domingo, 4 de março de 2012

Respeito


Daniel estava doente.

Tinha-lhe sido diagnosticado um tumor no cérebro. Não era maligno mas doía pra burro no alto da cabeça.

Padecia de estranhos sintomas que os médicos não conseguiam explicar: queixava-se que ouvia vozes internas conversarem consigo, como se o tumor fosse a sua consciência, o seu alter-ego.

Começara a tomar nota pois estava tudo muito bem organizado: cada conversa cobria uma parte da sua vida. Umas vezes eram duras críticas, outras admoestações a que fosse menos indulgente consigo próprio, finalmente dava conselhos personificando os destinatários.

Que era solteiro ou descomprometido porque tinha um feitio danado: era frio, tinha certezas absolutas sobre o que queria, não cedia um palmo, era egoísta, pensava mais no seu prazer do que facilitar o caminho até à porta do seu coração. Punha condições para a esquerda e para a direita e se não fosse assim e assado, não interessava, etc

Que cortava a direito no trabalho, que se sentia superior aos demais. Não tinha o dom da cordialidade nem paciência para aceitar os outros como eles eram. Era uma espécie de bicho-das-contas que enrolava para dentro e calava-se. Jamais exteriorizava os sentimentos e ralava-se pouco com os efeitos que isso produzia nos que o rodeavam.

Era um solitário e criativo e tinha alma de artista: pintava e captava bem as imagens e conseguia ter harmonia de sons e tons.

Talvez fosse um pouco tímido, não ousava deixar que se entrasse no seu “jardim-secreto”, ou pelo menos a toda a gente e tinha muito para dar e receber.

O crescimento do tumor tomava proporções alarmantes e crescia a olhos vistos e Daniel temia que a doença não mortal se transformasse na causa da sua morte precoce, pois ainda era novo.

A voz dizia-lhe que aproveitasse o tempo para deixar legados de afeição a uns e outros, e sobretudo que falasse enquanto pudesse, pois de um dia para o outro ficaria impedido de ver, comunicar e escrever e seria tarde demais.

Daniel pensou que isto que lhe estava a acontecer poderia ser o mesmo que ele previra para os Presidentes Lula, Chávez e Cristina Kirchener: que todos eles vão morrer apesar de não acreditarem, mas ele tem a certeza!

Acordou do sonho em que mergulhara e partiu para o trabalho não sem se prometer que faria uma TAC completa, nomeadamente à cabeça, porque iria jurar que ouvira mesmo uma voz!

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