domingo, 3 de março de 2013

Resposta do meu primo Luis Bernardo - reflexões e conselhos



Meu Caro Manuel,

Em resposta à tua carta, deixa-te envolver por um silêncio interior aonde ecoe música serena e suave, de preferência sem palavras. Sugiro-te algumas peças de Debussy, em violino. É o primeiro conselho que te dou.

Sim, é verdade que o desânimo é como se te sangrassem em vida com sanguessugas, como os antigos barbeiros faziam aos doentes. É um sentimento de progressiva perca de forças, de amolecimento da resistência à luta pela sobrevivência.

Muitos te dirão que tudo irá correr bem: não acredites nos “wishful thinking” - ou é ou não é!

As doenças ou têm cura ou se morre delas, quanto à pobreza, à fome e ao frio ou se é sustentado, alimentado ou agasalhado ou sucumbe-se exangue!

Tenta esquecer a política e os seus agentes por algum tempo e faz-te à vida com quem possas fazer equipe e planeia, programa e executa estratégias de trabalho, de ocupação do tempo, dos talentos, das capacidades que possas congregar.

Procura ser criativo, inovador, fazer a diferença, inicia coisas novas se preciso for em outras paragens. Mas às vezes, está ao alcance do teu braço, ali à esquina.

Não desistas, nunca. A cedência ao desespero, aos braços caídos é meio caminho andado para a derrota. Este é o segundo conselho que te dou.

Já te tenho dito noutras cartas que uma das curas mais eficazes para o desencontro, a confusão de ideias ou de tristeza é o esquecimento de ti próprio, das tuas aflições e problemas.
 
Tenta envolver-te com outros que precisem de ti: nas prisões, nos hospitais ou hospícios, nos quartos com solidão mas antes de fazeres uma lista pomposa e variada de “caridadezinha”, olha em redor para a tua família, para os teus amigos e começa por esses. 

Sabes que o esforço de perdoar sem condições, de reatares o contacto, de estares presente nas devidas proporções sem te impores, de te interessares genuinamente pelos problemas dos outros, de não exagerares nos “sábios e indiscutíveis” conselhos que “só tu” conheces é um enorme remédio para a neura, depressão e opacidade da vida. 

No entanto, escuta primeiro e apreende o que se espera de ti e começa por dar só isso. É muito mais fácil e vai ao encontro do que se pretende. O resto, virá ou não por acréscimo.

Garanto-te que não terás tempo para dares tanta importância ao teu ego. Sentir-te-ás muito mais feliz e quando caíres na cama exausto a cada dia, o sono é reparador. Este é o terceiro conselho que te dou.

Finalmente, cuida da tua espiritualidade, seja ela qual for: cristã, budista, muçulmana, judaica, ou ortodoxa. Temo que o ateísmo, diferente do não-crente, seja pernicioso para o bom ânimo. Não se afeiçoar a nada e estar, por definição, num “limbo” expectante do momento da morte, deve trazer momentos de grande solidão e angústia. Este é o quarto conselho que te dou.

Falaste-me da resignação do Papa. É um episódio na história da Igreja Católica. Tal como a separação dos entes queridos, o tempo se encarrega de fazer diluir os contornos da lembrança e das saudades: rei morto, rei posto.

Dentro de semanas, degladiar-se-ão Cardeais para a eleição do novo Papa. Será um outro e a ele, os de há poucos dias, de novo se curvarão almejando por favores e graças e assim a vida continua. Para já nem falar da imprensa que incensará as virtudes do eleito e apoucará ou tendencialmente se irá esquecendo do anterior.

Salazares e Cunhais e quejandos, tem-los por aí. Estão em casa, de pantufas, a beberem “chá da Escócia” , vulgo whisky, e a perorarem sobre o mérito e o demérito da governação de uns e de outros, mas não avançam nem patrioticamente querem dar a cara e o couro por pouco dinheiro.

Pelo que há que fazer uma busca criteriosa: deveis querer a paz, uma disciplina segura e serena sem sobressaltos, planos bem definidos para saírem dessa senda direita a um abismo desconhecido. Grassa, normalmente e nestes casos, um cansaço grande sobre sonhos e promessas não cumpridas!

Um líder moderno, desempoeirado, com ideias ajustadas aos vossos tempos, com respeito pelos direitos de cada povo e da sua liberdade, há-de estar por aí, algures, só que não aparece pois é pouco generoso e egoísta!

Gostei da alusão às nêsperas: era o que o teu Avô paterno dizia, quando não gostava de alguma coisa. Era a alternativa cavalheiresca de sempre!

Se escreveres ao Ministro das Finanças dá-lhe uns dois ou três conselhos que aqui te deixo:

        a) Que tire umas férias, longe de Portugal durante pelo menos uma semana inteira e que se desligue mesmo de tudo. O objectivo é descansar o corpo e o espírito e ver, ver com outros olhos o mundo fora das paredes do Ministério e do Governo. Que escolha um sítio aonde esteja em contacto com a Natureza, o campo ou o mar e com gente simples, que pratiquem a economia doméstica. 

         b) Que visite no regresso, com discrição e sem alardes, uma família daquelas que sofre mas que sem ódio, nem rancor, lhe descreva como é a vida do dia-a-dia. Às vezes, estas vozes não chegam puras aos ouvidos de quem de direito. É importante que sensorialmente escute e veja o que é a obra, com todas as justificações teóricas que possa ter, que o seu Governo está a fazer. A realidade é mais perceptível quando conhecida em directo. O romance do Luis Sttau Monteiro, “Angústia para o jantar” poderia ser o guião da sua visita a um lar português. Literáriamente e como tu gostas, a referida família e na senda de novo de Sttau Monteiro, deveria após a sua saída, concluir que “Felizmente há luar”!  

             c) Que fale aos Portugueses, sem medo e sem esquemas pré-definidos, como Governante e como cidadão. Porque não uma “Conversa em Família”? Mas das boas, com olhos límpidos e fala directa, abordando o que vos aflige e deixando palavras de encorajamento sem demagogia. Dos fracos não reza a História!

E por hoje é tudo meu querido Manuel. 

Um afectuoso abraço do teu primo

Luís Bernardo

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