segunda-feira, 29 de março de 2010

A minha entrevista a Pu Jie - I parte



Uma vez sentado numa cadeira incómoda de um quarto amplo mas desconfortável, tentava explicar a Pu Jie que era um português que estava temporariamente a trabalhar para uma empresa chinesa relevante em Hong Kong, que tinha lido as memórias do irmão e visto o filme de Bertolucci e que…tinha-se feito um silêncio embaraçante da sua parte, tal como acontecera nos anteriores 20 minutos que me levaram a convencê-lo a abrir-me a porta e a deixar-me entrar para os seus aposentos para uma pequena conversa, depois de lhe ter assegurado que não era jornalista!

Tive a sensação de que se não quebrasse o silêncio estaria fora do quarto nos minutos seguintes, pois era uma cena patética!

Resolvi perguntar-lhe sobre os seus hobbies que tinha identificado na literatura lida e pareceu-me que seria uma introdução mais aceitável e não intrusiva.

Com espanto meu, a cara abriu-se num sorriso mais franco e começou a falar num inglês decente, lento e como que rebuscando na memória os tempos das aulas com o seu preceptor britânico:

- Gosto de fazer birdwatching que para mim é a observação e o estudo dos pássaros a olho nú ou com binóculos. Faço-o através dos dois meios e a estação do ano mais apropriada é na Primavera ou no Outono durante as grandes migrações, podendo-se ver uma grande variedade de pássaros. Nestas alturas levanto-me muito cedo de manhã pois é nestes momentos que os pássaros estão mais activos e os trinados tornam mais fácil localizá-los e observá-los.

Interrompi-o para lhe pedir respeitosamente que me explicasse o que o fazia ter este fascínio pelo birdwatching:

- Tenho estudado com profundidade a provável razão de ser deste interesse em birdwatching e creio que se pode tratar de mais uma expressão do instinto caçador do ser humano ao tentar observar a sua presa bem como a de revelar uma tendência do macho para a sistematização, pois havendo uma maioria significativa de homens em detrimento de mulheres, para estas é mais um exercício intelectual e de desafio do que partilha de informação – explicou.

- Faço-o por uma questão de ocupação do tempo e numa perspectiva mais estética do que utilitária (a de alimentar pássaros). É uma espécie de ciência praticada por cidadãos responsáveis que se preocupam pela protecção do bem-estar dos pássaros e na identificação de potenciais ameaças para espécies raras em risco de extinção.

Fez uma pequena pausa, olhou-me como se me visse pela primeira vez e disse:

- Também me dedico à caligrafia usando caracteres chineses. Este tipo de arte influenciou as pinturas a tinta-da-china e aguarela pois usam o mesmo tipo de utensílios. Curiosamente conduziu ao desenvolvimento de muitas formas de arte na China como os selos pessoais gravados, os pesa papéis ornamentados e os estilizados pilões em pedra para dissolverem a tinta sólida em líquida.

- A caligrafia é uma forma de eu expressar uma escrita correcta, concisa, harmoniosa e esteticamente agradável à vista.

- Utilizo o pincel de tinta, a tinta, o papel e o pilão para liquefazer a tinta, considerados como os “Quatro Tesouros para o Estudo”. Para além destes utensílios também uso pesa papéis ornamentados e bases para pousar o papel na minha secretária.

- Os meus pincéis de tinta são feitos de bambu (a base) e tenho alguns em sândalo vermelho ou vidro, também.

- A parte de cima dos meus pincéis é feita de penas ou cabelo de animais como o coelho, o gamo, o pato, de galinhas, mas há uma tradição curiosa na China de que ao fazer-se um pincel de tinta com o cabelo de um recém-nascido, será uma recordação única na vida para ele, quando for crescido.

Está ligada a uma lenda que narra que um investigador chinês ficou qualificado em primeiro lugar numas provas para a corte do Palácio Imperial dos meus antepassados, usando um pincel personalizado com o seu próprio cabelo de menino.

- O papel que utilizo é feito de arroz, bambu e de outros materiais. Os pesa papéis ornamentados servem-me para colocá-los no topo da página para evitar que deslizem enquanto desenho e também uso a minha mão esquerda firmada na base da folha para suporte da mão direita com que pinto. Tudo isto assenta numa base de feltro.

- O meu objectivo é o de pintar obras de arte de reputados calígrafos. Requer muitos anos de prática, a certeza de uma estrutura equilibrada em cada folha, ritmo, pinceladas com a tinta certa – e terminou este monólogo um pouco exausto, baixando os olhos para as mãos cruzadas no regaço.

Agradeci-lhe efusivamente as suas descrições e Pu Jie confiou-me que estes eram aspectos da sua vida que nesse momento lhe traziam tranquilidade e um pouco de esquecimento do passado.

(to be continued)

MNA

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