quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

You can't change the past



Volto hoje de novo a este tema que vai sendo valorizado por mim a cada dia: o da liberdade.

Recomecei as minhas aulas de português na prisão e devo confessar que este mês de ausência de convívio bissemanal, já me fazia falta.

Fomos entretanto trocando cartas que servirão um dia mais tarde, talvez, para um livro e até sem ser sobre o estatuto do recluso, pois o conteúdo versou uma série de temas da vida, vistos por diferentes prismas.

Foi por isso, uma primeira aula de “reposição” ou seja mais eu a contar o que tinha feito na época natalícia e eles a falarem-me da rotina de celas individuais aonde passam 90% do dia, sem contacto com ninguém.

Começámos a aula e fui fazendo exercícios de gramática e passando a vez de uns para os outros na solução de frases e preenchimento de textos: o costume.

Sempre todos com interesse em aprenderem, esforçados e inteligentes. São todos estrangeiros e de diferentes e variados países, mas com um rendimento impecável. Há lá um que me apanha sempre 20 valores nas provas, formidável! Já conseguiu formar-se no IST com 19 valores e está a terminar o mestrado com a mesma classificação.

Num dos exercícios, fácil aliás, quando disse o nome de um para continuar, olhei para ele pois parecia-me desatento e reparei que estava a olhar para o infinito. 

Perguntei-lhe o que se passava e com um ar triste respondeu-me que estava a pensar na sua vida…

Eu sou por um lado um visitante do exterior que a cada semana, por duas vezes e durante 4 horas, traz ventos de liberdade…e por outro um certo amparo e consolo pois tento alegrá-los e ocupá-los.

Por isso este tema inesgotável da liberdade, pode, em sociedades ditas livres, ser menosprezado e até negligenciado. 

Avanço com um projecto de uma Academia que estou a montar com uma equipa esforçada e empreendedora com dois objectivos: formação para quem de fóra tenha vocação e generosidade para se entregar ao voluntariado prisional em todo o país e por outro, o treinamento e preparação dos reclusos para uma variada gama de profissões, que já desde a prisão, possam ir desempenhando com uma justa remuneração, para poderem continuar a exercê-la quando saírem em liberdade.

Trata-se de um trabalho ciclópico com Universidades, empresas e autoridades bem como tentando aproveitar fundos europeus e nacionais disponíveis.

Mas voltando ao cerne desta minha crónica: fiquei com o coração apertado quando percebi que a cabeça e o pensamento deste meu recluso estava fóra, sonhando com a família, talvez com a simples possibilidade de poder entrar numa loja, comprar um cd de música, um livro, ir beber um café com os amigos, trabalhar e poder voltar a casa no fim do dia. 

E fica sempre no ar a minha dificuldade em contraditar quem nunca visitou uma prisão, quando me contestam que alguma coisa de incorrecto terão feito para estar detidos.

E enquanto a sociedade civil não praticar e entender a extensão do conceito de perdão, de vontade em colaborar na reinserção e de criar condições para a não reincidência, vai gerando novos culpados e encarecendo ao Estado e aos contribuintes a sua eventual recuperação.

Claro que este é um tema plurifacetado e tem contornos que não são de ciência exacta: mas o princípio do conhecimento da realidade é um passo relevantíssimo.

A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.” (Mahatma Gandhi)

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