quinta-feira, 21 de março de 2013

os sapatos da Prada

A discussão é estúpida. O novo Papa recusou os sapatos da Prada.

Os sapatos são pretos. Pretas e obscuras são as entranhas de quem já julga, sem ver nem saber.

A razão tem a ver com África. A terra de côr vermelha já chega: umas vezes é do sangue de inocentes e de ainda-escravos, outras da contextura dos solos, agrestes e secos.

O essencial é mais importante do que o acidental, grita um a que a crise despejara no desemprego.

Na Cúria, o Cardeal rebolando-se no seu ventre de moiré avermelhado, não faz dieta. Anda neura, vai perder o tacho: sai do quentinho, dos gatos, da benesse da dispensa da leitura diária do breviário.

Prefere a boa-mesa, farta, copiosa de vinhos caros e inebriantes. Fuma, à socapa, uns cigarros finos com filtro de seda da cor da sua faixa cardinalícia: o vermelho que vai com a cor dos sapatos!

Lá para a tarde irá até ao departamento da Santa Inquisição e nada de confissões, sobretudo. São de uma maçada insuportável, ouvir pecados. Estar sentado em confessionários de pau duro para o seu traseiro.

As ceroulas do mais fino pano, de seda italiana é o que tapa as partes pudibundas e são mandadas fazer por medida pois o perímetro do sim senhor, não tem um tamanho padrão.

Da parte da frente, não se vislumbra nada: a secura casta, ainda que duvidosa, das carnes, tem até mirrado a protuberância.   

De profundis…e o medo assalta-o: o envio para uma diocese longínqua, a perda de mordomias escandalosas e sobretudo o não roçar diariamente o poder, bajular o Papa para em seguida conspirar e atraiçoá-lo.

Como diabo se deixou eleger este Papa sem sapatos da Prada.

Recebe-se um telegrama cifrado: do exterior do mundo, perplexo o Criador, num acto de fúria exclama: - são todos umas bestas!

Mas o Papa responde: apascenta o Teu rebanho e o Senhor de novo exclama:

- Chamem o Gaspar, fechem a Prada de uma forma discreta, causando a falência.

- As sandálias…as sandálias do pescador! Que grandes néscios. Essas é que é preciso usar, de marca e de tiras de pele fina.

África deixa assim de ser preta pois as sandálias tanto podem conter dedos negros como brancos.

O Papa tinha razão.

In poemas raros de Vicente Mais ou Menos de Souza



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