quarta-feira, 4 de março de 2015

A meretriz


Se te demoras lendo estes gravados versos,
conhecerás a croia que é sepulta aqui.
Da pátria em que nasci, por vãs promessas falsas,
raptada fui, donzela, em tenra idade, um dia.
A Flandres me gerou, andei o mundo inteiro
até estabelecer-me nesta Siena plácida.
Meu nome, e conhecido, era Niquita. Fui
a estrela do bordel, entre as demais primeira.
Fui bela e fui graciosa, e perfumada, 
e tinha mais alvo do que a neve o deslumbrante corpo. 
Taís nenhuma em Siena melhor que eu movia 
em sábios movimentos as vibrantes ancas.
Os homens minha língua em beijos exauria
dados ainda depois de consumado o gozo.
Coberto era o meu leito de uma colcha vasta,
e a minha mão aos nervos percutia branda.
Para lavar-me tinha uma bacia sempre,
e os flancos me lambia cadelinha mansa.
Uma noite, assaltou-me um bando de rapazes,
que me teve cem vezes, sem me saciarem.
Fui doce e amena, e a muitos minha arte era grata.
Mas mais doce me foi o quanto me pagavam.

António Beccadelli

 

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