terça-feira, 19 de novembro de 2013

Carta ao meu primo Luis Bernardo

Meu Querido Luís Bernardo,

Já lá vão umas semanas sem te escrever e hoje à noite, sem sono, ouvindo no iTunes a Maria Callas, em dois álbuns excepcionais, resolvi pôr-te algumas perguntas e fazer-te uma visita por carta.

O primeiro tema é o da morte, sempre recorrente. Todos os dias vão morrendo nossos amigos de mais ou menos idade, impiedosamente, com sofrimentos distintos, a maioria de forma dolorosa prolongada ou em desastres violentos. Muito poucos de repente e sem aparente dor.

Para não falar de catástrofes aonde sucumbem milhares de pessoas.

Até há muito pouco tempo era um assunto em que não pensava.

Mas o meu ponto é o de se ter medo ou não de morrer e mais ainda, ser-se indiferente. É um pouco o meu estado presente. 

Para uns há o cumprimento da promessa da sua fé em que anteveem o paraíso, seja lá o que for, e que se consubstancia no privilégio da presença junto de Deus para a eternidade.

Para outros, é o fim das preocupações, a paz encontrada: não terem mais problemas de taxas sobre pensões de reforma, o não terem que aturar a mulher ou o marido ou filhos problemáticos, ou não terem a desilusão de viverem num país em que já não se revêm, bem como tantos outros motivos. Não há uma vertente espiritual: é afinal o descanso “eterno” encontrado.

O meu é, de momento, um bocejo, o spleen do Eça! I couldn’t care less!

Não me apetece ter que pensar na morte. Tanta coisa ainda por organizar…deixar indicações práticas para se encontrar títulos de jazigos, enterros pré-pagos, milhares de cartas por catalogar, centenas de fotografias para pôr em álbuns, identificar quem são as gentes, livros – 2.500 no Alentejo, na livraria do monte – para pôr por assuntos. 

Mas no fundo, de viagem nesse dia, para que serve preocupar-me? Alguém o fará por mim ou não, hipótese mais provável.

O segundo tema é o da surpresa. Explico.

Há boas e más. Há agradáveis e doces e outras amargas e dolorosas. 

Há ingratidões, agressividades, traições, sacanices, patifarias e gestos inesperados de amizade, aproximação, reconhecimento.

Aonde me situo? Sem dúvida nenhuma, quanto às primeiras, abomino e sinto-me como filho de boa-gente que sou e quanto às segundas, por raras que são, sabem-me a maná caído do Céu!

Já vês que os temas escolhidos são muito prosaicos e até banais, mas nem sempre tratados com esta simplicidade linear.

Diz-me tu alguma coisa de mais excitante que se passe por aí. 

Vê se encontras três personagens a quem te pedia que ao estares com eles, me apures algumas dúvidas e me actualizes sobre quem realmente foram. São eles: 

- Rainha Senhora Dona Carlota Joaquina, Avoenga dos meus filhos. A reputação é do pior e sem entrares em detalhes, ouve-a com comiseração e diz-me a Sua versão. A dos outros, já se vai conhecendo pelos livros e escritos.

- Madre Teresa de Calcutá. Fiquei indignado pela coscuvilhice do seu confessor ao autorizar a publicação da sua vasta e confidencial correspondência com ele próprio. Sobretudo, apura o que ela sentiu quando diz que ao serviço dos mais necessitados, sem embargo de procurar a Fé, não a conseguiu encontrar até à morte. Deve ser um testemunho essencial para quem, como ela, a busca e não tem a virtude de praticar o BEM mesmo sem Fé, como ela o fez. 

- Finalmente, um personagem intrigante para mim, o Imperador Napoleão Bonaparte. Muito se escreveu, mas o seu testemunho será bem diferente. Foca-te na época em que tudo perdeu e acabou por morrer só e no exílio. Os Grandes têm muito mais interesse quando estão na mó de baixo, pois é aonde se vê de que têmpera são feitos. 

E por hoje é tudo.

Um afectuoso abraço muito amigo do teu primo

Manuel


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