sábado, 28 de março de 2015

Amar, cura


Devo confessar que fiquei estomagado com este acidente de aviação: uma sensação de arrepio e de mal-estar e eu que sempre viajei muito e em longo-curso – 56 vezes de Lisboa para Hong Kong e volta – Brasil, Africa e muitos outros países na Europa. Não acho que tenha ficado com medo mas a ideia de nada se poder fazer é tremenda.

Isto faz-me pensar que estes são chamamentos de atenção para a realidade de que a morte pode sobrevir para cada um de nós, a qualquer momento, não importando a idade nem a origem.

Mudando de tema, tento olhar à volta e encontrar uma boa notícia. Difícil, e as que há não são perceptíveis no turbilhão das más.

Bons livros, boa música, boa gente que se põe ao serviço dos outros, lugares aonde brilha o sol, aonde há campos verdejantes, flores, pássaros, mar e rios e à noite brilham as estrelas e a dona lua, bem como animais fiéis que nos fazem companhia, tudo isto são boas notícias.

Homens e mulheres são quem mais complicado se torna equilibrar!

Na minha última aula na prisão de alta segurança em Monsanto, mesmo sem os reclusos meus alunos darem por isso, caí em mim e dei conta que estava numa sala pequena, fechado a sete chaves e sem luz para o exterior. Já ultrapassei a minha claustrofobia e sinceramente pensei neles: um deles tinha tido uma promoção de bem-estar – poder passar duas horas por dia na biblioteca – sala igual à minha sem janelas sem ser para o corredor das celas.

Todos estes prisioneiros passam 90% de cada dia na sua respectiva cela, sózinhos e com limitações obsoletas fruto de uma legislação que não é feita com o conhecimento da realidade, em função da reinserção.

Já tenho dito em sede própria, que deveria haver uma triagem, obviamente com responsabilidade e por um conjunto de pessoas – psicólogos, guardas, assistentes de reinserção, sobre a supervisão do Director – por forma a separar os reclusos por alas consoante o seu grau de segurança exigido. Trata-se de uma maioria de cidadãos estrangeiros.

Duches frios, comida fria, proibição de falar ao telefone numa cabina vigiada por um guarda com os familiares mais do que uma vez por semana e por um prazo de tempo limitado (a custo de cada um), visitas uma vez por mês no parlatório, cantina mal fornecida, interdição de poderem receber mais do que 10 livros no total (naturalmente que mediante triagem dos títulos e assuntos pelos responsáveis, não deveria haver limite), 4 canais de televisão portugueses – estrangeiros não falam a nossa língua – estando as famílias dos reclusos dispostas a custear a mensalidade de uma antena colectiva de netcabo com filmes, música e desporto internacionais, e sobretudo uma proibição imoral: só uma vez por ano e durante duas horas podem estar em contacto físico com os familiares!

Pense-se em filhos pequenos e mães idosas, irmãos. Uma vez por ano, acho que nem no tempo da Inquisição. A visita íntima com as mulheres ou companheiras pode ser autorizada uma vez por mês e durante duas horas, com detalhes sórdidos que me escuso a relatar.

Dirá quem nunca visitou uma prisão nem com reclusos contactou, que sendo condenados por crimes (a maioria não são de sangue) merecem impiedosamente uma vida ainda mais difícil em enxovias de palha e uma bilha de barro com água e uma côdea de pão.

Saio de cada aula de duas horas, em que parte dedico ao convívio e troca de impressões, com o sentimento que lhes soube a pouco.

Como já tenho dito anteriormente, este meu trabalho de voluntariado tem um efeito duplo: prestar com humildade, empenho e o melhor que sei, um serviço aos reclusos e por outro lado receber testemunhos que me ajudam a ter tolerância e a não julgar os outros impunemente, desenvolvendo sentimentos de ajuda, de perdão e de um novo olhar para aonde reside o sofrimento, a solidão e como posso consolar e contribuir para uma progressiva recuperação de auto-confiança, de resignação e de preparação para a liberdade.

Pareço que me repito em tudo quanto escrevo sobre este tema, mas nunca é demais salientar que não deve haver limites nem restrições para lutar por melhores condições, sem temor de ir contra seja quem for.

Proponho que se promova em Portugal o que o Presidente da EUROPRI (organismo europeu que congrega todos os sistemas prisionais europeus) e simultaneamente responsável máximo do serviço prisional da Bélgica, conseguiu – 2 Juízes de Execução das Penas, 2 Magistrados do Ministério Público, dos Advogados(as), 2 Psicólogos, 2 Guardas Prisionais, 2 Jornalistas, e finalmente ele próprio e um outro Sub-Director de outra prisão, em reclusão igual às dos presos de alta segurança durante 48 horas!

Houve mudanças significativas no sistema prisional belga!

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