quarta-feira, 4 de maio de 2011

Conto da dona Lili (5) O reencontro das primas


- E assim vê a prima como acabei deserdada, acreditando no amor! – disse Maria Alberta, sentada numa cadeira desconfortável da salinha de estar, no rés-do-chão da casa de dona Lili na Amadora.

- E porque veio a prima até Lisboa e logo me encontrou? Ninguém conhece aonde eu moro! Como soube a Maria Alberta da minha existência? – perguntou dona Lili, a quem o conhecimento súbito de que tinha uma prima brasileira cujos pais enriqueceram e gozaram de grandes mordomias, acabando, porém, deserdada, excitava como se pudesse rever-se num dos seus romances de cordel.

- Sirva-se de um pouco de hidromel, é ainda do tempo do meu defunto Arnaldo. Temo que esteja passado. A dona Yvete, a minha vizinha, deixou-me acabar os biscoitos. Não tenho mais nada com que acompanhar, desculpe sim – e dona Lili recostava-se para ouvir as explicações da prima.

- Pois olhe, a sua morada soube-a pelos correios, e a minha tia Gracinda, irmã do meu pai, que acabou os dias em nossa casa lá no Brasil, deixou uns papéis aonde se referia a uma sobrinha de nome Libertária que morava na Amadora – respondeu Maria Alberta.

Quando soube que estava deserdada, Maria Alberta que muito gostava do pai, chorou amargamente e arrependeu-se do gesto tresloucado da sua fuga. Mas era tarde, pois Pais da Silva, o companheiro e depois marido, começou a tratá-la mal.

O dote e a futura herança tinham sido os engodos a que tinha ido quando com Maria Alberta se começara a encontrar e a planear a fuga e o casamento.

Casa modesta num bairro esconso da cidade, sem grande luz e móveis desconfortáveis, comida de pobre e pouco farta, bebedeiras de Pais da Silva com chegadas a desoras cada vez mais frequentes, tornaram o seu dia-a-dia num verdadeiro pesadelo.

Só pensava em fugir, mas Manuel vigiava-lhe os passos. Resolveu então usar de um estratagema: iria trabalhar. Assim sempre ganhava uns cobres, tinha liberdade de movimentos e podia começar a planear o seu regresso à casa paterna.

Pais da Silva achou bem. Sempre era mais dinheiro que entrava para gastar na taberna e podia assim deixar de vadiar pela cidade como pedinte.

Maria Alberta empregou-se a dias em casa de um doutor Daniel, cirurgião no hospital central, viúvo e com 3 filhos homens: Luiz, Gabriel e Dani, o caçoila.

Era uma família acolhedora e Maria Alberta foi bem recebida. Almoçava por lá, arrumava os quartos, limpava as salas e servia à mesa. Tinha uma boa experiência destas tarefas, pois o que agora fazia, tinha observado criadas o fazerem, no passado, em casa dos seus pais.

Ia nos seus 29 anos, com uns belos olhos, uma cara sorridente e um corpo esguio e bem feito, uns seios salientes e atractivos, não fosse ela filha de Cíntia Melão, que tomara este apelido pela mesma razão.

Dani era um rapaz de 28 anos, bem apessoado, com uma tez clara e um nariz bem lançado sobre uma boca bem feita que deixava entrever um sorriso encantador. Trabalhava com o pai como médico internista e era tido como um bom conversador.

Quando foi admitida, o doutor Daniel pediu-lhe referências e ela não pôde deixar de lhe contar o seu passado, pedindo-lhe sigilo.

Fora muito compreensivo e até lhe dissera que se quisesse, podia mudar-se lá para casa para um dos quartos nos arrumos. Maria Alberta, ficara-lhe agradecida mas declinara, dizendo que temia retaliações de Pais da Silva.

Quando servia à mesa, aprumada e em silêncio, ouvia as conversas da família e notara o fino humor de Dani. Sempre que com ele entrecruzava os olhares - por pura casualidade - era como se estivesse a ser observada com um interesse, que ela achava ser mais do que o usual entre patrão e empregada. Notava um discreto sorriso e um brilhozinho nos olhos que à medida que os dias passavam, começou a constatar, aumentava de intensidade.

O doutor Daniel tinha, obviamente, contado aos filhos com quem não tinha segredos, quem Maria Alberta era e desde o início havia como que um respeito e admiração de todos por ela, por se encontrar nesta situação devido aos infortúnios da vida.

- A Maria Alberta, no domingo está livre da parte da tarde? – perguntou Dani, quando regressava do trabalho um fim de dia e se estirava, cansado, num sofá da sala.

- É o meu dia de folga, mas tenho muito que fazer em casa, pois preciso de deixar a lida da semana toda feita para o meu marido – respondeu Maria Alberta, intrigada e num meio sobressalto.

- Ora, ora o seu marido que se arranje! Precisava de si para esse dia. Umas coisas cá em casa, só minhas. O meu pai e os meus irmãos estão para a xácara e eu fico para trás de propósito. Então fica combinado? – disse Dani, numa voz sem margem para discussão.

- Terei então logo, que avisar o meu marido – respondeu a moça, sem o olhar nos olhos, mas muito açodada.

(continua)

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