domingo, 18 de março de 2012

Nova carta do meu primo Luis Bernardo


Meu Caro Manuel,

Não tenho tido notícias tuas. Nas últimas, dizias-me que viajas para a China e Brasil com uma frequência assustadora e por isso calculo que não encontres o tempo nem a tranquilidade necessária para me escreveres assisadamente.

Vou-te assim dar novas daqui, enquanto espero as tuas.

Dois temas para que te chamo a atenção: estão aqui muito na moda, pois quem daí chega fala recorrentemente neles.

O primeiro tem a ver com a doença: morre muita gente com sofrimento e sem preparação para o fim da vida.

Para além de uma exigente e indispensável atitude de respeito pelo corpo, só se ganha em equilibrar os prazeres próprios do seu gozo e fruição com a percepção de que se não for bem cuidado e atempadamente, traz consequências nefastas.

Imagina-te doente e cheio de medicações, coarctado em poderes viajar para lugares com que sempre sonhaste, trabalhar com interesse em projectos que acarinhas, usar o simples direito de passeares na rua, entrares nas lojas, ires ao cinema ou teatro, conviveres com os amigos, leres ou conversares e por aí adiante consoante o que a cada um melhor lhe aprouver!

O sofrimento não só físico mas sobretudo o moral, o que te corrói o interior, o sentimento de impotência perante a doença, são mais mortais do que os desastres naturais pois estes acontecem esporadicamente.

Por isso, cuida-te! Sê gentil com o teu corpo e a razão é porque só vale a pena tê-lo em plena pujança se o puderes usar! Tão simples quanto isso!

Para que serve um relógio que não trabalha?

O segundo tema é sobre o que tantas vezes conversámos: o “jardim de secreto” de cada um!

Convém que não seja assim tão secreto como isso, senão tornas-te egoísta, guardas para ti “pérolas” valiosas que não exibes! Se forem muito poucos aqueles a quem dás acesso, torna-se maçador: sempre as mesmas caras, os mesmos prazeres partilhados, bref, a rotina! E a rotina mata o amor, a novidade, a frescura, a beleza de “cousa começada”.

Por isso sê promíscuo na partilha do teu lugar de refúgio! Rigoroso na escolha, não queiras lá “grafitis” de desconhecidos penetras, mas alarga o teu leque de amizades, aprofunda e aprende com novos contactos, deixa que a porta entreaberta permita o visionamento a sangue novo e a ideias refrescantes.

Não te fixes nos conceitos que sempre “te” convenceram: importante este pronome “te”, pois tantas vezes achamos que somos os únicos detentores das nossas verdades, daquelas que nos convêm, das mais cómodas e que impedem a transição da nossa “instalação” serôdia e bolorenta, já vista e revista, para novos conceitos!

Quando te olhas ao espelho a cada manhã, já reparaste que para além dos olhos ramelados e a barba crescida, tens na tua testa:

- luzes de “néon” como as das discotecas, a apagar e a acender. O brilho depende de há quanto tempo as compraste e se as limpas com frequência. Às vezes há até letras que já nem acendem!

- as palavras que lá estão escritas são três: “ NÃO TE ENGANES”!

- repara bem, não é não enganes os outros, que naturalmente sabes que não o deves fazer. É a “ti” próprio!

Quantas vezes disfarças! Claro que lês TODAS as letras, já as sabes de cór e salteado, mas por mais que as queiras arrancar, não consegues! Dizem-me que há quem tenha querido fazer cirurgias plásticas para as tirar, mas mesmo os médicos mais célebres, acabam por desistir, pois não as vêem!

Pois claro! Só cada um vê as suas!

São uma presença incómoda, que te desperta para a verdade e para o que às vezes não passa mais do que puro bom senso!

Já nem sei a que propósito vem isto tudo do “jardim secreto”. Deixa que a luz, a paz e o ar puro que se respira transvasem para o teu mundo “conhecido” e assim terás filas de candidatos a “excursões” ao teu paraíso escondido!

Um abraço amigo do teu primo muito afeiçoado

Luis Bernardo

2 comentários:

  1. Se for muito partilhado deixa de ser secreto. Então...

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  2. aqui o adjectivo é relevante: muito ou pouco depende do próprio.

    quantas vezes se guarda ciosamente o que consideramos riqueza ou felicidade em troca de partilha e generosidade!

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