 20 minutos.

Para sair do cemitério, passou por vários jazigos ricos com nomes imponentes, mas aquele que mais o maravilhava era um trabalhado com umas ogivas rendilhadas e com umas figuras de mulheres nuas em pedra sustentando uma divisa que dizia” Para quem muito amou. Condessa de Gouvarinho” do seu chorado esposo Conde de Gouvarinho.

Cheirou-lhe a corno aquilo do chorado Gouvarinho, até tinha ouvido dizer que era fraco de perna, ou eventualmente não teria areia para aquela camioneta.

Mas sim, achava uma situação chic a valer que lhe fazia uma certa comoçãozinha.

Peninha pensou. Vou começar a juntar dinheiro para um gavetão aonde poderei mandar gravar na porta da gaveta:

“ Aqui jaz o Peninha, não levou a vida tão a sério, afinal ninguém sairá vivo dela.”

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