terça-feira, 3 de maio de 2011

Conto da dona Lili (4) a fuga de Maria Alberta


Para os membros da família de Celso Pereira os negócios corriam bem. Usufruíam da fortuna amealhada pelo progenitor, composta por vastas propriedades, currais de gado e fazendas e sítios arrendados a inúmeros cultivadores, para além do negócio das padarias que se tinha vindo a multiplicar pela abertura de várias unidades por toda a região sertaneja.

Celso estava frequentemente fora, tratando do alargamento do seu negócio. Os restantes membros da sua família eram a sua esposa, Cíntia Melão, e os seus dois filhos, Maria Alberta e Borba Gato.

Tinham muitos dependentes, criados e trabalhadores de panificação da empresa principal, que habitavam nos baixos da casa grande da xácara.

Preocupava à família o casamento da jovem herdeira Maria Alberta e certamente tinham planos minuciosos para esse casamento, uma vez que estava em jogo a fortuna duramente adquirida; de preferência era necessário mantê-la ou ampliá-la para além de estreitar laços com famílias importantes da região.

Esteve prometida a um doutor Abelardo Couto, mas havendo uma diferença de idades significativa, cedo se desinteressou dele e começou a recusar todos os putativos noivos que o seu pai, subsequentemente, lhe arranjava.

Mais do que satisfazer os desejos do seu afecto e coração, casar era garantir a preservação do património da casa e as alianças de poder comercial com outras famílias de nível social superior.

Em meados de Janeiro daquele ano, Maria Alberta fugiu com Manuel Pais da Silva.

O casal levou duas criadas e algumas jóias e foi-se refugiar na casa do Coroné Álvaro Falcão, inimigo de Celso por razões de política local, que os protegeu na fuga para a cidade.

Uma vez lá, apoiados por outros concorrentes do pai, casaram-se 10 dias depois.

No dia da fuga, Celso Pereira estava fora mas regressou de urgência para assumir o controlo da situação.

Exigiram que as autoridades locais tomassem providências, argumentando que se tratava de uma fuga não consensual, mas antes de um rapto perpretado por um indivíduo de má reputação e de muito baixas origens.

Os inimigos de Celso goraram os seus planos, e assim um assunto de ordem doméstica tornou-se num escândalo público, pois envolvia a partilha de uma das maiores fortunas da região, da qual Maria Alberta era a presuntiva herdeira, visto que o seu pai, deserdara o irmão Borba Gato por ser um desordeiro, bêbado e dissipador dos bens da família.

Acabaria mal, como já sabemos.

Para além dos aspectos económicos (os negócios e o património), também estavam em jogo os códigos morais de uma sociedade sob o manto do catolicismo, que não aceitava uma união conjugal sem os sagrados laços do matrimónio e a aprovação da família.

Quando fugiu, Maria Alberta era ainda menor de 25 anos e estava destinada a um casamento sob o controle do pai, sem possibilidade de escolha; casar era um dever para com as gerações futuras da família, para manter a fortuna e o prestígio ou, como dito por Celso “que tinha que casar segundo a sua qualidade”.

Assim, a sua fuga com um indivíduo de poucas posses pôs em cheque o património famíliar.

Sabida a notícia, Celso tentou por todas as formas impedir ou anular o casamento, para evitar que Pais da Silva tivesse acesso aos bens de Maria Alberta e, por fim, sem o ter conseguido, resolveu também deserdar a filha.

(continua)

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