sexta-feira, 15 de maio de 2015

Mais uma aula na cadeia de Monsanto

Mais uma aula na cadeia de Monsanto. Tive que esperar meia hora para que um guarda barbudo me abrisse a porta da zona dos reclusos para entrar na sala de aula. Este é um país de greves! Faziam-na de manhã até às 15h, quando deveria ter começado o meu trabalho com os reclusos às 14h30m.

Hoje resolvi dedicar a aula a uma tarefa também do domínio do ensino de português para estrangeiros, mas na sua expressão oral. Ou seja, cada um deveria exprimir-se sobre um tema que eu escolhera e apresentar as suas ideias em português.

Ora, como eles vêm na televisão os canais portugueses, e tendo-me falado sobre Fátima, achei que seria interessante trocar impressões sobre dois pontos concretos:

- como encaram a religião? Que impacto tem ou não na sua vida de prisioneiros de alta segurança ( 90% do dia em celas individuais) a religião? Rezam ou são não crentes? Como vêm a morte e a vida após a morte? Acreditam nisto ou acham que tudo termina no momento da morte?

- acreditam num Deus? Ou não? Como vêm o Universo ? Quem criou o Universo e os Homens? No avanço da ciência aonde se coloca a terra? É o planeta mais importante por ter sido criado por Deus ou é mais um núcleo de vida? Que pensam sobre as diversas Igrejas e suas normas?

São reclusos católicos, muçulmanos, ortodoxos, ateus e não praticantes pelo que a variedade de origens era desafiante e actual.

Devo confessar que mais do que ter grandes discussões filosóficas, o meu objectivo era pô-los a falar como terapia para o isolamento, solidão e silêncio a que estão votados a cada dia.

Todas as vezes que saio, finalmente, para a rua, respiro fundo e fico estomagado ao pensar que muitos mais do que só os meus alunos, ficam para trás sem poderem sequer aproveitar a magnífica vista de Monsanto, dentro do perímetro da prisão, e revolvem-se numa rotina cinzenta e inoperante, castradora de qualquer reinserção.

Não quero estar sempre a pisar na mesma tecla, mas se quem de Direito, estudasse realmente as condições das cadeias, haveria seguramente muito a mudar.

Um outro aspecto muito relevante é a calacice a que conduz pessoas sem horizonte nos próximos 7 a 20 anos de cadeia, que passam os dias sem rigorosamente fazerem nada.

Estou, naturalmente decido, como aqui tenho dito a tentar modificar tal estado de coisas através de parcerias com entidades e universidades, bem como com particulares que se queiram juntar a mim nesta tarefa.

(continua)

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