terça-feira, 4 de abril de 2017

O PENINHA E O BES


O PENINHA E O BES

O Peninha tem andado calado pois ainda não deglutiu as perdas que sofreu nas suas poupanças que tinha no BES.

Uma madrinha, a dona Casimira que era costureira em Alguidares-de-Cima, trabalhou uma vida para a Casa do Povo, para a União Nacional, Mocidade Portuguesa e até, esporadicamente para a dona Maria do Dr. Salazar.

Fazia os uniformes para os meninos da Mocidade Portuguesa e como era exigente, trabalhava que se desunhava para confeccioná-los com presteza e perfeição. Também para a União Nacional e Legião, pois arranjava os trajes para os desfiles. Finalmente para a Casa do Povo, era mais disfarces e roupas alegóricas para os corsos do Carnaval.

Quando era mais nova tinha duas ajudantes que lhe permitiam dar resposta aos pedidos. Com a idade foi mandando fazer em sistema de subcontratação em costureiras dos arredores.

Morreu de exaustão e deixou uma considerável maquia ao afilhado, pois fora sempre solteira e nunca conhecera homem. O Zé do moinho ainda lhe arrastou a asa, mas Casimira sabia que não teria tempo para uma vida conjugal e de trabalho tão intenso como era a sua.

Um dia recebeu um pedido para fazer umas fardas com crista para umas criadas do Dr. Salazar, em Santa Comba Dão. Um bilhete discreto da dona Maria, pedia-lhe que não fosse careira, pois o Sr. Doutor achava um desperdício, mas ela tinha que manter o nível da casa do Presidente do Governo.

Peninha viu-se assim no dealbar do 25 de Abril com uma soma importante que aplicou mesmo uns dias antes da revolução na bolsa através de um balcão do BES, tendo sido para isso aconselhado por um Bartolomeu que em surdina sugeria a cada um dos clientes o mesmo nome de empresa para investir na compra de acções aonde tinha aplicado vultuosas quantias. No dia seguinte o excesso de procura fazia-as subir desmesuradamente e o nosso Bartolomeu vendia os seus lotes com significativos ganhos.

Entretanto Peninha, depositara o dinheiro na conta e ainda nada tinha aplicado quando se deu o glorioso. Por isso nada perdeu.

Depois de tontamente festejar nas ruas com soldados, marinheiros, camponeses e operários – SEMPRE, SEMPRE ao lado do povo – cansou-se de tanta festança e caiu em si quando começou a ver que não se entendiam na governação do País. Pensou no seu rico pé-de-meia e foi ao banco para saber da sua vida.

Entretanto passaram-se os anos e Peninha de nada tinha que se queixar do GES e do BES pois eram decentes e o seu dinheiro crescia a olhos vistos.

Mudou tudo com a entrada de Ricardo Salgado para Presidente do banco e Peninha sentiu-se atraído pela personalidade e pelo dinamismo que dava ao Grupo e começou a sonhar tornar-se accionista. Falou ao seu gerente do balcão e deixou cair que teria muito gosto e honra em se tornar um modesto apoiante do projecto dos Espíritos Santos.

Assim fez e como o dinheiro que acumulara era ainda bastante, aproveitou um aumento de capital atractivo para comprar uma percentagem interessante do capital do BES.

Andava todo ufano e agora o sonho era conhecer Ricardo Salgado. Ouvira dizer que uma vez por ano, Ricardo Salgado convidava accionistas importantes para almoçar no banco, no topo, na sala da Administração: um privilégio.

Bem sabia que não era empresário nem industrial, mas tendo prometido ao Tóbé Alves – o seu gerente de conta – uma generosa compensação se lhe arranjasse um lugar para esse almoço, foi alvoroçado que recebeu em casa um convite que dizia:

RICARDO SALGADO, PRESIDENTE DO BANCO ESPÍRITO SANTO, convida o Sr. Peninha César de Roboredo para um almoço formal, na sede do Banco, em Lisboa, no dia 12 de Janeiro de 1989, pelas 12h45m, sendo servidos drinks e um almoço para homenagear os accionistas de referência, aonde estarão presentes outros membros do Conselho de Administração.

Fato escuro e gravata
RSFF

Peninha mostrava o convite a todas as pessoas da sua convivência, na mercearia do Maurício, na padaria do Fanan, e mesmo até ao Firmino sapateiro que trabalhava para gente de renome.

Pôs-se a pensar que teria que comprar um fato escuro que não tinha e uma gravata a condizer.
Foi ao Martim Moniz e numa loja de paqui, do sr. Ficali, pediu para ver fatos de cerimónia de fino gosto e escolheu um azul-escuro com muitas raias, pois assim daria nas vistas, cogitou. O sr. Ficali disse-lhe poderia usar também um papillon, ou seja, um laço. Peninha hesitou, pois no convite dizia bem claramente – gravata – mas cedeu e comprou um laço de seda azul berrante com elefantes pequenos de tromba no ar, que dizem que dá sorte!

Quando os criados impecáveis lhe serviam os ditos drinks enquanto esperavam pela chegada de Ricardo Salgado e dos seus acompanhantes, Peninha estava impante. Bebia um Martini com o dedo mindinho espetado e nem se apercebia da troça que alguns outros convivas faziam do seu laçarote e dos seus sapatos bicudos de matar baratas ao canto, de crocodilo falso!

Entra Ricardo Salgado, pomposo, mas amável, todo sorrisos e cordialidade para os convidados. Pudera não, era com estes com quem podia fazer as suas tropelias pois os mais frios e exigentes estavam sempre em cima dele a ver como gastava o dinheiro deles e não ficavam nada impressionados com este show-off.

Quando todos saíram, Ricardo Salgado, num último sorriso fecha a porta devagarinho e cai esfalfado para cima de uma cadeira e diz para os outros:

- Já não aguentava mais estes possidónios!

Peninha, durante dias não lavou a mão que deu a Ricardo Salgado quando se cumprimentaram.

Foi desafiado para ir à compra de papel comercial e ficou sem nada. O Tóbé atraiçoou-o quando lhe disse que era de confiança. E lembrou-lhe com deferência: - então não acredita no seu amigo Salgado?

Peninha ainda hesitou, mas pôs uma condição: que o Tóbé informasse Ricardo Salgado da compra vultuosa que fizera…sempre poderia vir algum bilhetinho de agradecimento!

Verba ligant homines, taurorum cornua funes. ( Ao boi pelos cornos, ao homem pela palavras.)

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