quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Episódios picarescos da visita oficial à Serra Leôa - El Presidente (final)



Foram-me buscar ao Hotel e lá fui de limousine para o Palácio Presidencial, que era um edifício nobre e imponente contrastando com os que se viam em Freetown. Uma guarda pretoriana montava a segurança.

Carregava comigo séculos de história simbolizados na caravela de filigrana falsa que, com custo e sem posição, levava nas mãos para ofertar ao Presidente Joseph Momoh! 

Enquanto esperava num hall com colunas, vejo sub-repticiamente vir na minha direcção o Ministro dos Negócios Estrangeiros, com um albornoz muçulmano e sorridente. Lembrei-me do Grão-Vizir do Sultão das Mil e Uma Noites!

Por precaução tinha trazido um envelope para entregar a quantia ao Ministro após a audiência, pois recusava-me, quand-même, em dar-lhe o dinheiro na mão pois ainda me chocava mais!

Um fotógrafo oficial aproximou-se com uma enorme máquina fotográfica de um modelo antigo e perguntou-me se eu queria que ele tirasse umas fotografias com o Presidente e sobretudo na entrega do presente…que lhe havia de dizer! Que sim, obrigado.

Disse-me que seriam USD 20,00 e logo ali lhos entreguei. Até hoje estou à espera de uma dúzia de chapas que tirou abundantemente e que me prometeu enviar pelos canais diplomáticos. Tenho a certeza que não tinha rolo na máquina de retratos!!!!

Chegado o momento do encontro com o Presidente e entrando para o seu enorme gabinete sou recebido com muita cordialidade, um largo sorriso e efusivos apertos de mão.

Entreguei-lhe primeiro a carta do meu Presidente que muito agradeceu e em seguida a dita caravela em filigrana falsa que lhe suscitou rasgados elogios e visível contentamento.

Falámos sobre o navegador Pedro de Sintra, descobridor do país e de algumas trivialidades.

Entretanto reparei que em cima da sua enorme secretária tinha para além do normal, dois pequenos écrans de televisão, um dando para o telhado aonde se via um helicóptero e outro para a entrada do palácio.

Presumi que fosse para em caso de golpe de estado, ao ver entrar ou uma turbamulta ou as tropas infiéis, poder fugir para o telhado e escapar de helicóptero.

Como já era no fim da tarde a sala estava iluminada. De repente mergulhámos na mais profunda escuridão. 

C’os diabos, pensei eu, logo por azar estou no meio de um golpe de estado! O Presidente continuava a falar como se nada fosse e eu respondia-lhe…situação ridícula pois não nos víamos um ao outro! Explicou-me que o fornecimento de energia para Freetown era através de 4 grandes geradores, que tinham cortes periódicos, para poupar no fuel…

Os ditos écrans serviam para nada, pois todas as vezes que a energia fosse abaixo, seria o momento ideal para planear e concretizar um golpe de estado! Mas não lhe disse, como é óbvio!

Ainda estivemos uns longos 20 minutos nesta embaraçosa situação, em amena cavaqueira até que a luz voltou.

Mostrou-me então uma pepita de ouro ( o país tem, entre outros recursos, ouro de aluvião e diamantes – do triste filme “Blood Diamond” – ou o Diamante de Sangue que retrata a dolorosíssima e sanguinária guerra civil que teve lugar uns anos mais tarde) e convidou-me a associar-me a ele e ao seu Grupo para a exploração de ouro e concessões de diamantes, dizendo-me que me concederia as que eu quisesse!

Fiquei sem palavras e reflectindo, para não o ofender nem causar qualquer reacção inesperada menos segura para mim, contra-argumentei dizendo que sendo eu diplomata do seu país não deveria estar envolvido em negócios! Retorquiu-me que não tinha qualquer importância sendo sancionado por ele, como Presidente. Calei-me e acrescentou que mandaria o Ministro das Finanças e o das Minas falar comigo.

Despedimo-nos e acompanhou-me até à porta, muito entusiasmado com os potenciais negócios que dizia, iria fazer por meu intermédio…

A caminho de volta à entrada, vejo o Ministro dos Negócios Estrangeiros que se aproxima e me pergunta como tinha decorrido a audiência, ao que lhe respondi, que com muita cordialidade e amabilidade do Presidente para comigo.

Houve ali um silêncio súbito que interpretei como o de ele aguardar que me manifestasse quanto ao pagamento que me tinha anteriormente referido.

Assim fiz, e perguntei-lhe baixinho e quase sem palavras quanto deveria entregar-lhe. O meu medo era o de me forçar a pagar o que não tinha!

Oiço aliviado e surpreso dizer que USD 50,00 “will perfectly do”!

E regressei ao Hotel Bintumani aonde me esperavam os meus três amigos, para combinarmos para o dia seguinte de manhã mais uma lagostada, ao preço de quase um Ministro dos Negócios Estrangeiros!

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