quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Branca de Neve


Era uma vez uma menina chamada Branca de Neve que vivia nos subúrbios de Lisboa.

O pai, Adolfo, desde há muito estava desempregado e dedicava-se a roubar automóveis, nomeadamente à noite e em ruas mais desertas identificava as viaturas alvo dos seus furtos e desmontava tudo quanto fossem rádios, leitores de cds e outros apetrechos de valor. Chegava sempre tarde a casa, pousava o fruto dos seus roubos em cima da mesa da cozinha, comia qualquer coisa e deitava-se.

No dia seguinte acordava pela hora do almoço, ia até à tasca aonde jogava manilha ou à bisca lambida com os compinchas do bairro, chegava até a gabar-se das aventuras da véspera e normalmente voltava a casa à tardinha já bêbado. Dormia uma sesta antes de sair novamente para a noite e uma vez por semana, contactava os diversos receptadores a quem vendia os produtos roubados e recebia o dinheiro.

No meio disto tudo, existia a mãe da Branca de Neve, de nome Serenela, que era prostituta e que tinha um horário semelhante ao do Adolfo, coincidindo na cama com ele às horas da sesta aonde umas vezes levava umas sovas de morte quando ele vinha mais entornado ou praticavam cenas de sexo tórridas, que nas palavras de Serenela, se lhe entregava pois apesar de tudo o Adolfo era o seu homem e com os clientes não tinha prazer.

Cada um contribuía com dinheiro dos seus ganhos para a educação de Branca de Neve, a quem ambos queriam que fosse, um dia, uma princesa.

Desde sempre a puseram em escolas longe do bairro para que a sua morada não pudesse ser identificada, compravam-lhe roupas caras, pagavam-lhe explicações e até lhe deram uma scooter vistosa para que pudesse cirandar pela cidade.

Como o nome indicava, Branca de Neve, tinha umas cores claras, muito bem feita de formas, atractiva, com uns bonitos olhos e nada diria no seu aspecto exterior ser filha dos seus progenitores que eram, de facto, do mais vulgar e rasca que havia.

Começara a dar-se com os rapazes do liceu que a achavam bonita, tinha conversa, aparentava dinheiro e como se vestia e calçava à moda, atraiu as atenções de Pedro, um colega de turma, filho de um engenheiro da Galp, segundo ele lhe dissera.

Um dia vira que o pai de Pedro o trouxera ao liceu num grande BMW e achou-o simpático e com bom aspecto, com um fato impecável e de gravata e pensou consigo mesma – gente da alta!

A relação ia-se estreitando cada vez mais e era já quase em exclusividade que passavam os dois os tempos livres juntos e o namoro assumiu-se perante a escola e os amigos de ambos.

Pedro dissera em casa que tinha uma namorada gira e ao descrevê-la todos acharam que deveria ser divertido conhecê-la, sobretudo porque o nome de Branca de Neve suscitara a maior curiosidade. Foi assim sugerido a Pedro que a convidasse um dia a ir lá a casa almoçar ou jantar.

Branca de Neve estremeceu quando Pedro lhe transmitiu o convite mas não deixou transparecer a sua reacção e disse-lhe com um ar natural que talvez sim, mas que seria melhor deixar passar ainda algum tempo, pois ela era envergonhada e ainda não tinha muito à vontade e o namoro ainda ia no princípio.

Pedro aceitou o argumento e disse-lhe que só o fariam quando a ela lhe apetecesse, mas não resistiu a contar-lhe os comentários e perguntas da família sobre o porquê do seu nome tão invulgar de Branca de Neve, confessando-lhe aliás que desde que a conhecera e das poucas vezes que tinha abordado o tema, ela sempre fugira à questão.

Nessa noite, Branca de Neve, convocou os pais para uma conversa tendo eles adiado o horário das suas saídas habituais e abordou pela primeira vez o namoro com Pedro, o convite para ir a casa da família dele, a curiosidade quanto ao nome, etc..

Serenela, demonstrando algum pânico, disse-lhe que tinha que acabar de imediato com o namoro dando uma desculpa qualquer e mudar de liceu pois tornava-se impossível que alguma vez viessem a descobrir quem os pais eram, o que faziam e aonde moravam.

Com a maior perplexidade, Branca de Neve, pediu explicações e disse que gostava do Pedro e que compreendia que tivesse que ser discreta, mas que não ia desistir da sua vida por causa dos pais.

Adolfo, que estava estranhamente calado, disse-lhe que tinham que conversar com tempo e com calma os dois e que a mãe fosse para o quarto ou que fosse à vida dela.

Contou-lhe que o nome lhe fora dado por uma visitadora da maternidade que ao vê-la recém-nascida a achara tão pura e tão clara que se oferecera como madrinha e propusera que se chamasse Branca de Neve.

Na altura deixara algum dinheiro que os ajudou nos primeiros tempos mas que desaparecera, tendo eles vindo a saber pelo hospital, que morrera num desastre de automóvel.

Quanto ao Pedro aconselhou-a a que antes de se envolver com ele e a sua família, procurasse no bairro outros rapazes que eram mais da sua criação, pois pelo que ela lhe contara, a diferença social era inconciliável e ela seria sempre infeliz.

Dias mais tarde, num apartamento de um amigo do Pedro que lhes emprestara para uma primeira experiência sexual completa entre ambos, Branca de Neve sentiu como ele se lhe entregara sem limites e sem perguntas, não lhe passando pela cabeça que ela não tivesse tomado todas a precauções.

Branca de Neve sentia-se feliz com Pedro e não tornara a abordar o tema com os pais e até lhes fora dizendo que a relação esfriara e que não havia necessidade de mudar de escola. Quanto a namorados, a seu tempo, veria ali no bairro com quem começaria a sair.

Umas semanas depois do encontro estavam uma tarde no parque, na relva, de mãos dadas, gozando a luz soberba e soalheira da Primavera e de repente Branca de Neve teve um desmaio momentâneo, quando Pedro aproximava a boca para lhe dar um beijo.

Ao recobrar os sentidos, abre os olhos e diz docemente:

- O meu príncipe acordou-me dando um beijo à Branca de Neve!

Sete meses depois, nascia o Ruben na mesma maternidade em que Branca de Neve tinha nascido, nos subúrbios da cidade de Lisboa.

No registo de nascimento (que agora já se pode fazer nos hospitais civis), constava que era filho de Branca de Neve e de pai incógnito.

MNA

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