quinta-feira, 26 de maio de 2011

Conto da dona Lili (8) Abandonada


Maria Alberta tinha-se tornado no anjo bom de dona Lili. Mudara-se de armas e bagagens para a sua casa e era-lhe muito dedicada.

Dona Lili piorava dia a dia: o cancro carcomia-a e debilitava-a. Maria Alberta cuidava dela, tratava-a com carinho e solicitude e o tempo ia passando, aproximando-se o fim.

Desde que dona Lili ouvira as narrações de Maria Alberta ficara muito impressionada. Por um lado descobrira uma parenta, o que no fundo era um motivo de alguma vaidade pois apresentara-a na vizinhança como a prima do Brasil – nem toda a gente tem primos no Brasil e ainda por cima tão maneirinha e bem apessoada como ela – e depois porque começando a sentir que a morte sobrevinha, deixava assegurado o futuro da herança.

Mandara vir um notário, num dia em que Maria Alberta se ausentara para fora de Lisboa, ditara o seu testamento a favor dela, e a partir desse momento o seu coração amansou, tornou-se menos áspera e gozava as delícias de ter alguém que desinteressadamente dela tratava.

Maria Alberta contara-lhe que quando fora posta na rua pelo dr. Daniel, o seu maior temor tinha sido o de retornar a casa sem que pudesse dizer ao seu marido das razões de tão súbito desemprego.

A amargura e a angústia aguçam o engenho e Maria Alberta lembrou-se de que poderia justificar o seu despedimento como tendo sido pelo facto do dr. Daniel, aproximando-se da reforma, estar a programar volver à xácara e aí viver em definitivo.

A razão foi entendida, não sem resmungos, e ficou decidido que Maria Alberta voltasse a procurar emprego a partir do dia seguinte.

Nessa noite, estando menos embriagado, teve vontade dela, de a possuir com bruteza, fazendo-a gozar mostrando quem mandava. Sentiu-a fresca, nova, com carnes tenras e roliças e esboçou os primeiros gestos para a abraçar e despir.

Maria Alberta levantou-se de sopetão da cama e disse-lhe que estava doente, que talvez fosse imprudente qualquer contágio pois o dr. Daniel mandara-a observar no hospital e a conclusão foi a de que teria que manter a abstinência, pelo menos durante os 6 meses seguintes.

Ficou furioso mas timorato – nessa altura morriam como tordos de infecções venéreas – e encolhendo os ombros pensou que teria outras mulheres quando lhe aprouvesse e adormeceu.

Maria Alberta decidiu nesse momento que urgia partir e para sempre. Gizou mentalmente um plano de fuga e adormeceu mais tranquila pensando que talvez pudesse zarpar com Dani que lhe prometera o céu na terra!

(continua)

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